Acórdão nº 293/03.1TAVFX.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelGILBERTO CUNHA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No Processo comum colectivo que com nº293/03.1TAVFX corre termos pelo Juízo Central Cível e Criminal de Beja (juiz-3) do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o arguido FD, com os sinais dos autos, por acórdão de 16-03-2011, transitado em julgado em 18-01-2012, foi condenado pela prática de um crime de burla qualificada, pp. pelas disposições conjugadas dos arts. 217º, nº1 e 218º, nº2, al.a) e 202º, al.b), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de, condicionada ao dever de pagar à assistente HN, a quantia de € 43.758,25 no período 24 meses.

Por despacho proferido em 04-06-2014, ao abrigo do disposto no art.55º, al. d) do C. Penal foi prorrogado aquele prazo para cumprimento integral do dever imposto (apenas havia pago à assistente € 1.000,00) até ao final de 2015.

Posteriormente em 31-03-2017, o Ministério Público, invocando terem passado mais de cinco anos desde o trânsito em julgado da condenação e ser desconhecido o paradeiro e a situação económica do condenado e, por isso, não sendo possível concluir-se pela sua culpa e muito menos grosseira, no incumprimento da obrigação a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão, promoveu que nos termos do art.57º, nº1 do C. Penal fosse declarada extinta a pena.

Ordenada a notificação dessa promoção ao condenado e à assistente para, querendo se pronunciarem, apenas esta se manifestou declarando não concordar com a promoção do MºPº, acrescentando que aquele estaria em Angola e que possivelmente em breve regressaria a Portugal.

De salientar que em cumprimento daquele despacho foi notificado o defensor do condenado e com vista à notificação deste foi enviada carta via postal simples com prova de depósito para um endereço de que antes já havia informação de nessa morada ele nunca ter residido (fls.684).

Por despacho proferido em 05-05-2017, sob invocação do art56º, nº1, al. a) do C. Penal foi revogada a suspensão da pena de 4 anos de prisão em que o arguido fora condenado.

Recurso.

Inconformado o Ministério Público interpôs recurso deste último despacho, pedindo que seja revogado e substituído por outro que declare extinta a pena, dizendo, em sede de conclusões, o seguinte: 1.º - Da conjugação dos artigos 55 e 56, n.º 1, al. a), do Código Penal, resulta que o incumprimento dos deveres ou regras de conduta que condicionam a suspensão da execução da pena, só por si, não acarreta a revogação da suspensão da execução da pena.

  1. - Para que a revogação da suspensão da execução da pena seja decretada, é necessário que o incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos se deva a culpa grosseira do condenado.

  2. - A culpa grosseira constitui uma actuação indesculpável, que não merece ser tolerada nem desculpada e em que o comum dos cidadãos não incorre.

  3. - No que concerne, em particular, aos deveres de natureza pecuniária, a culpa grosseira não prescinde da demonstração de que o condenado dispunha de condições económicas para cumprir os deveres, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder cumpri-los.

  4. - Não recai sobre o arguido o ónus da prova de que o incumprimento do dever que condiciona a suspensão da pena não foi culposo.

  5. - No caso dos autos o arguido FD foi condenado, por decisão transitada em 18 de Janeiro de 2012, pela prática de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217, n.º 1, 218, n.º 2, al. a), e 202, al. b), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo sob condição de, no prazo de 24 meses (posteriormente prorrogado até ao final do ano de 2015), pagar a quantia de 43.758,25 euros arbitrada à ofendida HN a título de indemnização.

  6. - No decurso do período de suspensão da execução da pena o arguido não cometeu qualquer infracção criminal e comprovou o pagamento de, apenas, 1000 euros à ofendida HN.

  7. - Sem conhecer o actual paradeiro nem a condição financeira do arguido, o Mm.º Juiz, no douto despacho recorrido, revogou a suspensão da execução da pena de prisão, considerando, essencialmente, que: “O facto de não lhe ser conhecido o paradeiro e rendimentos em território nacional, conjugado com os demais elementos dos autos, mormente a comunicação de fls. 734, é demonstrativo de que o condenado se encontra a trabalhar no estrangeiro, num país que nem sequer identifica (apesar da Assistente referir que está em Angola), auferindo rendimentos que escapam a qualquer tentativa de execução desta e eventualmente doutras dívidas que tenha. (…) Nesta senda, é meu entendimento que mesmo nos casos em que houve dissipação dos montantes ilicitamente locupletados e o condenado à restituição não tem bens ou rendimentos declarados/conhecidos, sempre lhe incumbirá demonstrar que durante o período fixado fez o que lhe era razoavelmente exigível para proceder a tal pagamento, designadamente prestando informações acerca da sua situação laboral/patrimonial, demonstrando que, em caso de desemprego, tentou inverter essa situação procurando emprego, etc.

    Ou seja, incumbe-lhe o ónus de demonstrar que a falta de pagamento não lhe pode ser imputável.

    Ora, perante uma postura como aquela que o condenado assumiu nos autos, não se pode deixar de concluir que estamos perante um incumprimento grosseiro e culposo. Não prestou nos autos qualquer informação válida e relevante acerca da realização de qualquer esforço para pagamento da dívida, continua a ser desconhecido o seu paradeiro, e os €1.000,00 que pagou foram notoriamente um engodo que lançou para, uma vez mais, conseguir mais tempo e daí procurar tirar proveito.” 9.º - O Ministério Público entende que, só por si, o facto de não ser conhecido o paradeiro do arguido e de não lhe serem conhecidos rendimentos e bens em território nacional não conduz à conclusão de que o mesmo trabalha e tem capacidade económica para pagar a indemnização devida à ofendida nem, por conseguinte, comprova a culpa grosseira quanto ao incumprimento da obrigação imposta no douto acórdão.

  8. - E daí que, tendo decorrido mais de 6 anos desde o trânsito em julgado da condenação sem que haja registo de cometimento de quaisquer outros delitos por parte do arguido, a respectiva pena deva ser declarada extinta nos termos do artigo 57, n.º 1, do Código Penal.

  9. - Ao dissentir deste entendimento, o douto despacho recorrido fez errada aplicação do disposto nos citados artigos 55, 56, n.º 1, al. a), e 57, n.º 1, do Código Penal.

  10. - Deve, por isso, ser revogado e substituído por outro que declare extinta a pena do...

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