Acórdão nº 562/16.0GBVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2019

Data28 Janeiro 2019

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No referenciado processo, que corre termos sob o nº 562/16.0GBVLN no Juízo de Competência Genérica de Valença, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, por sentença proferida e depositada a 12.07.2018 foi o arguido J. P.

condenado como autor material de um crime de receptação¸ previsto e punido pelo artigo 231º, nº 1 do C. Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 5.

Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões: «(…) 2 - A convicção do Tribunal teve em conta o teor do depoimento da testemunha J. A., que explicou que a sua foi assaltada nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas no ponto 1 dos factos provados (conforme relatório fotográfico do local junto a fls. 15 e ss.) e que dali foram subtraídos vários objetos, designadamente aqueles que descreveu na relação junta a fls 31.

3 - O Tribunal teve ainda em consideração o depoimento da 1ª Sargento da GNR R. C., que explicou de que forma foram detetados e recuperados na casa do arguido os objetos em discussão nos presentes autos, ou seja, na sequência de uma busca autorizada pelo arguido.

4 - O Tribunal apoiou ainda a sua convicção no depoimento prestado pelo Cabo da GNR P. B. que interveio na busca em questão.

5 - O Tribunal entende que o elemento intelectual e volitivo do dolo se encontram assentes a partir do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

6 - Acrescenta o Tribunal a quo não ter ficado com dúvidas que o arguido, com intenção de obter para si uma vantagem patrimonial, se encontrava na posse dos bens supra identificados dissimulando a origem ilícita dos mesmos.

7 - O Tribunal para formação da sua convicção teve ainda em consideração o facto de os depoentes R. C. e P. B. explicarem que muitos dos bens encontrados na residência do arguido foram associados a outros furtos em habitações em Valença, inclusivamente um frigorifico tipo americano que ali foi encontrado e havia sido subtraído ao seu legítimo proprietário. A depoente R. C. referiu ainda que só motosserras foram apreendidas cinco. Por outro lado, as testemunhas referiram que o arguido em momento algum justificou - com facturas, por exemplo - a proveniência dos mencionados bens.

8 - O Recorrente remeteu-se ao silêncio, por ser um dos direitos consagrados que lhe assiste na qualidade de arguido.

9 - Salvo melhor e douta opinião, dos supra referidos depoimentos não se consegue fazer prova do cometimento do ilícito penal pelo qual o arguido foi condenado, por não se verificarem os elementos do tipo.

10 - O nº 1 do artigo 231º do C. Penal a nível subjetivo exige o dolo do agente, e que o mesmo tem de ser específico relativamente à proveniência da coisa, no sentido de o agente saber que a coisa provém de um facto ilícito contra o património, e à intenção de obter para si ou para terceiro uma vantagem patrimonial.

11 - Pelo que, da matéria de facto dada como provada e da prova que serviu de convicção ao Tribunal não nos parece que esteja provada, a representação e conformação do agente com a realidade em causa, nem tão pouco que o agente tivesse qualquer conhecimento da proveniência ilícita dos bens.

12 - Assim e por força do nº 1 do citado preceito legal o tipo fundamental da recetação consiste em o agente estabelecer uma relação patrimonial com uma coisa obtida por outrem mediante um facto criminalmente ilícito contra o património, sendo a conduta guiada pela intenção de alcançar uma vantagem patrimonial.

13 - É assim necessário o dolo do agente, e no caso do nº 1, pelo qual o arguido vem condenado, um dolo específico relativamente à proveniência da coisa, no sentido de o agente saber que a coisa provém de um facto ilícito contra o património, e à intenção de obter uma vantagem patrimonial.

14 - Nesse sentido, Ac. do Tribunal da RC, de 27/04/2005, certo é que na modalidade prevista no número um são seus elementos constitutivos a intenção de obtenção de vantagem patrimonial e a ocorrência de dolo directo relativamente à proveniência da coisa, a significar que o agente tem de terá de saber que a coisa foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património.

15 - Na verdade, dos presentes autos, salvo melhor e douta opinião, resulta tão só provado que na sequência de buscas autorizadas pelo arguido realizadas em casa deste foram encontrados objetos provenientes do cometimento de um outro ilícito penal, desconhecendo-se o autor do mesmo.

16 - Repare-se que, em sede de acusação, e posteriormente dados como provados pelo douto Tribunal a quo resulta, de forma sumária, que: c) Em determinado dia, pessoa, que não foi possível identificar, lançou mão de vários objetos na residência de J. G., entre os quais se encontravam 3 objetos que foram apreendidos em casa do arguido na sequência da realização de buscas feitas na residência do mesmo.

  1. Mais decorre que com o intuito concretizado de obter para si uma vantagem económica indevida, bem sabendo, face à própria natureza dos artigos em causa, alvos frequentes de crimes patrimoniais, que a sua proveniência era criminosa.

    17 - Ora, com o devido respeito, e atento os requisitos de que a lei faz depender a verificação e concretização do crime de recetação, não vislumbramos que tal tenha ocorrido nos presentes autos.

    18 - Tanto mais que, não se conseguiu apurar de que forma adquiriu o arguido tais bens, se a título oneroso ou gratuito, nem se logrou apurar se o mesmo tinha conhecimento direto da proveniência ilícita dos mesmos, nem mesmo sequer, a possível suspeita (que mesmo a existir se enquadraria no n.º 2 e não no nº 1 do artigo 231º pelo qual o arguido vem condenado).

    19 - Entende o douto Tribunal a quo e a para fundamentar a existência do dolo, elemento necessário para a condenação pelo cometimento do ilícito penal em causa que o dolo é uma realidade que não é apreensível diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

    20 - O elemento subjetivo no crime de recetação para se encontrar preenchido é necessário que o agente tenha conhecimento da proveniência ilícita da coisa e especifica-se na intenção do agente obter para si ou para terceiro vantagem patrimonial (dolo específico).

    21 - Nesse sentido, Ac. RP de 03-04-2013, no n.º 1 o recetador tem ciência certa de que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património, atuando com a intenção de obter vantagem da perpetuação de uma situação anti-jurídica no n.º 2 do recetador admite a possibilidade de a coisa ter tal origem e conforma-se com ela, não se assegurando da sua proveniência ilícita.

    22 - Ora, no caso dos autos, o arguido vem condenado pelo n.º 1 do referido preceito legal e nesse sentido a factualidade provada, decorre do artigo 6º da douta acusação pública e que foi assente na factualidade dada como provada, nos seguintes termos, 6. Com o intuito concretizado de obter para si uma vantagem económica indevida, bem sabendo, face à própria natureza dos artigos em causa, alvos frequentes de crimes patrimoniais, que a sua proveniência era criminosa.

    23 - Ora com o devido respeito, por opinião diversa, parece-nos que tal factualidade não é suficiente para se entender o preenchimento dos requisitos do n.º 1 do citado preceito legal.

    24 - A Assim ser, e por força do artigo 231º, n.º 1 do C. Penal, pelo qual vem o Recorrente condenado que, era exigível, dolo directo relativamente à proveniência da coisa, a significar que o agente teria de saber que a coisa foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, o que, parece não ser possível entender-se que este elemento esteja provado.

    25 - Pelo que, a douta decisão viola o referido preceito legal.

    26 - Nesse sentido Ac. desse Venerando Tribunal de 14/09/2009, Também nós pensamos, como Pedro Caeiro, que no n.º 1 do art. 231º integra como elemento subjectivo um dolo específico relativamente à proveniência da coisa.

    Disse o referido autor (() Idem, p. 494): 68 O n.º 1 do artigo 231º contém um tipo exclusivamente doloso. Exige-se: é necessário que o agente saiba efectivamente que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património, pelo que a simples admissão dessa possibilidade, a título de dolo eventual, não é suficiente para o preenchimento do tipo subjectivo (podendo embora cair na previsão do n.º 2) para a fundamentação dessa asserção - aliás pacífica - cf. Infra 71. A exigência de um dolo específico, goza de ininterrupta tradição na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT