Acórdão nº 4419/13.9TBGDM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: AA, S.A.

Recorridos: BB e CC BB intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Companhia DD, S.A.

– hoje, DD, S.A.

Pedia a condenação da ré no pagamento da quantia global de € 474.001,00 – correspondendo € 324.001,00 a danos patrimoniais e € 150.000,00 a danos não patrimoniais – acrescida de juros de mora, bem como no pagamento da quantia, a liquidar em execução de sentença, referente a obras de adaptação em casa da autora.

Pretendia, deste modo, ser ressarcida dos prejuízos decorrentes de um acidente de viação ocorrido em 20.10.2012, no qual foi embatida pelo veículo automóvel de matrícula ...-XL, a cujo condutor imputa a culpa pelo sucedido, veículo aquele cuja responsabilidade civil emergente da sua circulação se encontrava transferida para a ré.

Na contestação, a ré, essencialmente, imputa o acidente, antes, a culpa da autora e impugna parte da factualidade alegada.

Foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Entretanto, tendo sido requerida a interdição da autora, é proferida sentença decretando a interdição daquela, com início em 20.10.2012, tendo sido nomeado como tutor o seu marido, EE.

Tendo, em 17.02.2016, falecido a autora, foram habilitados, para prosseguir os termos da acção, o referido EE e os filhos do ex-casal, CC e FF e, tendo falecido, em 20.11.2016, EE, foram habilitados para prosseguir os termos da acção os já referidos CC e FF.

Então, os agora habilitados CC e FF apresentaram articulado superveniente requerendo a ampliação do pedido nos seguintes termos: € 75.000,00 pela perda do direito à vida; € 40.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos por cada um; e € 60.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo referido EE, direito para si transmitido por via sucessória, acrescidas de juros de mora.

Fundamentam aquela ampliação no dano da perda da vida, alegando ter o falecimento da autora ocorrido em consequência das lesões resultantes do acidente, bem como nos danos não patrimoniais que tal lhes causou e ao seu pai.

Admitido liminarmente o articulado superveniente a ré, pronunciando-se sobre o mesmo, essencialmente impugnou o alegado.

Realizado o julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu, julgando a acção parcialmente procedente, condenar a ré a pagar aos autores CC e FF a quantia global de € 142.104,91 (já deduzida do valor arbitrado no âmbito do apenso A), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Inconformados, os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo que fossem reapreciadas a questão da responsabilidade pelo acidente e a questão do valor da obrigação de indemnização.

Peticionavam, mais precisamente, que fosse revogada a decisão do Tribunal de 1.ª instância, não devendo ser imputada a BB, na qualidade de peão, qualquer parcela de responsabilidade na produção do sinistro e ser atribuída uma indemnização de € 75.000,00 pelo dano da morte, de € 150.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos por BB e, por fim, de € 60.000,00 e de € 40.000,00 por danos não patrimoniais próprios, sofridos, respectivamente, pelo falecido marido e por cada um dos filhos recorrentes.

Em Acórdão de 24.09.2018 (fls. 924 e s.), o Tribunal da Relação do Porto concluiu, ao contrário do Tribunal de 1.ª instância, que a ocorrência do acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do veículo XL e, relativamente à obrigação de indemnização, decidiu que apenas existia razão para alterar o seu valor quanto aos danos não patrimoniais sofridos por BB entre a data do acidente (20.10.2012) e o seu falecimento (17.02-2016), tendo fixado esta em € 90.000,00.

Irresignada, por seu turno, a ré DD, S.A., vem agora interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

As conclusões das suas alegações (fls. 973 e s.) são as seguintes: 1.a Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto nos autos em referência e é o mesmo apresentado na firme convicção de que este enferma de violação de lei substantiva, por via de erro na interpretação e aplicação das normas legais convocadas pela situação fáctica em apreço (artigo 674.°, n.°, ai. a) do CPC), na parte em que revogou a decisão segundo a qual existia uma concorrência de culpas entre o condutor do veículo seguro na Recorrente e a peã atropelada e na parte em que atribuiu, a título de compensação pelo dano não patrimonial da vítima relativo ao período de tempo que mediou entre o acidente e a sua morte, o montante de 90.000,00 €, em vez dos 35.000,00 € atribuídos pelo Tribunal de primeira instância.

  1. Quanto à concorrência de culpas 2.a O douto acórdão recorrido viola os artigos 101.° do Código da Estrada e o artigo 570.°, n.° 1 do Código Civil, por atribuir a total responsabilidade pelo atropelamento dos autos ao condutor do veículo XL.

    3.a Contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, a conduta de BB, evidenciada entre os factos provados 1 a 18 e no facto não provado g), é violadora do disposto no artigo 101.°, n.° 1 do Código da Estrada, nessa medida impendendo sobre aquela uma presunção de culpa.

  2. a A um condutor é exigível que obedeça às normas de direito estradai que se lhe dirigem mas não que esteja a contar permanentemente que os outros as infrinjam, sendo legítimo confiar nisso mesmo.

  3. a Era pouco previsível para o condutor do XL, colocado naquelas concretas circunstâncias, que BB fizesse a travessia da via naquele local, dado que acabava de passar por um loca! de travessia para peões.

  4. a A faixa de rodagem destina-se ao trânsito de veículos e os passeios aos peões, pelo que qualquer peão minimamente diligente, colocado na situação de BB, sabe que se expõe a uma grande situação de perigo ao colocar-se em plena faixa de rodagem, sem atentar nos veículos que ali circulam.

  5. a Da matéria de facto resulta evidente que a sinistrada não atentou na presença do veículo XL previamente a fazer a travessia da via, irrompendo pela faixa de rodagem sem previamente se certificar se o podia fazer em segurança, muito embora se tratasse de uma rua de intenso tráfego e que conhecia bem e que o veículo vinha a percorrer uma longa recta de 140 metros a uma velocidade moderada e adequada para o local.

  6. a Um automóvel a circular na faixa de rodagem é mais visível para um peão do que o contrário, dado que, pelas suas dimensões, pelo barulho que produz e por estar em posição de destaque na via, chama mais a atenção.

  7. a Tudo, pois, inculca, que o facto de BB ter feito a travessia da via naquele local e da forma descrita contribuiu para a eclosão do acidente dos autos.

  8. a Nas outras três decisões judiciais (duas sentenças e um acórdão) que já julgaram o presente acidente foi sempre atribuída uma parcela de culpa à sinistrada, até em medida superior à que foi atribuída na sentença de primeira instância dos presentes autos.

  9. a O artigo 570.°, n.° 1 do Código Civil deve ser interpretado, no caso sub iudice, no sentido de a culpa dos intervenientes dever ser graduada nos termos determinados em primeira instância: 1/5 para BB e 4/5 para o condutor do veículo. 12.a O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 101.° do Código da Estrada e 570.°, n.° 1 do Código Civil, por ter responsabilizado unicamente o condutor do veículo pelo acidente, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que repristine a decisão proferida em primeira instância, nos termos da qual houve concorrência de culpas entre o condutor do XL e a sinistrada, na medida de 4/5 para aquele e 1/5 para esta, reduzindo-se consequentemente todas as indemnizações devidas a 4/5 do montante reputado adequado para ressarcimento dos danos.

    //. Quanto à compensação pelo dano não patrimonial da vítima 13.a A Recorrente insurge-se também quanto à decisão do Tribunal a quo segundo a qual os danos não patrimoniais da vítima entre a data do acidente e o seu falecimento devem ser compensados com a quantia de 90.000,00 €, em vez dos 35.000,00 € determinados em primeira instância.

  10. a É extremamente difícil encontrar um critério para atribuir uma compensação numa situação como a presente, restando-nos fazer uso da equidade, nos termos do artigo 496.°, n.° 4 do Código Civil, sendo certo que a Recorrente pugna pela redução do valor da compensação sem que isso represente uma atitude de desvalorização do sofrimento humano, de desrespeito pela dignidade pessoal da sinistrada ou da sua memória, de apoucamento das consequências de um acidente grave ou de desconsideração pelo sofrimento dos familiares sobrevivos, que surgem na acção como autores.

    15.a Na impugnação do valor arbitrado pelo Tribunal a quo, a Recorrente terá sempre como pressuposto uma atitude de profundo respeito pela dor e sofrimento dos familiares da sinistrada e pela dignidade pessoal e memória desta última.

  11. a Dos factos provados 20, 21, 26 e 42 e dos factos não provados s), t) e u) resulta, como se pode ler na sentença de primeira instância, que a sinistrada perdeu a consciência logo no momento do atropelamento e não a re-adquiriu, permanecendo em estado vegetativo até ao falecimento, sem ter qualquer sofrimento no sentido de consciência da dor, das limitações físicas impostas pelas lesões, do antecipar do fim da vida e a angústia de deixar a família.

  12. a Não se afigura adequado nem equitativo, à luz do artigo 496.°, n.° 4 do Código Civil, compensar o dano moral por tal período de coma profundo com um valor superior ao da própria perda da vida que se lhe seguiu, sendo certo que tudo foi um processo contínuo, da perda de consciência (que ocorreu instantaneamente no momento do acidente) até ao falecimento.

  13. a De um ponto de vista objectivo, a sinistrada não mais teve qualquer consciência de si e do mundo, do seu estado de saúde, da vida que a rodeava e não mais sentiu, nesse sentido - e apenas nesse - se podendo falar de um antecipar da própria morte, a qual...

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