Acórdão nº 0842/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | DULCE NETO |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.
A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Supremo Tribunal da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa (a fls. 253/259), que julgou procedente a reclamação que a executada A…, LDª deduziu, ao abrigo do disposto nos artigos 276º e seguintes do CPPT, contra o “acto tácito de indeferimento” do pedido de reconhecimento da prescrição da dívida exequenda que formulou na execução fiscal n° 1481200801024949, que contra si pende no Serviço de Finanças de Azambuja.
Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões: I) Foi apresentada a presente reclamação na sequência da presunção do indeferimento tácito de requerimento solicitando ao Órgão de Execução Fiscal que fosse reconhecida a prescrição do imposto de sisa de 2000.
II) A prescrição de indeferimento tácito encontra-se previsto e regulado no art.° 109° do CPA, tratando-se de uma ficção jurídica cujo objecto é salvaguardar a tutela contenciosa dos administrados é um mecanismo reservado ao procedimento administrativo, não tendo aplicação no processo de execução a que a lei atribui natureza judicial (art.° 103° LGT).
III) Ainda que fosse possível a sua aplicação face ao art.° 102° n° 2 do CPA não se mostra decorrido o respectivo prazo de 90 dias.
IV) As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado são susceptíveis de reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal, que só desta conhecerá depois de realizadas a penhora e venda, com excepção de o fundamento ser o prejuízo irreparável que, invocada, carece de demonstração.
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Quanto à prescrição verifica-se terem sido transmitidos em 3 de Maio de 2000, por escritura de compra e venda dois prédios urbanos. A transmissão beneficiou de redução de taxa de sisa.
VI) Em 27/10/2008 foi notificada a ora reclamante da liquidação efectuada nos termos do § 2° do art.° 38° do CIMSISD, no montante de € 181.351,17, na sequência do despacho n.° 1025/2008-XVII, de 19/09/2008, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, da caducidade do benefício de taxa que lhe fora concedido ao abrigo do referido art.° 38°, por despacho do Director de Serviços do Imposto de Selo e das Transmissões do Património, relativamente à transmissão acima referenciada.
VII) O imposto de sisa incide sobre a transmissão a título oneroso do direito de propriedade sobre bens imóveis conforme determina o art.° 2° do CIMSISSD. O facto tributário ocorreu em 03/05/2000 - data da escritura notarial de compra e venda.
VII) O Imposto Municipal de Sisa prescreve no prazo de oito anos contados a partir da data em que o facto tributário ocorreu de acordo com o art.° 48° e 49° da LGT ex vi art° 180º do CIMSISSD, na redacção dada pelo D.L. n.° 472/99 de 8 de Novembro. Não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção e suspensão da prescrição previstos no art° 49° da LGT o terminus do prazo teria ocorrido em 3 de Maio de 2008.
VIII) Dispõe o art.° 306° do Código Civil, que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. Assim, como resultado da isenção (redução de taxa) obtida, não é possível falar em obrigação tributária até à data da liquidação e respectiva notificação.
IX) Assim, “As situações de facto donde derivam as obrigações e os direitos apenas relevam como ponto ou marco a considerar para efeitos de contagem do prazo de prescrição e desde o momento em que os direitos e os factos delas decorrentes se originam” (cf. Acórdão do TCAN proc. N° 01596/08.4BEPRT de 21/0512009).
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Na mesma senda defende Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal que a isenção funciona como uma norma de direito contrário ou contra-norma inserida na norma de incidência que obsta ao nascimento da obrigação tributária - Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal.
Xl) Assim, embora se verifique a ocorrência do facto tributário com a transmissão dos imóveis em 03/05/2000 a norma de isenção, destruindo os efeitos da incidência, impede o nascimento da obrigação tributária, que só se virá novamente a estabelecer com a revogação da isenção em 19/09/2008 - momento em que não só se estabelece a obrigação tributária como também o direito de tributar pode ser exercido, razão pela qual não se verifica a prescrição.
XII) A douta sentença recorrida, ao julgar procedente a presente reclamação ignorou o regime decorrente das normas referidas nos pontos II e III, VII, e VIII anteriores, pelo que fez errada aplicação do direito e sofre consequentemente do vício de erro sobre os pressupostos de direito. E XIII) Porque decide em sentido oposto ao regulado nos arts. 48° da LGT, conjugado com o art.° 306° do Código Civil, sofre do vício de violação de lei, por violação concreta destas normas.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a reclamação improcedente.
1.2.
A Recorrida – A…, LDA - apresentou extensas contra-alegações, onde, para além de suscitar a questão da incompetência absoluta deste Supremo Tribunal para a apreciação do objecto do recurso, sustentou a improcedência de todas as questões colocadas pela Recorrente e requereu a ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do disposto no artigo 684°-A do Código de Processo Civil, rematando com o seguinte, e igualmente extenso, quadro conclusivo: A- O Recurso da Fazenda Pública convoca também matéria de facto, mormente a propósito da Prescrição.
B- Adicionalmente, a Recorrida pretende ampliar o objecto do Recurso nos termos do artigo 684°-A do Código de Processo Civil quer à apreciação de fundamentos em que decaiu (n° 1), quer, ao que agora interessa, à apreciação de matéria de facto e documentos (n° 2), mormente a propósito das questões do Prejuízo Irreparável e da Prescrição.
C- A convocação desta matéria de facto implica incompetência absoluta deste Venerando Tribunal quanto à hierarquia e quanto à matéria, a qual, sendo embora de conhecimento ex officio, também aqui expressamente se argui para todos os efeitos legais (artigo 16° do CPPT).
Subsidiariamente, apresentam-se as seguintes II CONTRA-ALEGACÕES D- Segundo se entende, o Recurso vem estribado em 3 ordens de razões.
E- A primeira é que, alegadamente, não existe o instituto do indeferimento tácito dos pedidos de reconhecimento de prescrição ao órgão de execução fiscal mercê de se tratar de processo judicial (artigo 103° da LGT) e que a haver tal indeferimento tácito o prazo seria de 90 dias nos termos dos artigos 102°, n° 2 e 109° do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) - Conclusões I, II e III.
F- A segunda razão aduzida no Recurso é que alegadamente a Recorrida não provou o Prejuízo Irreparável para efeitos do artigo 278° do CPPT, ergo susceptível de fazer subir imediatamente a sua Reclamação - Conclusão IV.
G- A terceira e última razão é que não existe prescrição porque, em suma, só com a revogação da isenção em 19/09/2008 se iniciou o prazo prescricional - Conclusões V, VI, VII, VII bis (numeração repetida no original) VIII, IX, X e XI.
H- Assim delimitado o objecto do Recurso, e sem prejuízo da Ampliação do Objecto que já se preveniu, vejamos as questões a decidir.
II.1. Do Indeferimento Tácito I- A Fazenda Pública conclui que a “prescrição de indeferimento tácito [sic] encontra-se previsto e regulado no artigo 109° do CPA tratando-se de uma ficção jurídica cujo objecto é salvaguardar a tutela contenciosa dos administrados é um mecanismo reservado ao procedimento administrativo, não tendo aplicação no processo de execução a que a lei atribui natureza judicial (art. 103º LGT)” - Conclusão II e que “Ainda que fosse possível a sua aplicação face ao art. 102° n° 2 do CPA não se mostra decorrido o prazo de 90 dias” - Conclusão III.
J- Porém, sem razão, notado ainda que a Reclamante, ora Recorrida, o Ministério Público e o Tribunal a quo estão totalmente de acordo nesta questão.
K- Com efeito, e como melhor expendido na mui douta Sentença, a obrigação legal da Administração Tributária se pronunciar sobre as pretensões de prescrição que lhe são dirigidas pelos administrados (para usar a vetusta expressão com que a Fazenda Pública brindou a Recorrida) ancora-se no artigo 56° da LGT e no artigo 175° do CPPT, sobre as quais o órgão de execução fiscal tem que pronunciar-se no prazo de 10 dias, como decorre do artigo 57°, n° 2, da LGT.
L- A Fazenda Pública não contradita esta fundamentação jurídica da Sentença a quo nem por qualquer forma a põe em causa, pelo que a sua pretensão de não existir indeferimento tácito (quer in casu, quer em geral) tem que improceder.
M- Sem embargo, acrescenta-se que o acto expresso ou silente sobre a prescrição não tem natureza jurisdicional, sendo outrossim um acto materialmente administrativo praticado no âmbito da execução fiscal mas sujeito aos princípios e regras procedimentais, cuja existência e susceptibilidade de Reclamação é expressamente reconhecida no artigo 103°, n° 2, da LGT.
N- Ademais, existindo regra expressa sobre indeferimento tácito na LGT, resulta em pura estultícia invocar o CPA, aliás de aplicação meramente subsidiária (artigo 2°, alínea c) da LGT) que aqui não tem lugar.
O- Improcede pois a primeira alegação da Fazenda Pública.
Subsidiariamente, e também para efeitos do artigo 684°-A, n° 1 do CPC, reitera-se que: P- Estando o processo de execução fiscal previsto e regulado no Título IV da LGT - Do processo tributário” - nele se incluindo, v.g., “os actos praticados na execução fiscal” (cfr. alínea j) do n° 2 do artigo 95° da LGT), e resultando expressamente do nº 1 do artigo 103° do diploma legal citado que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, então é defensável sustentar, designadamente, mediante uma interpretação de índole sistemática, a aplicação do prazo de 10 dias para a prática de actos no processo de execução fiscal, previsto na alínea a) do artigo 21° do CPPT, conjugado com o artigo 23°, n° 2 do mesmo diploma.
Q- Ao que se...
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