Acórdão nº 1145/05.6TAMAI.C1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - O STJ não pode conhecer de facto novo invocado apenas no recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação.

II - Não há critérios legais para fixar a percentagem a “descontar” ou a “abater” ao capital correspondente ao montante indemnizatório relativo a danos futuros recebido de imediato e de uma só vez, pelo que tal deve ser efectuado com recurso à equidade, parecendo justa a percentagem de cerca de 30%.

III - O recebimento imediato de todo o capital correspondente a despesas relativas a próteses não deve dar lugar a qualquer abatimento ou desconto, pois as vantagens do recebimento imediato e duma só vez são “compensadas” ou “eliminadas” pelo previsível aumento dos custos da renovação e da substituição da referida prótese, ao longo dos anos (atendendo à esperança de vida de 39 anos).

IV - Relativamente aos danos não patrimoniais próprios, há que ter em atenção que a indemnização pelos danos não patrimoniais visa, simultaneamente, compensar o lesado e sancionar o lesante.

V - Salvo caso de manifesto arbítrio na fixação da indemnização, o STJ não pode sobrepor-se ao Tribunal da Relação na apreciação do quantum indemnizatório por esta julgado equitativo.

VI - Há que ter em conta que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.

VII - No caso de lesões que revestem inequívoca gravidade – delas resultou, nomeadamente, uma incapacidade genérica permanente parcial de 71,5%, a amputação do membro inferior esquerdo, a claudicação por inadaptação à prótese do referido membro e o uso externo de uma canadiana, um dano estético de grau 5, numa escala de 1 a 7, o quantum doloris de grau 6, numa escala de 1 a 7, e a impossibilidade definitiva de jogar futebol, actividade de lazer a que se dedicava –, afigura-se justa a indemnização de € 75 000 arbitrada quanto a danos não patrimoniais próprios.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, no processo comum nº 1145.05.6TAMAI, foi submetido a julgamento perante tribunal singular, o arguido: – AA, melhor identificado nos autos, a quem era imputada a prática, como autor material e em concurso real, de: - Um crime de ofensas à integridade física grave por negligência, p. e p. pelos artigos 148º-1 e 3 e 144º-1, do C. Penal; e - Um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200º, nºs 1 e 2 do C.P.

Deduziu pedido cível contra a seguradora A... – Companhia de Seguros SA, o demandante civil: - BB, pedindo que aquela fosse condenada a pagar-lhe a título de indemnização pelos danos sofridos em consequência do acidente em causa, a quantia total de € 527 908,76 que, depois, reduziu para € 526 908,76, sendo: - € 7 150,00, a título de dano corporal pela perda da perna; - € 11 660,00, a título de lucro cessante, pelos ganhos concretos do trabalho; - € 238 965,51 e € 179 133,25 pelos danos patrimoniais futuros; - € 100 000,00, pelos danos não patrimoniais.

A final, foi proferida sentença que, além do mais: Na Parte Penal: - Condenou o arguido AA: A) Como autor material, de um Crime de Ofensa à Integridade Física Grave por Negligência, p. e p. pelo art. 148º nºs. 1 e 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €4,00 (quatro euros); B) Como autor material de um crime de omissão de auxílio p. e p. pelo artigo 200º, nºs 1 e 2 do C.P. na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €4,00 (quatro euros); C) Na pena única resultante do cúmulo das penas referidas em A) e B), fixada em 360 (trezentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de €4,00 (quatro euros), no total de € 1 440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros).

Na Parte Cível: Julgou procedente por provado o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenou a demandada A... - Companhia de Seguros, SA, a pagar ao demandante BB a quantia de € 412 450,08 (quatrocentos e doze mil quatrocentos e cinquenta euros e oito cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-se a demandada quanto ao restante peticionado.

Inconformada com essa decisão, interpuseram recurso para a Relação do Porto o demandante BB – pugnando pela fixação de uma indemnização mais elevada - e a demandada A... - Companhia de Seguros, SA, pugnando pela redução do valor da indemnização.

O recurso da demandada foi julgado improcedente.

E o recurso do demandante foi julgado parcialmente procedente e, em consequência, a demandada foi condenada – para além do pagamento das demais importâncias fixadas na 1ª instância – no pagamento da importância de € 75.000,00 (e não de 50.000,00 como havia fixado a 1ª instância) a título de compensação por todos os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo demandante Inconformada com tal decisão, interpôs recurso do respectivo acórdão e para este STJ a demandada A... - Companhia de Seguros, SA, – pugnando pela alteração da decisão com a consequente redução da indemnização.

A recorrente - demandada A... - Companhia de Seguros, SA– que limita o recurso ás indemnizações e aos montantes indemnizatórios fixados - termina a respectiva motivação com as seguintes - - - - - - - - - - - - - - - - Conclusões: 1. O recorrido só recebia um vencimento líquido de € 665,28 pelo que, tendo o Acórdão de que se recorre fixado uma indemnização por danos patrimoniais futuros em € 200.000 , com base num salário de € 825, tal valor deverá ser reduzido para € 161.280, por aplicação duma regra três simples (665,28 x 200.000 : 825) 2. Relativamente aos danos futuros, deverá considerar-se que, recebendo-se , duma vez só e já, a indemnização que os considere, esta, por essa razão, deverá ser equivalente a cerca de metade do montante total que presumivelmente o lesado viria, parcelarmente, a receber durante toda a sua vida activa ( ou seja, € 143.550), sendo, portanto inadequado, por exíguo o "desconto" de cerca de 30 % feito na sentença .

3. Mas, se se virem as coisas com recurso às tabelas financeiras à taxa de juro de 3%, atendendo a que o recorrido, tendo hoje 38 anos, atingindo os 65 daqui a 27, o montante encontrado será de € 146.311,28, o que também é menos do que os € 200.000 arbitrados.

4. O mesmo se diga em relação à substituição e manutenção das próteses, já que o recebimento agora do seu custo total, o qual se não fosse acidente, só seria suportado ao longo de 37 anos da presumível vida restante do recorrido, constitui um benefício que justificará que sobre ele se faça um "desconto" de , pelo menos, 30%, o que daria €119.093,27 5. Mas aqui também, se se virem as coisas por outro prisma, ou seja, com recurso às tabelas financeiras à taxa de juro de 3%, e considerando como base para os cálculos, que o custo anual com as próteses será de € 4.598,20 (1.379,40 x 2 das revisões e 1/5 de 9.196,38 - custo da prótese - ), temos que, aplicando o factor 22,167235 (respeitante a 37 anos - conforme vem pedido pelo recorrido - à taxa de juro de 3% ) o valor será de € 101.929,37y 6. Os danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido, considerando todos os factores atendíveis, ficarão bem compensados com a atribuição duma indemnização de € 40.000,00.

7. Assim ao Acórdão de que se recorre não fez a melhor e mais correcta interpretação e aplicação dos art°s 496, 562, 564, e 566 do Código Civil.

Respondeu o recorrido, demandante civil BB que, pugnando pela manutenção do decidido, formula as seguintes conclusões: I. A recorrente não pode, nesta instância, alegar factos novos, uma vez que, na primeira e na segunda instância, nunca alegou que o recorrido "... recebia um vencimento líquido de € 625,28...".

  1. Da factualidade dada como provada, apenas consta o salário de € 825,00.

  2. Se o recorrido fizesse descontos para a Segurança Social de pelo menos € 159,72, como a recorrente alega, os referidos descontos tinham incidências no montante da sua reforma, o que, no caso concreto, não se verifica.

  3. O douto acórdão, à semelhança da douta sentença, fixou o valor dos danos futuros sofridos pelo recorrido no montante de € 200.000,00, atenta a factualidade apurada e com base nos juízos de equidade a que alude o art° 566°, n° 3 do C. Civil.

  4. Os valores resultantes do cálculo baseado nas fórmulas de cariz instrumental, são superiores a € 200.000,00.

  5. No caso presente, atenta a factualidade assente, e aplicando a fórmula de cálculo (como mero elemento instrumental) utilizada no acórdão do STJ de 27-01-2005 e no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-05-2004, ambos proferidos no âmbito do Proc. N° 2506/04, com alteração da taxa de juro para 3%, obtemos o seguinte resultado, a saber: ((29-1) x 825 x 12): 29 x 3% = 277.200 : 0.87 = 318.620,68 (euros).

    VII- Na esteira do Ac. do STJ, de 25-06-2002, este valor encontrado de € 318.620,68 deverá sofrer um desconto à volta de 1/4 para evitar injustificado enriquecimento à custa alheia do lesado, dado que ele vai receber de uma só vez aquilo que deveria receber em fracções anuais.

    - Ficando desta forma um capital reduzido ao montante de €318.620,68 x l/4 = 238.965,51 (euros).

  6. Se no caso concreto, utilizarmos uma regra de três simples, em conformidade com o tema "DANO CORPORAL EM ACIDENTE DE VIAÇÃO", da autoria do Sr. Juiz Conselheiro do STJ, José de Sousa Dinis, in C. J. do STJ, Ano IX, Tomo I, 2001, pg. 5 a 12, chegamos a um valor muito próximo e ligeiramente mais elevado, a saber: € 330.000,00 = (( 825,00 x 12 )X 100.3) € 330.000,00 x l/4 = 247.500,00 (euros) IX. A recorrente ao alegar a incidência de um desconto de 30% sobre o custo global da prótese pelo "... recebimento imediato de todo o capital...", esquece os valores da inflação e do custo de vida que tornam necessariamente os custos de renovação e...

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