Acórdão nº 08B1945 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Data01 Março 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: AGRAVO Decisão: NEGADO PROVIMENTO Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 378º, 494º, 495º, 661º, 667º, 716º CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 427º, 428º, Sumário : 1. A falta de alegação oportuna de matéria de facto preclude a possibilidade da sua alegação no recurso de revista.

  1. Tendo as partes acordado num mecanismo de determinação de prejuízos que implicava a intervenção de um revisor oficial de contas e a aplicação de certos critérios técnicos, não pode o tribunal condenar no respectivo pagamento sem essa intervenção prévia.

  2. Não é admissível a rectificação de erros materiais de uma decisão após a subida do recurso dela interposto.

  3. Provada a existência de prejuízos, pode a respectiva quantificação ser remetida para liquidação.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em 20 de Janeiro de 2004, R... – Recolha de Leite da Beira Interior, Lda., instaurou contra Lacticínios Progresso do M..., Lda. uma acção na qual pediu a sua condenação no pagamento de (a) € 231.577,08, com juros de mora calculados “sobre o montante de € 215.857,62, desde o vencimento das facturas até integral e efectivo pagamento”; (b) de todas as importâncias correspondentes aos prejuízos já verificados e que vierem a resultar do “incumprimento do artigo 11º do pacto social”, a liquidar; e (c) dos “honorários devidos ao Revisor Oficial de contas, por virtude do apuramento dos prejuízos causados pela ré”.

    Para o efeito, a autora alegou, em síntese: – ter como objecto social “a recolha, concentração, distribuição, pasteurização e empacotamento de leite”; – ser a ré sua sócia; – resultar do referido artigo 11º que, nas zonas em que actua, é vedado aos sócios “efectuarem recolha própria de leite”, que o leite disponível é rateado entre os “sócios na proporção das suas participações no capital social” e que “os sócios que não pretenderem o leite que lhes cabe” são responsáveis pelos prejuízos que causarem, que serão apurados por um Revisor Oficial de Contas, nos termos ali estabelecidos, devendo suportar os respectivos honorários; – que estão em dívida diversos pagamentos, relacionando várias facturas por pagar, total ou parcialmente (€ 175.742,92+ €40.114,7); – que são devidos juros de mora, à taxa legal supletiva de 12%, desde o vencimento de cada factura até efectivo pagamento (artigo 102º do Código Comercial e Portaria nº 262/99, de 12 de Abril), já vencidos no montante de € 15.719,46; – que a ré deixou de comprar leite, por decisão unilateral, a partir de Abril de 2003, devendo portanto suportar os prejuízos, a calcular nos termos acordados, e a liquidar em execução de sentença.

    A ré contestou, por impugnação e por excepção, e deduziu reconvenção.

    Em resumo, contrapôs: – que foi a autora que, por deliberação de 8 de Agosto de 2003, decidiu deixar de lhe fornecer leite, o que se verifica desde 25 desse mesmo mês, condicionando os fornecimentos ao pagamento do que entende estar em dívida e à prestação de uma garantia bancária; – que a confissão resultante do documento assinado pela ré e junto com a contestação, relativo àquela deliberação, implica a improcedência dos pedidos formulados em b) e c) na petição inicial; – que a autora nunca cumpriu as obrigações que legal e estatutariamente lhe cabiam, nomeadamente quanto à concentração do leite, limitando-se a recolhê-lo nos postos e a transportá-lo para as unidades de produção, obrigações aquelas que eram a contrapartida do dever da ré de lhe comprar o leite e não proceder a recolha própria, invocando assim a excepção de não cumprimento; – que nomeadamente entregou à ré os quarenta e quatro postos de recepção de leite de que dispunha; – que o leite fornecido nunca cumpriu as exigências de qualidade legalmente estabelecidas; – que a autora não satisfez a sua exigência de que “o leite fosse acompanhado dos relatórios da análise microbiana e físico-química” comprovativos da qualidade; – que isso a forçou a fazer ela própria a análise do leite recebido; – que a falta de qualidade do leite lhe causou avultados prejuízos, tendo reagido por diversas vezes, em vão; – que opôs a compensação entre créditos da autora, por fornecimentos realizados, e o que lhe cabe pelos prejuízos sofridos, que ascendem, de 1 de Janeiro de 2000 até à cessação de fornecimentos, a € 815.269,20, devendo portanto a autora ser condenada no pagamento da diferença; – que não tem de indemnizar a autora por não recebimento de leite na proporção da sua participação; – que, a entender-se o contrário, seria abusivo o exercício do direito da autora a que a ré recebesse o leite.

    Em reconvenção, invocou o já referido crédito de € 815.269,20, de novo opondo a compensação com o crédito da autora, no valor de € 200.191,01, e pediu a condenação da autora no pagamento da diferença (€ 615.078,19), com juros à taxa legal, contados desde a notificação para contestar a reconvenção, até efectivo pagamento; pediu ainda a condenação da autora no pagamento do valor que vier a ser liquidado “proveniente do dano da cessação de fornecimentos por vontade” da autora, desde o fim de Agosto de 2003, a declaração de que, “até que se encontre realizado o fim social de concretização do posto de concentração,”, tem o direito de “recolher e adquirir leite sem observância do disposto no artigo 11º do Pacto Social e sem a cominação nele imposta” e a condenação da autora a pagar-lhe “o valor dos quarenta e quatro postos de recepção de leite, com frio, que eram de sua propriedade, valor esse que se estima em cento e sessenta e cinco mil euros”.

    Subsidiariamente, pediu a devolução desse valor, por enriquecimento sem causa ou, em alternativa, a entrega dos postos, “por terem sido cedidos em vista de fim que nunca se realizou”.

    Na réplica, a autora ampliou o pedido, pedindo ainda a condenação da ré no pagamento de € 3.074,61 de juros correspondentes ao atraso nos pagamentos relativos aos fornecimentos de Maio e Junho de 2003.

    Houve tréplica.

    No despacho saneador foi julgada procedente a prescrição da obrigação de pagamento à ré do valor correspondente aos quarenta e quatro postos de recolha de leite, enquanto fundamentada em enriquecimento sem causa (artigo 482º do Código Civil), e foi indeferida a ampliação do pedido da autora.

    A fls. 938 foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção, tendo sido decidido: “A) 1. Condenar a ré no pagamento à autora da quantia de € 212.465,67 (duzentos e doze mil quatrocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora [pedido a) da autora], - desde a data da citação e até 30 de Setembro de 2004, à taxa de 12% - desde 1 de Outubro de 2004 e até 31 de Dezembro de 2004, à taxa de 9,01%, - desde 1 de Janeiro de 2005 e até 30 de Junho de 2005, à taxa de 9,09%, - desde 1 de Julho de 2005 a 31 de Dezembro de 2005, à taxa de 9,05%, - desde 1 de Janeiro de 2006 a 30 de Junho de 2006, à taxa de 9,25%, - desde 1 de Julho de 2006 a 31 de Dezembro de 2006, à taxa de 9,83% e, - desde 1 de Janeiro de 2007 e até integral pagamento, à taxa de 10,58%, sem prejuízo de eventuais futuras alterações da taxa de juro.

  4. Absolver a ré do demais peticionado.

    1. Absolver a autora dos pedidos reconvencionais.” 2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 1068, foi concedido provimento à apelação da autora, sendo julgados procedentes os pedidos b) e c) da petição inicial; e concedido provimento parcial à apelação da ré, “no que se refere aos danos decorrentes do aumento dos custos de produção e no diferencial do que teve de pagar a mais pelo leite que passou a adquirir a terceiros, danos estes a liquidar em execução de sentença e a compensar com o crédito da autora”.

    Novamente recorreram ambas as partes, agora para o Supremo Tribunal da Justiça. Os recursos foram recebidos como revista, com efeito devolutivo.

    Nas alegações que apresentou, a recorrente Lacticínios Progresso do M..., Lda. formulou as seguintes conclusões: “1ª. A questão central do presente recurso consiste em saber se dos autos decorre que a autora alegou e provou a existência de prejuízos no seu património causados pela recusa da ré em receber o leite fornecido pela autora em 20 e 25 de Maio de 2003, ou posteriormente.

    1. - A factualidade que para tanto releva é que resulta provada nas alíneas G) e SS) da matéria assente e na resposta aos quesitos 34 e 35 (cfr. fls. 31 da sentença da 1ª instância).

    2. - De parte alguma dessa factualidade, ou da demais provada nos autos, resulta o determinismo ou a inevitabilidade que a utilização da palavra "teve" revela ter estado subjacente à conclusão, no acórdão recorrido, da existência de prejuízos causados pela recusa da ré no recebimento do aludido leite (cfr. fls. 1083, in fine ).

    3. - Provado está apenas que a autora emitiu e enviou à ré "notas de débito" correspondentes às importâncias relativas à diferença do preço de venda de leite à ré e o preço a que colocou no mercado o leite que àquela cabia porque a ré recusou o leite enviado pela autora nos dias 20 e 25 de Maio de 2003, 5ª - E não que a autora, por alguma compulsão contratual ou legal, foi forçada a fazê-lo.

    4. - A autora, designadamente, não alegou a quantidade de leite recusado pela ré, a entidade a quem, eventualmente, o vendeu, o preço obtido, e, sobretudo, a actividade desenvolvida para a sua colocação no mercado.

    5. - Sendo que com respeito a tal actividade, a autora não alegou que previamente à colocação no mercado do leite recusado pela ré, cumpriu o requisito estabelecido no nº 3 do artigo 11º do respectivo pacto social (cfr. cit. alínea G).

    6. – Ou seja: a autora não alegou que ao ser informada com antecedência pela ré da recusa desta em receber o leite (cfr. resposta ao quesito 34) 9ª – O ofereceu à preferência dos demais sócios, como obrigada estava a fazê-lo face ao estipulado nº 3 do artº 11º do seu pacto social, 10ª – Para que aqueles, no prazo aí fixado, se manifestassem, ou não, sobre o respectivo interesse...

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