Acórdão nº 284-C/1995.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : I - Não consubstancia prova obtida mediante inspecção judicial a consulta a que o Tribunal de 1.ª instância procedeu, em relação aos processos judiciais em que a autora, advogada em acção de honorários, interveio e que aí correm termos, por não se traduzir num meio de prova directa, já que se interpôs uma coisa entre o Juiz e o facto a averiguar, que consistiu nos documentos analisados, o que é, por essência, incompatível com a pretensa natureza da aludida prova por inspecção judicial.

II - A lacuna contratual de previsão, a preencher nos termos gerais da integração das lacunas contratuais, pressupõe uma situação concreta carecida de regulamentação, o que não acontece quando a remuneração do advogado pela aquisição futura de vantagens do resultado do seu trabalho processual, iniciado antes da cessação do contrato, depende, nos termos acordados, da efectiva cobrança dos créditos, traduzida numa vantagem patrimonial obtida pelo comitente, não se bastando com a mera potencialidade desses resultados.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, advogada, residente na Rua ..., nº 000, 1º Esq., em Coimbra, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos, CRL, com sede em Vagos, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a reconhecer que a autora prestou os serviços indicados, nos artigos 55º a 64º, 65º a 68º e 69º a 72º da petição inicial, e, consequentemente, a pagar-lhe a quantia de €237.400,21, acrescida de IVA, à taxa legal, e dos juros de capital vincendos, à taxa legal, contabilizados desde a citação e até efectivo e integral pagamento, invocando, para o efeito, e, em síntese, que, em 11 de Maio de 2001, obrigou-se a prestar à ré os serviços de apoio e consulta jurídica e de contencioso de que esta viesse a carecer, no exercício da sua actividade, mediante a remuneração mensal líquida de 120.000$00, acrescida de IVA, à taxa legal em vigor, catorze vezes por ano, independentemente do grau de utilização dos serviços da autora e, de igual modo, com o direito a receber, em todos os processos ou intervenções, em assuntos com valor económico determinado, superior a 500.000$00, em que a ré obtivesse uma vantagem patrimonial, directa ou indirecta, designadamente, cobranças judiciais ou extrajudiciais, ou o não pagamento de multas, indemnizações ou quaisquer outras quantias, a percentagem de 5%, líquido de IRS, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida.

Tendo o acordo sido celebrado no pressuposto de que o contencioso da ré seria assegurado, no futuro, em acumulação, por dois advogados, tal não veio a acontecer, porquanto, posteriormente, por impedimento do outro advogado contratado, a autora passou a movimentar os processos que ao mesmo competiam, aumentando, significativamente, o trabalho despendido.

Então, autora e ré acordaram em estabelecer a remuneração mensal de €1.500,00, a que acresceria uma percentagem ilíquida de 5%, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida, sendo que, nos processos cobrados após citação pelo tribunal, seria sempre pago, no mínimo, o montante de €500.00 líquidos.

Tendo a autora sido contactada pela ré no sentido de receber a totalidade do serviço do contencioso, assumindo todos os processos judiciais do outro advogado, entretanto, prescindido, aceitou a elaboração de um estudo e respectivo relatório sobre o estado desses processos, em número de 76, ficando acordado que estes não seriam incluídos na avença da autora e que, para o cálculo dos honorários a pagar pelos serviços neles prestados, na hipótese da sua viabilidade, considerar-se-ia o grau da sua dificuldade, a praxe do foro e o estilo da comarca, de harmonia com o que, actualmente, está estatuído no artigo 100º, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

Na contestação, a ré alega, em resumo, que não teve como objectivo confiar o serviço do contencioso, em simultâneo, a dois advogados, e que os processos que a autora recebeu do anterior advogado não estavam fora do âmbito do contrato de avença, por não lhe ter sido conferido qualquer carácter de excepcionalidade.

Por outro lado, discorda da aplicação da percentagem de 5% sobre os processos que, como a autora reconhece, ainda se encontram pendentes, tendo concluído no sentido da improcedência da acção.

Na réplica, a autora termina como na petição inicial.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, por, parcialmente, provada e, em consequência, condenou a ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos, CRL, a pagar à autora AA, a quantia de €28.675,00 (vinte e oito mil, seiscentos e setenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento.

Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação e, em consequência, confirmado a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Coimbra, interpôs a autora, por seu turno, recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue a acção procedente, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1a - O douto acórdão recorrido omite em absoluto qualquer apreciação sobre a matéria das conclusões 17 a 21, configurando esta omissão uma omissão de pronúncia, que torna a decisão recorrida nula - com o que deve ser anulada, nos termos dos arts. 721º, n° 2, 716º e 661º, n° 1, alínea d), do CPC; 2a - A douta decisão recorrida, ao negar a apreciação da matéria inserida na conclusão 16, incorreu, também nesta parte, em omissão de pronúncia - com a consequente nulidade do acórdão, também nos termos dos arts. 721º, n° 2, 716º e 661º, n° 1, alínea d), do CPC; 3a - Ao carrear para o presente processo dados constantes de outros processos, e ao fazê-lo sem extrair documentos mas por mera avaliação ou percepção directa, o Tribunal de 1a Instância realizou de facto uma inspecção; 4a - Ao fazê-lo, procedeu a uma inspecção duplamente inválida, na medida em que excedeu aquele que é o âmbito das inspecções relativamente a processos judiciais (interferindo com as regras relativas ao uso extraprocessual de elementos) e na medida em que, de todo, não observou as regras processuais próprias e, designadamente o princípio do contraditório (art. 3º do CPC) - com o que violou os preceitos dos arts. 390º do CCiv e 612º do CPC e dos arts. 613º, 615º e 3º do CPC.

5o - Ora, realizada inspecção (de facto) contra as regras legais, e tendo ela sido o fundamento da prova a um quesito fundamental para a sorte da acção - na medida em que a sua prova poderia acarretar a demonstração de vantagens patrimoniais e até a aplicação directa da Cláusula 6o do Contrato -, fica inquinada toda a decisão sobre a matéria de facto - com o que ela é nula, nos termos conjugados nos arts. 3º, 201º, 613º e 615º do CPC.

6a - Apurada nos autos a realização de serviços e a aquisição potencial de vantagens que só não foram sedimentadas na esfera da Caixa por esta ter feito cessar o contrato, deve, quer por integração da lacuna do contrato quanto a tal hipótese, quer por aplicação analógica do regime do DL 178/86, estabelecer-se uma remuneração da recorrente nos termos peticionados.

Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser julgado improcedente o recurso e, em consequência, confirmado o acórdão proferido.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, antes do recebimento da revista, a autora juntou aos autos um parecer jurídico da autoria de um distinto Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. A autora (advogada em Figueiró dos Vinhos) e a ré celebraram, em 11 de Maio de 2001, o contrato de prestação de serviços constante de folhas 49 e verso, nos termos do qual se estipulou, além do mais, o seguinte: “1º A segunda outorgante (autora) obriga-se a prestar à primeira (ré) serviços de apoio e consulta jurídicos e de contencioso de que esta vier a carecer no exercício da sua actividade.

  1. O presente contrato terá a duração de um ano, renovando-se automaticamente se não for denunciado por qualquer das partes com pelo menos 60 dias de antecedência sobre o fim do prazo inicial ou de qualquer das suas renovações.

  2. A representada dos primeiros outorgantes obriga-se a pagar ao segundo a quantia mensal de Esc.: 120.000$00 liquida de IRS, acrescida de IVA, catorze meses por ano, independentemente do grau de utilização dos serviços da segunda outorgante, não podendo esta exigir qualquer outra quantia a título de...

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