Acórdão nº 033/18.0BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

“FUTEBOL CLUBE ……. - FUTEBOL, SAD” [doravante «FC…, SAD»], instaurou no Tribunal Arbitral do Desporto [«TAD»], ao abrigo do disposto nos arts. 04.º, n.ºs 1 e 3, al. a), da Lei n.º 74/2013, de 06.09 [na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 33/2014, de 16.06] contra “FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL” [doravante «FPF»], recurso de impugnação do acórdão de 05.09.2017 do Conselho de Disciplina da «FPF»/Secção Profissional [proferido no processo disciplinar n.º 2 (2017/2018) e que negou provimento ao recurso hierárquico interposto, mantendo a decisão disciplinar proferida em processo sumário, na sessão de 11.08.2017, que havia condenado a «FC…., SAD» na multa de 153,00 € (pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 127.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional de 2017 (doravante RD/LPFP-2017) (cfr. disposição transitória 1.ª do referido Regulamento e Comunicado da «FPF» n.º 02, datado de 04.07.2017 - disponível in: «www.fpf.pt/Institucional/Disciplina/Regulamentação/RD-LPFP») -, conjugado com os arts. 06.º, al. g), e 09.º, n.º 1, al. m), do Anexo VI - «Regulamento de prevenção da violência» do «Regulamento das competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional» 2017 (doravante RPV/RC/LPFP-2017), na multa de 536,00 € (pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 187.º, n.º 1, al. a), do RD/LPFP-2017), e na multa de 1.148,00 € (pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo art. 187.º, n.º 1, al. b), do RD/LPFP-2017)].

  1. O «TAD», por acórdão de 26.02.2018, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida, condenando a «FC…., SAD» nas custas que, tendo em conta o valor da causa [30.000,01 €], foram fixadas em 4.890,00 €, valor a que acresce IVA à taxa legal, perfazendo 6.014,70 € que englobam a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral [cfr. fls. 01 a 59 - paginação «SITAF» - paginação essa a que se reportarão ulteriores referências à mesma].

  2. Inconformada, a «FC…., SAD» interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [«TCA/S»], o qual, por acórdão de 06.08.2018 [cfr. fls. 208 a 230], concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, julgou procedente o recurso interposto perante o «TAD», anulando o ato disciplinar punitivo ali impugnado.

  3. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a «FPF», agora inconformada com o acórdão proferido pelo «TCA/S», veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 237 e segs. e fls. 404 e segs.

    ]: «… 1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 6 de agosto de 2018, que revogou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto.

    Esta instância, por seu turno, havia decidido confirmar a decisão de aplicação à ora Recorrida de multas no valor de 1.837,00 €, por força do artigo 127.º, n.º 1 (inobservância de outros deveres), ex vi dos artigos 6.º-1 g) e 9.º-1, m), ponto vi), do Anexo VI do Regulamento de Competições e artigo 56.º-3 do RD da LPFP; por força do artigo 187.º-1, a), do RD da LPFP (comportamento incorreto do público) e por força do artigo 187.º-1. b), do RD da LPFP (comportamento incorreto do público).

    (…) 6. É por demais evidente que o coletivo de juízes que proferiu o Acórdão não analisou devidamente o processo, limitando-se a copiar integralmente decisão anteriormente proferida pelo TCA Sul - o que é usual - mas sem curar de que a parte que copia nem sequer traz nada de relevante para o julgamento da questão. Mais grave do que fazer o chamado copy paste é que essa decisão tirada no processo n.º 144/17.0BCLSB havia remetido toda a sua fundamentação para o parecer que o Magistrado do Ministério Público havia elaborado nos autos, pelo que o Acórdão de que se recorre é, desde logo, nulo por falta de fundamentação.

  4. De acordo com o Relatório de Ocorrências - que, recorde-se, não foi colocado em causa pela Futebol Clube …… - Futebol SAD nos presentes autos nem sequer foi requerida prova para contrariar o seu conteúdo -, na bancada Sul do Estádio do ….., durante jogo contra Os ………, os adeptos do FC…. rebentaram petardos, deflagraram um flash light, entoaram cânticos ofensivos, concretamente, aquando da reposição de bola por parte do guarda-redes d’Os ………., gritaram em uníssono “Filho da puta” e gritaram em uníssono “S….., S…., S…., filhos da puta, S…..”.

  5. A Recorrida não colocou em momento algum em causa que estes factos aconteceram, colocou em causa, sim, que tenham sido adeptos do FC…. os responsáveis pelos mesmos e que tenha qualquer responsabilidade sobre o comportamento levado a cabo por outras pessoas.

  6. O processo sumário é propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP).

  7. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube.

  8. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD’s que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrida em sede de Assembleia Geral da LPFP.

  9. Entende a Recorrida que cabia ao Conselho de Disciplina provar (adicionalmente ao que consta do Relatório de Jogo) que a Recorrida violou deveres de formação e vigilância, tendo de fazer prova de que houve uma conduta omissiva. Isto é, entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, o que, como se sabe, não é possível.

  10. A presunção de veracidade não significa que o Relatório de Jogo contenha uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres.

  11. Para abalar essa convicção, cabia ao clube apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil.

  12. A documentação junta aos autos foi analisada criticamente, tanto pelo Conselho de Disciplina como pelo Tribunal Arbitral, à luz da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, designadamente no que se refere à conclusão de que os objetos descritos no relatório dos Delegados da LPFP, petardos e flash light só entraram e permaneceram no estádio porque a Recorrida, no caso com responsabilidade acrescida por ser entidade organizadora do jogo, não tomou quaisquer medidas que viessem a impedir as ocorrências descritas e praticadas pelos adeptos da bancada sul, afetos ao FC…..

  13. Por seu turno, o TCA Sul nada analisa nem nada fundamenta.

  14. Também a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.

  15. Ainda que se entenda - o que não se concede - que o Conselho de Disciplina não tinha elementos suficientes de prova para punir a Recorrida, a verdade é que o facto (alegada e eventualmente) desconhecido - a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres - foi retirado de outros factos conhecidos.

  16. Refira-se, aliás, que este tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede e não briga com o princípio da presunção de inocência, ao contrário do que refere a Recorrida e do que parece entender o TCA Sul.

  17. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º, 172.º, 186.º, n.º 1, 187.º, n.º 1, al. a) e b), e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP.

  18. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Juízes do TCA Sul, e se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 2, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa …».

  19. Devidamente notificada a demandante, aqui ora recorrida, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 291 e segs.

    ], concluindo nos seguintes termos: «… i. Ainda que a Recorrente não a evidencie com clareza e objetividade, a questão normativa que entende mal apreciada e decidida pelo Tribunal a quo parece ser a relativa ao critério de apreciação da prova em processo disciplinar.

    (…) vii. Revista que, todavia, deverá improceder, porque fundada numa total desconsideração dos princípios estruturantes do processo disciplinar, que não poderão deixar de abranger o exercício do poder sancionatório previsto no RDLPFP, alguns deles inclusive portadores de estatuto constitucional.

    viii. O arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, até porque, aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da ação disciplinar (cf. jurisprudência uniforme e pacífica, e reiteradamente afirmada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19/01/95, rec. n.º 031486, de 14/03/96, rec. n.º 028264, de 16/10/97, rec. n.º 031496 e de 27/11/97, rec. n.º 039040), vigora ainda o princípio da presunção de...

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