Acórdão nº 02334/06.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Março de 2010
Data | 01 Março 2010 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1998_01 |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.
RELATÓRIO “A…, LDA.”, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 28.01.2009, que, no âmbito da acção administrativa comum, sob a forma ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual pela mesma movida contra o ESTADO PORTUGUÊS, absolveu este do pedido indemnizatório formulado.
Formula a recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 206 e segs.
- paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem: “...
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O Estado deve ser condenado nos precisos termos do pedido, incluindo nos juros desde a citação.
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Incluindo nos honorários devidos, a apresentar pelo mandatário ou no que se liquidar em execução de sentença, bem como na totalidade das despesas.
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Que são totalmente indemnizáveis nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu.
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Para efeito do ressarcimento dos danos morais, nada mais tinha a autora que alegar.
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Segundo o TEDH, a matéria alegada, quanto a danos morais constitui um facto notório e resulta das regras da experiência, obrigando o Estado a indemnizar a vítima de violação do art. 6.º da Convenção.
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Os danos alegados são inerentes a todos aqueles que litigam em juízo. De resto, só uma pessoa excepcionalmente insensível ou desprendida dos bens materiais é que não passaria pelas mesmas angústias e aborrecimentos que os recorrentes.
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Aliás, conforme jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, os autores nada tinham de alegar, pois presume-se a existência de dano moral pelo simples facto da justiça não ter sido feita em prazo razoável.
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Por outro lado, esta acção foi instaurada em 20/09/06, tendo demorado cerca de 2 anos e meio até que fosse proferida sentença ou dela notificado. Facto que confere ao autor o direito a indemnização suplementar pelo atraso deste processo conforme jurisprudência do TEDH.
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O artigo 22.º da Constituição não exige a existência de dano e é directamente aplicável por força do artigo 18.º da CRP.
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Violado que foi o artigo 20.º da CRP, no seu segmento direito à justiça em prazo razoável, automaticamente tem o autor direito a uma indemnização.
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Quando houver violação de um direito fundamental está constitucionalmente garantida indemnização, independentemente da existência de prejuízo, isto é de dano patrimonial. Ou dito de outro modo, está constitucionalmente garantido que os danos morais causados por ofensa de um direito fundamental têm sempre dignidade indemnizatória.
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O artigo 20.º, n.º 4, da CRP garante que as decisões judiciais sejam tomadas em prazo razoável.
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O artigo 496.º, n.º1 do Código Civil está de acordo com tais disposições constitucionais e, quando não estivesse, tinha de ser interpretado em consonância com as mesmas.
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O Tribunal interpretou tal artigo no sentido de não serem indemnizáveis os danos morais causados pela violação dum direito ou garantia constitucional quando deveria sê-lo em sentido contrário.
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Por força do artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, sob a epígrafe danos não patrimoniais, “na fixação de indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua natureza mereçam a tutela do direito”. Este artigo deve ser interpretado no sentido de serem graves e merecerem a tutela do direito os danos morais causados com a violação de direitos constitucionais, sob pena de violação dos artigos 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 22.º da CRP.
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Não sendo assim entendido, é inconstitucional o artigo 496.º, n.º 1 do CC, por violação das disposições precedentes.
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É a lei ordinária que deve ser interpretada de acordo com a Constituição e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e seus Protocolos e não o contrário.
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Por outro lado, se a Constituição e/ou a Convenção garantem o direito a uma indemnização, não se pode interpretar a lei ordinária em sentido contrário.
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Relembre-se que essa lei ordinária, pela forma como seja interpretada, pode violar ainda o artigo 8.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Constituição.
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O tribunal ignorou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
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A sentença e o Estado Português violam os artigos 6.º, 13.º, 34.º, 35.º, 41.º e 46.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 1.º do Protocolo n.º 1.
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As despesas constantes das alíneas b) a f) do pedido são devidas ao facto do incumprimento do prazo razoável, constituindo por isso um prejuízo ou dano indemnizável.
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O tribunal superior não pode decidir com base no artigo 713.º, n.º 5 do CPC, tem de apreciar todas as questões postas, sob pena de violação do direito de acesso a um tribunal e omissão de pronúncia. E sob pena de nulidade do respectivo acórdão.
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Atendendo ao que atrás consta e das alegações foram violadas por errada interpretação e aplicação as disposições dos arts. 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4 e 22.º da CRP, bem como o art. 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art. 1.º do Protocolo n.º 1 anexo à Convenção e ainda os arts. 508.º, n.º 1, b), 514.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC e ainda o art. 88.º do CPTA.
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Que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido das conclusões anteriores.
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Deve dar-se provimento ao recurso, condenando-se o Estado Português nos precisos termos constantes do pedido na P.I. ...
”.
O R., aqui recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 259 e segs.
), nas quais conclui nos seguintes termos: “… 1 - Em acção fundada em responsabilidade civil, na falta de presunção legal, cabe ao Autor a alegação e a prova da existência dos requisitos da actuação ilícita e do nexo de causalidade entre tal acção e o prejuízo alegado.
2 - Na sua acepção naturalística, o nexo de causalidade assenta na verificação da ocorrência de relações materiais de causa-efeito, frequentemente de tipo cronológico, o que constitui inegavelmente matéria de facto.
3 - Tendo o Tribunal a quo excluído completamente a existência de ilicitude na actuação do Estado e consequentemente desse nexo de causalidade na acepção referida, o conhecimento dessa questão não pode ser feito no Tribunal Central Administrativo, a quem não foi solicitada a reapreciação da prova nos termos constantes do art. 690.º-A do C.P. Civil, aplicável ex vi do art. 140.º do CPTA …”.
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” [cfr. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 9.ª edição, págs. 453 e segs.; M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2.ª edição revista, págs. 850 e 851, nota 1; Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” - in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71].
As questões suscitadas reconduzem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente improcedente a pretensão da A., absolvendo o R. do pedido nos termos em que o fez, enferma de ilegalidade por erro de julgamento dada a infracção ao disposto nos arts. 08.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 4 e 22.º da CRP, 06.º, n.º 1, 13.º, 34.º, 35.º, 41.º e 46.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante CEDH), 01.º, n.º 1 do Protocolo anexo àquela Convenção, 508.º, n.º 1, al. b), 514.º, n.º 1 do CPC e 88.º do CPTA, e, bem assim, se ocorrem nulidades [art. 668.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
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FUNDAMENTOS 3.1.
DE FACTO Resultou apurada da decisão judicial recorrida a seguinte factualidade: I) A acção ordinária n.º 821/97 iniciou-se com a apresentação, nas Varas Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, da respectiva p.i. em 16 de Julho de 1997, na qual eram indicados como autores M… e M…, e como Rés a aqui Autora, e ainda «T… - Lda.» e «Metrópole Seguros» - cfr. fls. 01 dos aludidos autos, menção esta que deve considerar efectuada nos demais itens da matéria de facto assente, salvo indicação expressa em contrário.
II) A Acção foi distribuída 2.ª secção em 15 de Setembro de 1997 - após o período de férias judiciais - cfr. fls. 01.
III) A réplica foi apresentada naqueles autos em 18 de Fevereiro de 1998 - cfr. fls. 100.
IV) Aberta conclusão ao Mm.º Juiz titular do processo em 19 de Março de 1998 foi notificada a ré seguradora, em cumprimento de despacho proferido na referida data, para juntar aos autos a apólice relativa ao contrato celebrado com a Ré empreiteira - cfr. fls. 103 (verso).
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Junta a referida apólice, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 526.º do Código de processo Civil - cfr. fls. 114.
VI) Aberta conclusão nos autos em 04 de Maio de 1998, os autos foram com vista ao Ministério Público por despacho judicial de 5 de Novembro de 1999 - cfr. fls. 114 (verso).
VII) Aberta conclusão nos autos, em 17 de Novembro de 1999, foi proferido despacho saneador e fixada a matéria de facto assente e a constante da base instrutória em 11.01.2000, notificado às partes nesse mesmo dia - cfr. fls. 115 a 119 (verso)...
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