Acórdão nº 874/10.7TYVNG.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Janeiro de 2019
Magistrado Responsável | GRAÇA AMARAL |
Data da Resolução | 29 de Janeiro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA propôs acção declarativa com processo ordinário contra BB, SA, CC, DD e EE, pedindo a declaração de inexistência das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral da 1ª Ré, do dia 6-10-2010, reportadas à aprovação do relatório de gestão e contas do exercício de 2009, aprovação da proposta de aplicação de resultados do exercício de 2009 e aprovação de um voto de confiança aos órgãos de administração e fiscalização da sociedade; Subsidiariamente: - a declaração de nulidade das mesmas deliberações, porque contrárias à lei e ofensivas dos bons costumes.
Ainda a título subsidiário: - anulação de tais deliberações por ter sido impedido, ilegalmente, de participar e votar na Assembleia Geral de 06-10-2010.
Em qualquer das pretensões deduzidas, pede ainda: - que seja declarada a falsidade da acta relativa à aludida Assembleia Geral; - condenação dos Réus (sendo CC, DD e EE, como subscritores da mesma acta) a reconhecerem tal falsidade e a pagarem-lhe, solidariamente, a título de indemnização, uma quantia não inferior a 50.000,00 euros.
- cancelamento do registo, na Conservatória do Registo Comercial competente, relativo à prestação de contas referentes ao exercício de 2009.
Alegou para o efeito e fundamentalmente: - terem sido penhoradas, em 15-01-2009, 495.270 acções representativas do capital da Ré BB, SA. (correspondentes a 99,06% do respectivo capital social) no âmbito de acção executiva instaurada contra o Réu EE, sendo exequente FF, SA, tendo ficado o Autor fiel depositário de tais acções; - ter a penhora sido notificada aos Réus com expressa menção do impedimento de ser deliberado o aumento ou redução do capital social, bem como a transformação, cisão, fusão ou dissolução da sociedade; - ter sido convocada Assembleia Geral da Ré Sociedade, designada para 06-10-2010, com a seguinte ordem de trabalhos: 1 – Deliberar sobre o relatório de Gestão e Contas do Exercício de 2009; 2 – Deliberar sobre a proposta de aplicação de Resultados do Exercício de 2009; 3 – Proceder à apreciação da administração e fiscalização da Sociedade; 4 – Assuntos diversos de interesse para a Sociedade.
- ter o Autor comparecido no dia e hora designados na convocatória para efeitos de participar na Assembleia Geral na condição de fiel depositário das 495.270 acções pertencentes ao Réu EE; - ter sido impedido de entrar nas instalações da sociedade ré e de participar nessa assembleia; - ter sido realizada a referida Assembleia onde foram tomadas deliberações que aprovaram o relatório de gestão e contas relativas ao exercício de 2009, a proposta de aplicação de resultados e um voto de confiança nos órgãos de administração e fiscalização da sociedade.
Defendendo que a Assembleia Geral realizada não se encontrava em condições de se reunir por o Réu EE, em face da penhora das acções que lhe pertenciam, carecer de legitimidade para nela intervir e votar, concluiu o Autor no sentido das deliberações padecerem do vício de inexistência e/ou nulidade.
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Os Réus contestaram tendo-se defendido por impugnação e excepção. Os Réus CC, DD, EE excepcionaram a ilegitimidade da Ré EE, pedindo ainda a condenação do Autor como litigante de má-fé. A Ré BB, SA suscitou a ilegitimidade do Autor, bem como o exercício abusivo do mesmo ao propor a acção.
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O Autor apresentou réplica, pronunciando-se pela improcedência das suscitadas excepções.
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Por decisão de 16-11-2011 foi homologada a desistência do pedido deduzido contra a Ré EE, com a consequente absolvição da mesma do pedido.
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Realizada audiência prévia, foi proferido saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do Autor, relegando para decisão final a apreciação da excepção de abuso de direito. Foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Realizado julgamento foi proferida sentença (datada de 08-03-2017) que julgou a acção improcedente.
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Inconformado apelou o Autor, tendo o Tribunal da Relação do Porto proferido acórdão (24-01-2018) julgado improcedente a apelação, confirmando a sentença.
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O Autor veio interpor recurso de revista excepcional formulando as seguintes conclusões: “(…) II – Relativamente ao mérito intrínseco do presente recurso 13.Uma vez penhoradas acções representativas de 99,04% do capital social da sociedade BB, SA e entregues as mesmas ao recorrente na qualidade de seu fiel depositário, por decisão do sr. agente de execução, tem este o direito/dever de as administrar e praticar todos os actos tidos como necessários ou úteis à manutenção do seu valor .
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De entre esses actos está o de acompanhar o desempenho da sociedade em questão, e designadamente o teor dos relatórios de gestão e as contas relativas aos seus diferentes exercícios.
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Como ainda de verificar o sentido da proposta de aplicação de resultados, designadamente se são distribuídos dividendos e o critério que preside a essa distribuição.
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Uma vez que esses dividendos, a existirem, devem ser tidos como frutos das acções penhoradas e das quais ele é o fiel depositário.
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A elaboração do relatório e contas do exercício de 2009, como os de todos os exercícios, deve obedecer a um conjunto de princípios e normas legais tendentes à protecção e tutela, não apenas dos accionistas, mas sobretudo dos credores sociais e do interesse público em geral, regras essas constantes dos arts. 65º, 66º e 67º do CSComercais, e ainda no anterior POC, e actual SNC ( Sistema de Normalização Contabilística ), aprovado pelo Dec-lei nº 158/2009, de 13.07 .
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E a inobservância de tais princípios e normas legais acarreta, em princípio, a nulidade das deliberações que aprovem tais documentos de prestação de contas, nos termos do disposto no art. 69º nº 3 do CSComerciais.
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Nulidade essa que, nos termos do disposto no art. 286º do CCivil, pode ser arguida por qualquer interessado e ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
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Daqui decorre que o fiel depositário das acções da sociedade BB, SA tenha legitimidade para impugnar as deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 06.10.2010, designadamente as que aprovaram o relatório de gestão e as contas do exercício de 2009, bem como a proposta de aplicação de resultados do mesmo exercício.
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É essa a solução que decorre desde logo dos normativos dos arts. 286º do CCivil e 96º nº 3 do CSComerciais.
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O reconhecimento dessa legitimidade ao fiel depositário de acções da sociedade BB, SA é, por outro lado, consequência necessária e directa do reconhecimento de que ele tem direito à informação previsto nos arts. 288º, 289º, 290º e 291º do CSComerciais, em condições idênticas às dos accionistas, como resulta do disposto no art. 293º do CSComerciais.
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Como ao direito que igualmente lhe assista de requerer inquérito judicial às contas da sociedade, nos termos previstos no art. 292º do CS Comerciais.
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Todos estes normativos referentes ao direito á informação, muito embora aplicáveis directamente apenas ao usufrutuário e ao credor pignoratício, como resulta da letra do art. 293º acima citado, são, por efeito da aplicação analógica deste último preceito, ou até por simples interpretação extensiva, de aplicar também à pessoa do fiel depositário de acções da sociedade.
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Só assim se permitirá que o depositário judicial possa efectivamente obstar, no desempenho da administração que lhe cabe fazer das acções penhoradas, à desvalorização e esvaziamento de tais acções.
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O interesse do depositário na impugnação de deliberações sociais que tenha como inexistentes ou inválidas pela infracção de regras imperativas, é sempre de qualificar como um interesse de direito substantivo.
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O fiel depositário tem também o direito de ver declaradas como inexistentes as deliberações tomadas em “assembleia geral” cuja constituição não obedeceu a critérios e exigências legalmente previstas, e que têm natureza imperativa.
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E que, por isso, mais não são do que uma mera aparência de deliberações sociais, insusceptíveis de produzirem qualquer efeito.
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O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos arts. 286º do CCivil, 104º nº 1 do CVM, 65º nº 2, 66º nºs 1, 2, 3, 4 e 5, do CSComerciais, conjugados estes com o disposto no art. 69º nº 3 do mesmo Código, e ainda do POC aprovado pelo Dec-lei nº 410/89, de 21.11, posteriormente substituído pelo SNC aprovado pelo Dec-lei nº 158/2009, de 13.07.
” 6. A Ré Sociedade nas contra alegações defende a inadmissibilidade da revista excepcional e concluiu pela improcedência do recurso.
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Por decisão da Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante CPC), a revista excepcional foi admitida por verificação do pressuposto previsto na alínea a) do n.º1 do artigo 672.º do CPC – questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II – APRECIAÇÃO DO RECURSO De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão: ð Da (i)legitimidade substantiva do fiel depositário de acções objecto de penhora para requerer a declaração da invalidade das deliberações sociais 1 Os factos provados 1. Por escrito particular de 21.03.2002, a sociedade FF, SA (de ora em diante designada por FF) obrigou-se a adquirir ao GG, SA, por conta e no interesse de HH e de uma sociedade por si detida - II, LDA -, 495.270 acções representativas do capital social da ré BB, e correspondentes a 99,06% da totalidade do seu capital social.
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Tais acções encontravam-se na altura em poder do GG, SA, que se arrogava, contra a vontade e entendimento do dito EE e da já referida II, LDA., a sua titularidade e propriedade.
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No entendimento do dito EE e da mesma sociedade II, LDA tais acções encontravam-se em poder da...
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