Acórdão nº 166/19 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2019

Data14 Março 2019
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 166/2019

Processo n.º 1121/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e B. e recorrido C., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 9 de outubro de 2018.

2. Pela Decisão Sumária n.º 19/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há-de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

Tal requisito não se pode dar como verificado nos presentes autos.

No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, os recorrentes delimitam, nos seguintes termos, o respetivo objeto:

«a) dos Artigos 11º, 188º, nº2, 137º ex vi 188º, nº8 do CIRE, na parte em que os mesmos foram interpretados e aplicados pelos Venerandos Desembargadores da Relação a quo, em violação direta do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, estabelecidos nos artigos 20º, nº4 e 202º, nº2 da CRP; b) dos Artigos 186º, nos 1, 2 als, a), b), d), e h) e 3 e 189º, nº1 e 2 do CIRE, 64º, nº1, al. b); 72º, nº2 e 79º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais: 9º, nº3, 335º, nº 1 e 2, 350º, nº2 e 455º do Código Civil; 31º, nos 1 e 2, als. c) e d), 36º, nº1 do Código Penal; na parte em que os mesmos foram interpretados e aplicados pelos Venerandos Desembargadores da Relação a quo, em violação direta dos princípios da igualdade, da capacidade civil, da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) e do acesso à Justiça e às garantias processuais e procedimentais, consagrados nos artigos 13º, nº1 e 18º, nº2; 20º, nº4 e 26º, nº4; 202º, nº2 da Constituição da República Portuguesa.»

O enunciado esgota-se num elenco de preceitos legais que os recorrentes entendem terem sido «interpretados e aplicados», na decisão recorrida, «em violação direta» de determinados parâmetros constitucionais. Porém, sobre o recorrente impende o ónus de indicar as normas aplicada na decisão recorrida cuja constitucionalidade pretende ver apreciada por este Tribunal, e não apenas os preceitos legais de onde tal norma terá sido pretensamente extraída; assim é, como se supõe evidente, porque o objeto material do recurso de constitucionalidade é constituído por normas legais, e não por preceitos legais.

Os referidos vícios parecem atingir o próprio objeto do recurso e não apenas o requerimento através do qual foi interposto. Em todo o caso, atentas as deficiências manifestas de tal peça processual, e com base num entendimento liberal do princípio pro actione, caberia porventura formular um convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, com vista a que o recorrente enunciasse, com clareza e precisão, a norma sindicada. Sucede que tal convite, destinando-se apenas a sanar os vícios do requerimento, não permitiria sanar a falta de pressupostos do próprio recurso, nomeadamente a falta de suscitação prévia e processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade normativa. Ora, compulsados os autos, verifica-se, como de seguida se demonstrará, que tal pressuposto se não verifica.

6. Na motivação do recurso para o Tribunal da Relação do Porto da sentença condenatória proferida em 1.ª instância, os recorrentes afirmam que: (i) «importa notar que ao Digno tribunal a quo incumbe assegurar, no mínimo, as tarefas constitucionalmente consagradas nos artigos 13.º, n.º 1 e 18, n.º 2; 20.º, n.º 4 e 26.º, n.º 4, 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa…» (conclusão 21.º); (ii) «a sentença recorrida viola o princípio da igualdade, ao não tratar de forma igual os cidadãos perante a lei e mediante processo judicial equitativo…» (conclusão 22.º); (iii) «a sentença recorrida viola o princípio da proporcionalidade, ao não interpretar a lei de forma cuidadosa e efetuar restrições à capacidade civil…» (conclusão 23.º); e, (iv) «[p]elas razões apontadas a douta sentença recorrida violou [vários preceitos legais e ainda os artigos] 13.º, n.º 1 e 18.º, n.º 2; 20.º, n.º 4 e 26.º, n.º 4; 202.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.».

Tal modo de colocar as questões revela, sem margem para dúvidas, que os recorrentes sindicaram a adequação constitucional da própria decisão judicial e não de qualquer norma legal aplicável nos autos. Ora, tal matéria excede os poderes cognitivos da jurisdição constitucional, que se cingem à apreciação de questões de constitucionalidade normativa. Com efeito, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98). E como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016: «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem.»

É certo que os recorrentes afirmam, na conclusão 32.º da motivação do recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, «a sentença recorrida [traduz] uma interpretação dos [a]rtigos 186.º, n.os 1, 2, als. A), b), d) e h) e 3 e 189.º, n.º[s] 1 e 2 do CIRE que padece do vício de inconstitucionalidade…». Não enunciaram, porém, a interpretação de tais preceitos legais que reputavam inconstitucional, pelo que não suscitaram uma questão de constitucionalidade normativa de forma processualmente adequada, o mesmo é dizer, em termos que vinculassem o tribunal a quo a dela conhecer. Daí que a decisão recorrida não aprecie a constitucionalidade de quaisquer normas legais, mas apenas a eventual «violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade» pelo tribunal de 1.ª instância. Ora, como este Tribunal tem afirmado...

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