Acórdão nº 165/19 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução14 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 165/2019

Processo n.º 951/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e outros, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 2 de novembro de 2017.

2. Pela Decisão Sumária n.º 814/2018, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso em apreço foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e tem por objeto a apreciação da inconstitucionalidade de uma determinada norma reportada aos artigos 345.º, 348.º, n.º 7 e 147.º, todos do Código de Processo Penal.

Do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, decorre que o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 cabe apenas de decisões que não admitam recurso ordinário. É de entender que a exigência de definitividade da decisão recorrida – entendida como a insusceptibilidade de a mesma poder ainda vir a ser modificada – impõe que não possa ser interposto recurso de constitucionalidade de decisão relativamente à qual haja sido suscitado incidente pós-decisório, pelo menos na medida em que o julgamento de tal incidente possa vir a repercutir-se no objeto do recurso de constitucionalidade.

Ora, tendo sido requerida a correção do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de novembro de 2017 – precisamente quanto à questão de constitucionalidade normativa suscitada, relacionada com a aplicação do artigo 147.º do Código de Processo Penal –, e tendo sido interposto recurso de constitucionalidade do mesmo acórdão nesse momento, isto é, antes de tal incidente pós-decisório ter sido julgado, deve considerar-se que a decisão recorrida não consubstanciava, à data da interposição do recurso, uma decisão definitiva ─ no sentido relevante para efeitos do pressuposto processual estabelecido no artigo 70.º, n.º 2, da LTC ─, na ordem jurisdicional respetiva. Isto porque, caso fosse reconhecida razão ao reclamante no incidente de correção, sempre tal se repercutiria sobre o sentido e conteúdo do acórdão recorrido, pelo menos no que respeita à questão da aplicação da norma do artigo 147.º do Código de Processo Penal. É este o entendimento tradicional e dominante na jurisprudência constitucional (v. os Acórdãos n.os 534/2004, 24/2006, 286/2008, 331/2008, 377/2011, 117/2012, 426/2013 e 620/2014), ainda que não unânime (v. o Acórdão n.º 329/2015), não se vislumbrando razões para dissentir de tal orientação jurisprudencial.

Deve sublinhar-se também que, à data da admissão do recurso de constitucionalidade, ainda o incidente pós-decisório se mostrava por julgar, sendo certo que o acórdão que o decidiu foi subsequentemente objeto de pedido de aclaração pelo recorrente. De qualquer forma, o momento relevante para a apreciação dos pressupostos e requisitos do recurso de constitucionalidade é o da respetiva interposição e não o da sua admissão.

A este propósito, escreveu-se no Acórdão n.º 734/2014:

«A existência dos pressupostos de admissibilidade do recurso deve ser aferida à data da respetiva interposição, não sendo admissível, nem justo, que os requerimentos de interposição de recurso sejam distinguidos em função de uma álea quanto ao tempo de resolução das pretensões deduzidas pelos recorrentes. Dito de outro modo, não seria justo nem minimamente fundado se, existindo, por hipótese, dois recorrentes, que, simultaneamente à apresentação dos respetivos requerimentos de interposição de recurso de constitucionalidade, tivessem apresentado dois incidentes pós-decisórios junto do tribunal a quo, os mesmos vissem os seus requerimentos de interposição de recurso ser alvo de tratamento diferenciado pelo Tribunal, em função da maior ou menor dilação na prolação da decisão dos incidentes pós-decisórios apresentados por cada um deles, em idênticas circunstâncias.

Pelo exposto, conclui-se que o Tribunal Constitucional deve apreciar os pressupostos de admissibilidade dos recursos, com referência à data da respetiva interposição – excetuados os casos em que ocorrência processual superveniente torne a apreciação inútil – e não fazer depender tal admissibilidade de circunstâncias processuais alheias aos recorrentes, como o momento em que o despacho de admissão do recurso é proferido pelo tribunal a quo ou o momento em que o processo é efetivamente enviado para o Tribunal Constitucional, tudo, de resto, em obediência a um princípio de igualdade de tratamento.

Assim, é indiferente, para efeito da admissibilidade do recurso, se um determinado incidente pós-decisório é considerado ou não procedente pelo tribunal a quo, após tal interposição.»

É esta jurisprudência que aqui importa reiterar, o que permite concluir que, verificado o facto de que à data da sua interposição, o recurso de constitucionalidade incidia sobre decisão não definitiva, na aceção do artigo 70.º, n.º 2, da LTC, o mesmo não pode ser admitido.

5. Sem embargo, sempre se acrescentará que outra razão obstaria a que se pudesse conhecer do objeto do presente recurso.

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

O recorrente enuncia do seguinte modo o objeto do recurso: «normas constantes dos artigos 345º, 348º nº 7, e 147º do Código de Processo Penal (…) Na verdade, diz-nos o número 7 do Artº 348º do Código do Processo Penal, que remete para o número 3 do artº 345º do mesmo CPP - “podem ser mostrados ao arguido [ou correspondentemente à testemunha nos termos do 348º, nº 7] quaisquer pessoas, documentos ou objetos relacionados com o tema da prova” sem delimitar clara e inequivocamente que tem de ser respeitada a fronteira estabelecida pelas regras explícitas no artigo 147º do CPP, numa limitação e violação clara das garantias de defesa do arguido e do princípio do contraditório consagrados no Artº 32º da Constituição da República Portuguesa, bem como do disposto nos princípios e as normas constantes do artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e nos artigos n.º 1º, 2º, 3º n.º 3, 8º, 9º b), 12º, 13º, 16º, 17º, 18º, 20º n.ºs 1 e 4, 29º, 202º n.º 2, 204º e 205º n.º 1, 280º nº 1, 2 e 6, 283º da Constituição da República Portuguesa».

Pese embora o recorrente nunca chegue a indicar, com precisão, qual a norma, extraível dos 345.º, 348.º, n.º 7 e 147.º, todos do Código de Processo Penal, que terá sido aplicada pelo Tribunal a quo, e cuja constitucionalidade contesta, decorre inequivocamente da forma como enuncia o problema que considera que o Tribunal da Relação admitiu como válido e valorou probatoriamente um reconhecimento efetuado em violação das regras estabelecidas no artigo 147.º do Código de Processo Penal, recusando-se a extrair a consequência legal prevista no n.º 7 do mesmo preceito. Tal forma de colocar a questão demonstra que aquilo que o recorrente pretende é sindicar a própria decisão judicial, imputando-lhe – e não a qualquer norma pela mesma aplicada – a violação dos preceitos e princípios constitucionais que identifica. Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016: «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem.

Vale isto por dizer que o objeto do presente recurso é destituído de natureza normativa.

A não verificação deste requisito do recurso de constitucionalidade sempre obstaria ao conhecimento do seu objeto, justificando-se, também desta forma, a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»

3. Vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, nos seguintes termos:

«A., Recorrente nos Autos à margem indicados, tendo sido notificado da decisão sumária nº 814/2018 proferida nestes Autos de Recurso, pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro-Relator, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da LTC (redação da Lei nº 13-A/98 de 26 de fevereiro), vem, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 78º - A, da Lei do Tribunal Constitucional,

RECLAMAR PARA A

CONFERÊNCIA

o que faz nos seguintes termos e fundamentos:

1. O Recorrente foi notificado da decisão sumária nº 814/2018, proferida pelo Exmo. Sr. Juiz. Conselheiro Relator, nos termos do nº 1 do artigo 78º -A da L.T.C., no âmbito do presente Recurso, a qual, decidiu não conhecer do recurso intentado pelo Reclamante, com os seguintes fundamentos:

a) Por um lado, sustenta o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator que não é possível conhecer o Recurso apresentado pelo Reclamante porque á data da interposição do Recurso para o Tribunal Constitucional não tinham sido esgotados, previamente, os recursos ordinários...

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