Acórdão nº 5744/15.0T8VNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelACÁCIO DAS NEVES
Data da Resolução07 de Março de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O Condomínio AA intentou ação declarativa comum contra BB S.A., pedindo que a ré fosse condenada a pagar a pagar-lhe a quantia de € 346.370,00, acrescida dos juros de mora sobre o capital em dívida, desde a data da propositura da ação até integral e efetivo pagamento.

Alicerçou tal pedido na celebração entre ambas as partes de um contrato de seguro Multi-Riscos que tinha por objeto o edifício do autor e na verificação, durante a vigência de tal contrato, de um sinistro relacionado com fortes intempéries, que foi gerador de determinados danos cujo ressarcimento é peticionado.

A ré contestou por impugnação e deduziu reconvenção, pedindo que o autor fosse condenado a reembolsá-la das quantias pagas em cumprimento da decisão provisória proferida no procedimento cautelar, que se contabilizam neste momento em € 47.600,00, e respetivos juros calculados nesta data em € 447,44.

E, posteriormente, veio requerer a ampliação do pedido reconvencional, pedindo que o autor fosse condenado a reembolsá-la das quantias pagas em cumprimento da decisão provisória proferida no procedimento cautelar, que se contabilizam neste momento em € 126.000,00, e respetivos juros calculados nesta data em € 9.415,30.

Na réplica o autor invocou a nulidade relativa à ineptidão do pedido reconvencional.

O tribunal veio a julgar como não verificada tal nulidade, decidiu admitir o pedido reconvencional e bem assim a ampliação do pedido reconvencional.

Após realização da audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, nos termos da qual: - a ação foi julgada totalmente procedente, sendo a ré condenada a pagar à autora a quantia de 346.370,00 €, acrescida de juros de mora sobre o capital em dívida, desde a data da propositura da ação até integral e efetivo pagamento; - e a reconvenção foi julgada totalmente improcedente, sendo a autora absolvida do pedido reconvencional.

Na sequência e no âmbito de recurso de apelação da ré, a Relação do Porto, julgando procedente a apelação, revogou a sentença recorrida, julgando a ação improcedente e absolvendo a ré do pedido e, julgando procedente a reconvenção, condenou o autor a pagar à ré as quantias referidas nos pontos 51) e 52) dos factos provados, acrescidas de juros moratórios desde as datas dos respetivos reembolsos e até efetivo e integral pagamento.

Inconformado, interpôs o autor o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões: I. O acórdão recorrido radica no excesso de pronúncia ou pronúncia indevida.

II. Na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio, a Relação fixou os factos materiais, aditando novos factos provados, incumprindo os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova, inobservado as regras de direito probatório material.

III. A Relação fez uso indevido de presunções que, não se reconduzem a um meio de prova próprio, consubstanciadas em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).

IV. Não é lícito à Relação extrair conclusões totalmente infundadas da prova produzida, para introduzir matéria nova nos factos provados.

V. O uso de tais presunções pela Relação padece de evidente ilogicidade e adita matéria aos factos provados com base em ilações destituídas de qualquer coerência e fundamento, prova produzida nos Autos ou prova nova.

VI. O Tribunal da Relação só pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, o que não foi o caso.

VII. A decisão do juiz da 1ª instância, está devidamente fundamentada pela prova produzida, e será inalterável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção do julgador.

VIII. O tribunal “a quo” aditou aos factos dados como provados na Sentença da primeira instância introduzindo-lhe um novo ponto com a seguinte redação: “Desde o ano de 2009, pelo menos, eram observáveis e foram detetados danos nas fachadas do edifício seguro relacionados com o assentamento dos solos”.

IX. O acórdão recorrido radica no excesso de pronúncia ou pronúncia indevida, causa de nulidade prevista no art.º 615°, n.º 1, alínea d) - segunda parte - do Cód. Proc. Civil, aplicável ao acórdão da Relação ex vi do art.º 666º do mesmo código.

X. E, em consequência deste aditamento, elimina da Douta Sentença as alíneas g), i), j) e k) dos factos não provados, considerando-os e incluindo-os nos factos provados, por estarem em contradição com o facto provado ora aditado.

XI. Esta alteração da matéria de facto realizada pela Relação, traduzida no aditamento do supra citado ponto do elenco factual provado, viola as regras probatórias examinadas pela Relação e que motivou esta sua decisão.

XII. O Tribunal da Relação adita a matéria nova factual provada por inversão do ónus da prova.

XIII. Suporta tal inversão na omissão da junção aos A. pela A. dos documentos requeridos pela Ré.

XIV. A inversão do ónus probatório, como sanção, pressupões que o meio probatório em causa seja o único possível para lograr alcançar a prova daquela realidade factual.

XV. No caso em apreço a Ré podia e devia fazer a prova dos factos que lhe incumbiam através de outros meios probatórios, deixamos de estar no âmbito da situação de impossibilidade inserta do n.º 2 do artigo 344.º do CC.

XVI. Os documentos não juntos aos Autos pela A. não eram o único meio de prova para a R. para demonstrar que as patologias do edifício foram surgindo ao longo do tempo, em virtude do progressivo assentamento dos solos, e há muito tempo (desde 2009, pelo menos) eram conhecidas, não resultando, por conseguinte, de qualquer evento fortuito, súbito e imprevisto.

XVII. Podia e devia a Ré socorrer-se de outros meios probatórios para demonstrar, como se lhe impunha, que as patologias do edifício foram surgindo ao longo do tempo, em virtude do progressivo assentamento dos solos, e há muito tempo (desde 2009, pelo menos) eram conhecidas, não resultando, por conseguinte, de qualquer evento fortuito, súbito e imprevisto.

XVIII. Da não junção dos documentos pela A. não se pode assacar qualquer culpa.

XIX. Não poderá, portanto, proceder o Acórdão do qual se recorre, na parte em que adita à matéria provada o ponto: “Desde o ano de 2009, pelo menos, eram observáveis e foram detetados danos nas fachadas do edifício seguro relacionados com o assentamento dos solos”.

XX. Bem como não pode proceder, pelos mesmos motivos, o Acórdão na parte e como consequência daquele aditamento, em que elimina da Douta Sentença da la instância as alíneas g), i), j) e k) dos factos não provados, passando-os a provados, por violação do nº 1 do artigo 662º do C.P.C.

XXI. Deverá o supracitado ponto novo aditado pela Relação ser suprimido dos factos provados, mantendo-se nos factos não provados as alíneas g), i), j) e k) da Sentença proferida.

XXII. O Tribunal da Relação não pode apoiar a introdução deste novo ponto aditado aos factos provados (Desde o ano de 2009, pelo menos, eram observáveis e foram detetados danos nas fachadas do edifício seguro relacionados com o assentamento de solos) e a consequente eliminação dos factos não provados as alíneas g), i), j) e k) (por estarem em contradição com este ponto novo ora introduzido), passando-os o Acórdão “a quo” a factos provados, suportando a prova de tal matéria em fotos retiradas do Google que ilustram algumas fissuras existentes no prédio, e conclui, sem mais que das mesmas se pode observar que as movimentações estruturais que originaram a fissuração exterior já se haviam claramente iniciado nessa data, potenciados pelo processo de auto compactação dos solos utilizados aquando da construção do edifício ...

XXIII. Nenhuma das testemunhas atestou diretamente ao tribunal, não resulta do relatório pericial, nem de qualquer outro meio de prova que os vícios de construção remontem ao ano de 2009.

XXIV. Não há qualquer prova sobre a qual assente, que das fissuras visualizadas no Google, adviessem do processo de movimentações estruturais devidas pela deficiente construção e compactação dos terrenos.

XXV. A relação que o tribunal “a quo” faz entre a antiguidade das fissuras observadas no Google em 2009 e os vícios de construção é totalmente desprovida de suporte probatório.

XXVI. Por este motivo também mal andou o tribunal da Relação, ao assentar o aditamento de matéria nova como provada e alterando as alíneas não provadas, por violação do disposto na alínea d) (segunda parte) do n° 1 do artigo 615 e n° 1 do artigo 662° ambos do C.P.C.

XXVII. Entre A. e R. foi celebrado um contrato válido de seguro.

XXVIII. O contrato de seguro validamente celebrado foi pontualmente cumprido pela recorrente desde 2003 até à data do sinistro.

XXIX. A recorrida (seguradora) não invocou, porque não houve, incumprimento do contrato por parte da recorrente (segurada/condomínio).

XXX. As partes que celebraram o contrato de seguro são capazes.

XXXI. Ambas as partes reconheceram o aluimento de terras.

XXXII. O contrato de seguro cobria a responsabilidade por danos causados pelo aluimento de terras.

XXXIII. O aluimento de terras, no caso concreto, não está excluído do contrato.

XXXIV. Não há exclusão da responsabilidade da C.ª de Seguros uma vez que não houve violação das boas regras de construção.

XXXV. Mesmo que houvesse violação das boas de construção, o que não se concebe, mas apenas por imperativo de patrocínio se conjetura, sempre se dirá que a C.ª de Seguros, ora recorrida, não logrou provar que eram do conhecimento do Condomínio ora recorrente.

XXXVI. Para haver exclusão de responsabilidade por parte da C.ª de Seguros, nos termos do contrato, teriam que ser danos verificados de deficiências que fossem ou devessem ser do conhecimento prévio do tomador do seguro.

XXXVII. Conforme se refere na douta sentença do tribunal de 1.ª instância: “( ... ) Não ficou...

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