Acórdão nº 01110/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A…, S.A., recorre - ao abrigo do disposto no art.º 150.º/1 do CPTA - do Acórdão do TCA Sul que confirmou a sentença do TAC de Lisboa que ordenou a intimação daquele operador televisivo a, no prazo de 5 dias, facultar a C… o acesso ao “contrato celebrado entre a A… e D…relativo à concessão ao canal público de televisão da possibilidade de difusão dos jogos de futebol da Liga Sagres, época 2008/2009 e 2009/2010.” Rematou as suas alegações da seguinte forma: 1. Verificam-se os requisitos necessários à admissão do presente recurso de revista, nos termos previstos no artigo 150.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  1. O acórdão recorrido, ao considerar que a A… está sujeita ao dever de facultar o acesso aos documentos solicitados pela B…, faz uma errada interpretação dos artigos 3.° e 4.° da LADA, violadora do princípio constitucional do arquivo aberto, dos direitos de igualdade e de livre iniciativa económica e do princípio da concorrência (consagrados, respectivamente, nos artigos 268.°, n.° 2, 13.°, 61.° e 81.° e 99.°, todos da Lei Fundamental), uma vez que tal interpretação configura um tratamento discriminatório da A… face aos seus concorrentes, discriminação essa intolerável à luz da Constituição da República Portuguesa.

  2. Acresce que a aludida interpretação, no sentido de sujeitar à LADA a actividade privada de empresas públicas sob forma privada, não se acomoda à unidade do sistema jurídico, já que as empresas públicas com forma societária não estão sujeitas ao CPA e têm um regime jurídico de direito privado, que apenas sofre compressões se e quando estejam em causa actividades que traduzam o exercício de poderes públicos.

  3. A mesma interpretação desconsidera o regime e o estatuto próprio das concessionárias de serviço público, as quais, não obstante serem responsáveis pela gestão de uma actividade económica pública, não perdem a sua natureza de entidades privadas e a actividade desenvolvida no âmbito da concessão só pode ser considerada como actividade de gestão pública ou como actividade administrativa se e quando o contrato de concessão haja investido as concessionárias em poderes públicos próprios de autoridade pública; uma actividade desempenhada por uma concessionária de serviço público em regime concorrencial e num contexto de paridade com os seus concorrentes é uma actividade de gestão privada.

  4. A correcta interpretação da LADA deve conferir relevância ao respectivo âmbito objectivo de aplicação, distinguindo entre actividade de gestão privada e actividade de gestão pública ou administrativa das entidades a ela sujeitas em abstracto, por forma a verificar, em concreto se se justifica o reconhecimento do direito de acesso aos documentos (o que só acontece caso se esteja diante do exercício de poderes públicos).

  5. À luz desta interpretação, e tendo os documentos em questão sido produzidos no âmbito da actividade concorrencial da A…, não haverá que reconhecer ao Recorrido o direito de acesso aos mesmos, razão pela qual o Acórdão recorrido, ao considerar que o contrato celebrado entre a A… e a D… está abrangido pela LADA, viola o disposto nos artigos 3.°, n.° 2, alínea b), e 4.° da mesma Lei.

  6. A decisão tomada pelo Tribunal a quo, sufragando a pretensão apresentada pelo Recorrido, permite que esta entidade obtenha informação comercial sobre um outro operador seu concorrente no mercado, assim se permitindo um posicionamento mais adequado no mercado, solução que se reconduz à figura da fraude à lei.

  7. A decisão proferida pelo Tribunal a quo viola, por isso, os artigos 2.°, n.° 5, e 65.° do Código do Procedimento Administrativo, e os art.ºs 3.°, n.° 2, alínea b), 4.º, 6.° e 18.° da LADA, para além dos preceitos e dos princípios de natureza constitucional referidos: do princípio constitucional do arquivo aberto, dos direitos de igualdade e de livre iniciativa económica e do princípio da concorrência.

    O Recorrido contra-alegou para formular as seguintes conclusões: a) Não se encontram verificados nos autos os pressupostos cumulativos de que depende a admissibilidade do recurso de revista.

    b) A LADA optou por um conceito amplo de “Administração”, em sentido material, pelo que a sua aplicação não se restringe aos actos de gestão pública das empresas do Estado, compreendendo, bem pelo contrário, todos os actos praticados por estas entidades independentemente da sua natureza de direito.

    c) A sujeição das empresas públicas ao regime de direito privado, por força do que se dispõe no DL 558/99, de 17/12, não afasta o carácter público das actividades desempenhadas por aquelas empresas, como seja o acto de concessão e actividade de serviço público.

    d) A Recorrente, enquanto concessionária de serviço público de televisão, prossegue a actividade administrativa e o documento em causa nos autos e cujo acesso foi requerido pelo Recorrido é um documento administrativo, nos termos e para os efeitos do disposto na al.ª a) do n.º 1 do art.º 3.º da LADA por revelar aquela actividade administrativa concreta e servir a função de serviço público concessionado à Recorrente.

    e) A Administração (em sentido amplo) deve pautar a sua actuação pelo respeito pelo princípio da administração aberta, facultando, em regra, aos cidadãos o acesso aos documentos por si detidos por, da proibição de acesso, resultar uma violação dos princípios da publicidade, da transparência da igualdade, da justiça e da imparcialidade consagrados, designadamente, no plano infra-constitucional no art.º 1.º da Lei 46/2007, de 24/08.

    f) Por todo o agora concluído, o Acórdão recorrido deve, pois, ser mantido, por não merecer qualquer tipo de reparo e ter interpretado e aplicado correctamente a lei aos factos, negando-se, em consequência, provimento ao presente recurso, sem prejuízo de se julgar a revista inadmissível, desde logo, em sede de apreciação preliminar sumária, nos termos do que dispõe o n.º 5.º do art.º 150.º do CPTA, o que se requer com todas as consequências legais.

    Por acórdão de 19/11/2009 a revista foi admitida.

    O Ex.mo PGA pronunciou-se pelo não provimento do recurso por entender que: a) Os argumentos da Recorrente relativos à necessidade de distinguir a actividade de gestão privada e a actividade de gestão pública das empresas públicas societárias de capitais exclusivamente públicos e/ou das concessionárias não tinham logrado abalar os fundamentos do entendimento que este STA tem vindo a adoptar nesta matéria, o qual vai no sentido de que a LADA é aplicável às empresas públicas “de acordo com um conceito amplo de actividade administrativa, em sentido material, que não se restringe aos actos de gestão pública e abrange todos os seus actos - cfr acórdãos de 8/07/2009, rec 0451/09, de 30/09/2009, rec 0453/09 e de 30/09/2009, rec 0493/09.” b) Por outro lado, não se podia afirmar que tivesse havido violação do princípio da igualdade uma vez que a Recorrente não tinha conseguido pôr em causa o fundamento do tratamento desigual que lhe foi dado, o qual radicava no facto de se tratar de uma empresa pública e ter um estatuto diferente das suas concorrentes.

    Com efeito, e muito embora a A… fosse uma pessoa colectiva de direito privado que perseguia a obtenção de lucro, certo era que, por outro, este se destinava à realização do interesse público – a satisfação das necessidades da colectividade – e, por outro, era dotada um regime jurídico próprio (o DL 558/99, de 17/12) e este consentia que o Estado exercesse um grande controle sobre ela. Inexistia, assim, entre a Recorrente e as suas concorrentes uma situação de igualdade, sendo que as diferenças eram manifestas no tocante ao seu funcionamento, gestão e objectivos e tal justificava o tratamento discriminatório que lhe foi dado.

    1. Finalmente, o Acórdão recorrido não tinha adoptado uma interpretação da lei de que resultasse o desrespeito do direito à livre iniciativa económica da Recorrente e ao princípio da concorrência.

    FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. O REQUERENTE, invocando a sua qualidade de jornalista solicitou à REQUERIDA, por carta de 8.10.2008, a consulta do contrato estabelecido entre a A…e a D… relativo à transmissão dos jogos de futebol da Liga Sagres das épocas 2008/2009 e 2009/2010 (cfr. doc. a fls. 14, o qual se dá por integralmente reproduzido).

  8. Por carta de 30.10.2008 foi negado o acesso ao documento em causa, com os fundamentos constantes do doc. de fls. 18-20, aqui dados por integralmente reproduzido.

  9. O REQUERENTE apresentou queixa à CADA (cfr. doc. de fls. 21-24, o qual se dá por integralmente reproduzido).

  10. A CADA emitiu o Parecer n.° 341/2008, no qual concluiu pela procedência da queixa (cfr. doc. a fls. 28-30, o qual se dá por integralmente reproduzido).

  11. A fundamentação do citado parecer é a seguinte (idem): “II- Apreciação jurídica A A… é uma empresa de capitais exclusivamente públicos (artigo 1.°, n.º 3, da Lei n.° 8/2007, de 14 de Fevereiro, que procedeu à reestruturação da concessionária do serviço público de rádio e televisão), pelo que se integra no âmbito subjectivo de aplicação da LADA (Lei de Acesso aos Documentos Administrativos - Lei n.° 46/2007, de 24/08) [art.º 4°, n.° 1, alínea d)]. Acresce que a A... é também concessionária de um serviço público de televisão, daí que, mesmo que não revestisse a natureza jurídica de empresa pública, se encontrava submetida à LADA na medida em que exerce funções administrativas ou poderes públicos [4.º, n.° 1i, alínea g)].

    A CADA já se pronunciou sobre o acesso ao documento ora requerido (cfr. o Parecer n.° 275/2008, o qual pode ser consultado em www.cada.pt e para o qual se remete).

    No essencial, concluiu-se, no referido...

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