Acórdão nº 0606/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPOLÍBIO HENRIQUES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1. RELATÓRIO A…, já devidamente identificado nos autos, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, contra a Câmara Municipal do Porto, acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil extracontratual emergente de acto ilícito.

Por sentença de 23 de Dezembro de 2008, proferida a fls. 551-568, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 22 318,14 acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 17-07-2003, até integral pagamento.

1.1. Inconformada com a sentença a ré recorre para este Supremo Tribunal apresentando alegações com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 23/12/2008 que concedeu provimento parcial à acção e ao incidente de liquidação, condenando a Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia global de € 22.318,14, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 17/7/03 até integral pagamento.

B. A Recorrente entende, porém, que não se verificam, no caso concreto, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, designadamente a culpa e a ilicitude.

C. Analisada a factualidade alegada e apurada nos autos, e tendo presentes os considerandos tecidos em sede de enquadramento do pressuposto da culpa no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, a Recorrente considera que ressalta, desde logo, a inexistência de prova de facto ilícito culposo causal para a produção do acidente aqui em apreciação.

D. O Recorrido não logrou, na verdade, provar que a queda no buraco da caixa de saneamento existente na Rua de S. Victor tenha sido provocada, em termos causais, pela falta de sinalização que veio a ser omitida, tal como era imposto pelo art. 5.°, n.° 2 do CE (preceito que prevê que os “... obstáculos eventuais devem ser sinalizados por aquele que lhes der causa, por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar as precauções necessárias para evitar acidentes”).

E. Note-se que o Tribunal respondeu negativamente ao quesito 5° da base instrutória, onde se perguntava, muito concretamente, “A tampa já não se encontrava no local desde pelo menos a tarde do dia 8 daquele mês?”.

F. Por outro lado, também não foi alegado, e muito menos provado, que a tampa de saneamento estivesse fora do local por motivo imputável à Recorrente, isto é, que estivessem, por exemplo, a decorrer no local trabalhos que não estavam nem foram devidamente sinalizados.

G. Aquilo que se logrou provar, portanto, não permite perceber ou ligar as condições concretas da via municipal em questão ao acidente que vitimou o Recorrido de molde a que a ausência de sinalização de obstáculo tivesse, de algum modo, contribuído para a produção do acidente em questão.

H. Até porque o Recorrido deveria circular pelo passeio e não pela rua.

L. O Recorrido não logrou, pois, provar os factos que servem de base ao funcionamento da presunção de culpa, ou seja, da ocorrência do facto (positivo ou omissivo) causador dos danos, o facto causal ilícito, assumindo-se este, neste contexto, como o elemento desencadeador da operacionalidade da presunção de culpa.

J. Não é exigível à Administração que sinalize de imediato obstáculos a que não deu causa e que surgem inopinadamente, sobretudo quando estamos a falar de um concelho que tem cerca de 600 km de vias municipais - o Município não pode ter um fiscal 24 horas em cada local! K. O facto de a tampa de saneamento estar fora do sítio desde momento que não se pôde apurar deveu-se seguramente a causas fortuitas, como vandalismo ou brincadeiras de mau gosto, impossíveis de controlar a todo o momento.

L. Inexistiu, por conseguinte, qualquer omissão da Recorrente que a pudesse responsabilizar, estando a presunção de culpa perfeitamente afastada atentas as circunstâncias.

M. Para além da falta do requisito da culpa, falha igualmente o requisito da imputação do facto ao lesante, pelo que, em face de tudo quanto vem dito, a decisão judicial recorrida, ao concluir pela procedência parcial da acção e do incidente, incorreu em erro de julgamento.

N.Sem prescindir, sempre se diga que a Recorrente logrou elidir a presunção de culpa que sobre si impendia, contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo” — vide resposta aos quesitos 41º, 44º, 45º, 46°, 47° e 48° da base instrutória.

O. A decisão judicial recorrida, ao concluir pela parcial procedência da acção e do incidente de liquidação, incorreu em violação dos arts. 342.°, 483.°, 487.° e 493.° do C.C. e 96.° da Lei n.° 169/99.

Sempre sem prescindir, P. Apenas são objecto de compensação os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e de forma proporcional à gravidade do dano.

Q Na fixação da compensação, deverá ter-se em conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

R. Tendo em conta os factos dados como provados na sentença de que se recorre e os critérios que acima se definem, a fixação de uma indemnização de € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais afigura-se excessiva.

S. É necessário ponderar que, comparando com situações de muito maior gravidade e até de perda da vida, a indemnização agora atribuída é desproporcionada.

T. Um juízo ponderado das circunstâncias concretas do caso dos autos leva a Recorrente a concluir ser justa e equitativa uma compensação ao Recorrido a título de danos não patrimoniais não superior a € 3.000,00 (três mil euros).

U. A douta sentença violou a Lei, nomeadamente o art.° 496.° do Código Civil.

Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências dentro do Vosso Mais Alto Saber e Critério doutamente se dignarem suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta sentença recorrida em conformidade.

Assim se fará JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer nos seguintes termos: “1. O presente recurso jurisdicional é interposto da sentença do TAF do Porto que julgou procedente a acção intentada pelo ora recorrido contra a Câmara Municipal do Porto para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, por danos sofridos na sequência de acidente de viação.

  1. Na censura dirigida à sentença, defende a entidade recorrente a inverificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual “ilicitude” e “culpa”, insurgindo-se, ainda, contra o valor da indemnização fixada por danos morais, a qual, em seu entender, em caso de procedência da acção, não deveria exceder o valor de 3000 euros.

    Vejamos.

    Como consta da matéria de facto provada: - No dia 9 de Fevereiro de 2003, pelas 4 horas da manhã, o A. caiu no buraco de uma caixa de saneamento existente na Rua S. Victor no Porto; - Era noite e a zona é mal iluminada; - A tampa dessa caixa encontrava-se fora do local; - O buraco não estava vedado, quer com barreiras, quer com quaisquer fitas sinalizadoras da sua existência; - E em resultado dessa queda fracturou os ossos da perna esquerda.

    Esta factualidade permite concluir pela verificação dos pressupostos “ilicitude” e “culpa”.

    As disposições conjugadas do art° 16°, alínea b), da Lei n° 159/99, de 14.09, do art° 5º, n° 1, do Código da Estrada aprovado pelo DL n° 114/94, de 03.05 (e alterado pelo DL n° 2/98, de 03.01) e dos art°s 70, n° 1, alínea d), 8°, n° 1, e art° 9°, n° 1, do DL n° 2/98, de 03.01, impunham à Ré a obrigação de diligenciar no sentido de uma circulação segura de veículos e peões no local do acidente, promovendo uma fiscalização eficaz das condições da via, o que passava, nomeadamente, pela verificação da correcta colocação das tampas das caixas de saneamento e pela sinalização adequada de buracos na faixa de rodagem e passeios.

    Ora, esta obrigação foi omitida pelos serviços da Ré, já que o Autor, quando passava pelo local em causa, caiu no buraco de uma caixa de saneamento cuja tampa se encontrava fora do local.

    Como é sabido, face à definição ampla de ilicitude, constante do art° 6° do DL n° 48051, de 21.11.1967, tem a jurisprudência deste STA considerado ser difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da culpa, afirmando que, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspecto subjectivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras...

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