Acórdão nº 606/14.0GASSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução26 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Sesimbra do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, a assistente AC deduziu acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público, contra a arguida MJ, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º do Código Penal (CP), e de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do CP.

A assistente deduziu, ainda, pedido de indemnização civil, peticionando o pagamento, pela arguida/demandada, de indemnização a título de danos patrimoniais, no montante de € 3.789,70 e, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 1.500,00.

A arguida apresentou contestação, pugnando pela absolvição.

Realizado o julgamento, decidiu-se: - julgar a acusação improcedente e, consequentemente, - absolver a arguida da prática dos imputados crimes de injúria e difamação; - absolver a arguida/demandada do pedido de indemnização civil contra a mesma formulado.

Inconformada com tal decisão, a assistente interpôs recurso, formulando as conclusões: 1º O Tribunal a quo absolveu a arguida pese embora tenha dado como provado que “2. No dia 2 de Outubro de 2014 a menor AC efetuou uma apresentação oral na aula de inglês, ministrada pela Arguida.

  1. No início e no fim da referida apresentação a Arguida corrigiu a Assistente, nomeadamente no que respeita a expressões na língua inglesa utilizadas pela Assistente, as que considerou incorretas.

  2. Perante as correcções efectuadas a assistente dirigiu-se à arguida dizendo que não tinha dito tais expressões, mas sim outras.

  3. A Arguida mostrou-se exaltada perante a atitude da assistente de confronto com a mesma relativamente aos erros comunicados e as correções efectuadas.

  4. Na sequência das correcções efectuadas pela Arguida, a Assistente enervou-se e começou a chorar.

  5. Na sequência de tais factos a Arguida dirigiu-se à ofendida chamando-a de “mimada”.

    Resultou efetivamente demonstrado nos autos que a Arguida se dirigiu à assistente com a expressão “mimada”, em contexto de sala de aula, em ambiente escolar e perante os restantes colegas de turma, após uma apresentação oral de um trabalho em inglês.

    O tribunal errou ao absolver a Arguida ignorando a factualidade dada como provada.

    Sendo que a expressão “mimada” utilizada em contexto de sala de aula, a uma aluna menor de idade quando avaliada perante os restantes colegas de turma era por si só suscetível de constranger e de ofender a honra da Assistente, melindrando-a, já que não podemos esquecer que a Arguida como professora não pode adjetivar os alunos que estão a ser avaliados por si, e, tratando-se de menores, como a Assistente, sempre teria que ter em atenção a possibilidade que tal expressão teria como ofensiva do bom nome e reputação da Assistente.

    Tal expressão é merecedora de tutela jurídica sendo dirigida por uma professora a uma aluna em plena apresentação de trabalho escolar perante a restante turma.

    Termos em que deve revogar-se a decisão absolutória da Arguida, substituindo-se por uma sentença condenatória da Arguida pela prática de um crime de injúrias p.p. nos termos do Artigo 181.º do Código Penal, assim se fazendo JUSTIÇA.

    O recurso foi admitido.

    Apresentaram resposta, concluindo: - o Ministério Público: 1.ª - O recurso interposto pela assistente não tem fundamento, sendo que a douta sentença recorrida não padece de qualquer vício.

    1. - A factualidade que resultou provada em sede de audiência de julgamento não permite subsumir o comportamento da arguida à prática de um crime de injúria.

    2. - O bem jurídico protegido pela referida incriminação é a honra, que inclui a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade, bem como a dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente da sua posição social (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, Universidade católica Editora, 2.ª Edição, pág.181).

      O preenchimento do seu tipo objectivo verifica-se quando o agente imputa directamente a outrem factos ou juízos desonrosos, lesivos da sua consideração.

    3. - Para se aferir da potencialidade ofensiva da honra de determinadas expressões ou imputações, importa, entre o mais, avaliar o contexto em que as mesmas se inserem, quando é certo até existirem expressões que, de forma isolada e desgarrada do contexto, são adequadas a ofender a honra e consideração do visado, sendo que, no entanto, as mesmas expressões ou imputações, se enquadradas num contexto do qual resulte uma conotação diferente, podem perder aquela carga ofensiva.

    4. - Resultou demonstrado nos autos que a arguida se dirigiu à assistente com a expressão “mimada”.

    5. - Tal como se concluiu na douta sentença recorrida, tal expressão dirigida por uma professora a uma aluna, em contexto de sala de aula, em ambiente escolar, mostra-se inadequada. Contudo, concluindo, como se concluiu na douta sentença recorrida, que tendo em consideração o contexto em que tal expressão foi proferida – após o confronto da assistente, por parte da arguida, dos erros cometidos por aquela durante uma apresentação oral em inglês e o comportamento subsequente da assistente, que começou a chorar perante as correcções que estavam a ser efectuadas pela arguida, sua professora – a expressão “mimada” não se mostra ofensiva da honra ou consideração da assistente, não preenchendo, por isso, os elementos objectivo e subjectivo do crime em causa.

    6. - Doutrinária e jurisprudencialmente, defende-se hoje que o elemento subjectivo se basta com o chamado dolo genérico: a simples consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, considerando o meio social e cultural e a «sã opinião da generalidade das pessoas de bem».

    7. - Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano.

    8. - Tendo em vista o contexto imediato em que foi proferida pela arguida a expressão “mimada” e o contexto global ou relacional em que a arguida e assistente se moviam, a expressão utilizada pela arguida não possui essa idoneidade para ofender a honra e consideração.

    9. - A arguida proferiu aquela expressão num contexto específico, após o confronto da assistente, por parte da arguida, dos erros cometidos por aquela durante uma apresentação oral em inglês e o comportamento subsequente da assistente, que começou a chorar perante as correcções que estavam a ser efectuadas pela arguida, sua professora – assim, a expressão “mimada” não se mostra ofensiva da honra ou consideração da assistente, sendo que a mesma não tem relevância jurídico-penal.

    10. - Ou seja, essa expressão não tinha, no contexto relacional, um significado ofensivo com carga bastante para constituir crime.

    11. - Assim sendo, entende o Ministério Público que o tribunal fez uma correcta aplicação da lei e proferiu uma sentença justa e equilibrada, respeitando os critérios estabelecidos nos artigos 47.º e 71.º do Código Penal e fez uma correcta subsunção dos factos ao direito.

    12. - Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela assistente.

      - a arguida: I) Os factos dados por provados em 2, 3, 4, 5, 6 e 7, do elenco dos factos provados, não preenchem os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de injúria, previsto e punido no artigo 181.º do Código Penal; II) A recorrente não apresentou os meios de prova que permitam alterar a resposta aos factos dados por não provados referidos nas alíneas e) e f), do elenco dos factos dados por não provados; III) O contexto em que foi usada a expressão “mimada” não se mostra ofensivo da honra e consideração da...

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