Acórdão nº 0513/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJOÃO BELCHIOR
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA): I.RELATÓRIO No Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi instaurada por A… (A), com os restantes sinais dos autos, Acção de Responsabilidade Civil por factos ilícitos contra o MUNICÍPIO DE LISBOA (R.), em que pedia a condenação do R. no pagamento de indemnização em montante não inferior a €75.000.

No despacho saneador foi proferida decisão a julgar prescrito o direito invocado, no que respeita aos “danos no autocarro e restantes bens”.

Mais ali se decidiu que, “atendendo a que o Autor invoca [outros] danos, esses sim directamente derivados do acto ilegal, irá a acção prosseguir para o seu conhecimento”, pois que, em contrário do excepcionado pelo R., não se encontravam prescritos.

De tais decisões intercalares foram interpostos recursos (pelo A. e R.), que foram admitidos como de agravo, com subida diferida e efeito meramente devolutivo nos termos do disposto nos artºs, 102º da LPTA, 735, nº 1 743º, ambos do CPC.

Tendo a acção prosseguido seus termos foi proferida sentença (que julgou a acção parcialmente improcedente) e de que recorre o A..

Foram colhidos os vistos legais.

Dos recursos respeitantes às referidas decisões intercalares cumpre conhecer prioritariamente.

I.1. RECURSOS DO DESPACHO SANEADOR: I.1.1.

- Interposto pelo A.

O Autor rematou a sua alegação com as seguintes Conclusões: “

  1. Ao contrário do decidido, não se encontra prescrito o direito de indemnização em relação aos danos causados no autocarro e nos restantes bens; b) Efectivamente, o direito de indemnização só prescreve, conforme estabelece o n.°1 do art.°498.° do Código Civil, no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete; c) Um dos elementos fundamentais para que se verifique o direito a indemnização é a existência da ilicitude do acto danoso; d) Dada a presunção da legalidade dos actos administrativos, só com o trânsito em julgado ocorrido em 15.02.2001 do acórdão do STA de 13.01.2001, se comprovou a ilicitude do acto, pelo que, só a partir dai, o agravante teve conhecimento do direito que lhe compete; e) Mesmo que assim se não entendesse, o que se admite sem conceder, a interposição do recurso contencioso interrompeu o prazo prescricional até ao trânsito em julgado do referido acórdão do STA, em conformidade com o disposto nos art.°s 323.°, n.° 1 e 327.°, n,° 1 do Código Civil; f) Na verdade, quer pela citação quer pelas várias notificações do Município de Lisboa, feitas no decurso do recurso contencioso, foi expressa, directa e indirectamente, a intenção do ora agravante de exercer o seu direito a indemnização; g) Além disso e por força da 2ª parte do art.° 7º do Decreto-Lei n.°48051, o agravante apenas poderia peticionar o pagamento da indemnização depois da interposição do recurso contencioso”.

    O Réu Município de Lisboa contra-alegou e deduziu as seguintes CONCLUSÕES: “

    1. Os danos alegadamente causados no autocarro e demais pertences do Agravante e o correlativo direito de indemnização, não resultam (da ilegalidade) do acto administrativo que determinou a perda, por parte daquele, do estatuto de residente em regime de excepção no Parque de Campismo de Monsanto, uma vez que, ao acusar o Agravado de negligência, o Agravante fundamentou o seu direito não na ilegalidade do mencionado acto administrativo, mas sim na violação, por parte do Agravado, de deveres gerais de conduta impostos pela ordem jurídica.

    2. Aliás, é o próprio Agravante que afirma, no artigo 21.° da petição inicial, que os danos provocados no seu autocarro e outros pertences, foram causados pela “(…) negligência da Câmara Municipal que o removeu sem quaisquer cuidados e o abandonou num Parque Municipal à mercê de vândalos e ladrões (…)”. Ora, esta acusação não tem qualquer relação com o acto administrativo contenciosamente recorrido e anulado.

    3. O artigo 7.° do D.L. n.° 48.051, de 21/11/1967, estabelece uma dupla via de ressarcimento dos danos sofridos pelo lesado: (i) interposição do recurso contencioso de anulação, com a eventual declaração de nulidade ou anulação do acto impugnado e a consequente execução dessa decisão judicial; (ii) formulação de pedido indemnizatório autónomo por meio de acção sobre responsabilidade civil.

    4. Tal significa que, para poder exercer o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, o seu titular não tem necessidade de intentar, primeiro, recurso contencioso de anulação. Ou seja, a responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública não exige a prévia declaração de nulidade ou a anulação do acto administrativo causador dos danos, podendo, desde logo, ser efectivada através de acção própria – a dos presentes autos.

    5. O que, não acontecendo dentro do prazo legal para tanto fixado (3 anos), determina a prescrição do direito e a absolvição do Réu, aqui Agravado, do pedido, por configurar uma excepção peremptória.

    6. Por outro lado, nos termos do n.°1 do artigo 498.° do C.C., aplicável por força do n.° 2 do artigo 71.° da LPTA, o direito de indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, prescreve no prazo legal de 3 anos, contando-se este prazo a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, da possibilidade legal de ser ressarcido dos danos sofridos.

    7. Sendo que, para o conhecimento, pelo lesado, do direito de indemnização que supostamente lhe assiste, basta a consciência da ilicitude do acto danoso.

    8. Ora, ficou expresso no douto despacho saneador, e o Agravante admitiu sem qualquer reserva que “(…) teve conhecimento em 15 de Janeiro de 1999 de que o autocarro se encontrava inutilizado e sem os seus pertences (...)” (vd. ponto 3. das suas alegações de recurso). Portanto, a partir dessa data – 15/01/1999 – o Agravante teve pleno conhecimento dos pressupostos da indemnização, pelo que, de acordo com o disposto no n.° 1 do artigo 306.° do C.C., começou nesse momento a correr o prazo para o exercício do correspondente direito. No entanto, o Agravante só o veio a exercer em 15/05/2003, ou seja, muito para além dos 3 anos para tal fixados.

    9. E, pese embora o n.°1 do artigo 323.° do C.C, a verdade é que a nossa Jurisprudência tem considerado que “Só é de considerar a interrupção da prescrição do direito à indemnização por acto ilícito de gestão pública decorrente de interposição do respectivo recurso contencioso quando seja invocada pelo interessado (arts. 342, nº, 1 e 2, e 303 do Código Civil)” .

    10. Ora, no recurso contencioso de anulação que interpôs, o ora Agravante sequer formulou ou deixou entrever qualquer intenção de vir a pedir indemnização por responsabilidade civil extracontratual, antes se tendo limitado a peticionar a declaração de nulidade ou a anulação do despacho proferido em 27/05/1996 pelo Vereador do Pelouro do Turismo da Câmara Municipal de Lisboa. Assim, no caso vertente, a interposição do recurso contencioso de anulação não interrompeu o mencionado prazo prescricional.

    11. Neste contexto, remetendo o n.°2 do artigo 71.° da LPTA para o prazo de prescrição do direito substantivo à indemnização fixado no artigo 498.° do C.C., o facto de o Agravante não ter observado tal prazo, configura uma excepção peremptória (cfr. artigos 493.°, n.° 1 e 496.°, ambos do CPC), que determina a absolvição do Município de Lisboa do pedido.

    12. Por conseguinte, mostram-se totalmente infundadas as razões que, segundo o Agravante, deveriam determinar a revogação do douto despacho saneador, devendo, ao invés, ser confirmada a decisão que julgou prescrito o direito de indemnização “(...) no que respeita aos danos no autocarro e restantes bens (...)” e, nessa conformidade, o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.” I.1.2.

    Recurso interposto pelo Município de Lisboa.

    Na sua alegação o A./recorrente formulou as seguintes Conclusões: “1. Em 30/06/1996, o Recorrido requereu a suspensão de eficácia do despacho proferido em 27/05/1996 pelo Vereador do Pelouro do Turismo da Câmara Municipal de Lisboa, que lhe retirou o estatuto de residente em regime de excepção no Parque Municipal de Campismo de Monsanto. Nessa sede, e para preenchimento do requisito exigido pela al. a) do n.°1 do artigo 76.° da LPTA, o Recorrido alegou que a execução do sobredito despacho já lhe havia causado, e causaria prejuízos “(…) de difícil, senão impossível, reparação (…)”.

    1. Simultaneamente, em 30/06/1996, o Recorrido interpôs recurso contencioso de anulação, pedindo, a final, a declaração de nulidade ou a anulação do despacho objecto do pedido de suspensão de eficácia. Por sentença de 22/01/1999 e confirmada por Acórdão do STA de 30/01/2001, que transitou em julgado em 15/02/2001, foi concedido provimento ao recurso supra, por considerar que foi preterida a formalidade da audiência dos interessados prevista nos artigos 100.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.

    2. Estando em face da pretensa responsabilidade civil extracontratual deste Município por actos de gestão pública, tem aqui aplicação o D.L. n.° 48.051, de 21/11/1967, do qual importa agora reter o artigo 7.°, nos termos do qual, para poder exercer o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, o seu titular não tem necessidade de intentar, primeiro, recurso contencioso de anulação. Ou seja, a responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública não exige a prévia declaração de nulidade ou a anulação do acto administrativo causador dos danos, podendo, desde logo, ser efectivada através de acção própria – a dos presentes autos.

    3. Por outro lado, nos termos do n.° 1 do artigo 498.° do C.C., aplicável por força do n.° 2 do artigo 71.º da LPTA, o direito de indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, prescreve no prazo legal de 3 anos, prazo esse que se conta a...

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