Acórdão nº 353/16.9GASSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução10 de Abril de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos presentes autos de processo comum (tribunal Singular), com o nº 353/16.9GASSB, da Comarca de Setúbal (Juízo de Competência Genérica de Sesimbra - Juiz 2), o tribunal decidiu: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação do Ministério Público, e em consequência, decide-se: a. Absolver o Arguido E dos crimes de: - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, entre 16/10/1971 e 16/09/2016, previsto e punível pela alínea a), do n.º 1, n.º 2, n.º 4 e n.º 5 do artigo 152.º, do CP; e - OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES, em 02/09/1995, previsto e punível pelo n.º 1 do artigo 143.º, do CP.

  1. Condenar o Arguido E como: - Autor material na forma consumada, em 22/07/2016, de um crime de OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA SIMPLES, previsto e punível pelo n.º 1, do artigo 143.º, n.º 1 do artigo 14.º e artigo 26.º, todos do CP, na pena de duzentos (200) dias de multa, e - Autor material na forma consumada, em 22/07/2016, de um crime de DEVASSA DA VIDA PRIVADA, previsto e punível pela alínea d), do n.º 1, do artigo 192.º, n.º 1 do artigo 14.º e artigo 26.º, todos do CP, na pena de cem (100) dias de multa; - Em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77.º, do CP, na pena única de duzentos e cinquenta (250) dias de multa, à razão diária de oito euros (€8,00 euros), o que perfaz o valor total de dois mil euros (€2.000,00 euros); c. Condenar o Arguido E no pagamento da taxa de justiça que se fixa em quatro (4) UC, atento o disposto no artigo 513.º, do CPP ex vi artigo 8.º, n.º 9, do RCP”.

    Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1ª - Não estão preenchidos, face aos factos provados, os elementos (objetivo e subjetivo) do crime de devassa da vida privada.

    1. - Relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, a prova produzida não é suficiente para, com clareza, sem dúvidas e com total segurança, permitir dizer que o arguido não fez mais do que repelir um ataque da ofendida, pois que arguido e ofendida, cada um, apresentam as suas próprias versões dos factos, não existindo quaisquer provas de uma ou de outra das versões, pelo que se impõe a absolvição (por aplicação do princípio in dubio pro reo).

      * A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

      Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, entendendo que deve ser concedido provimento ao recurso, no tocante ao crime de devassa da vida privada, por insignificância penal da expressão utilizada pelo arguido, e entendendo que deve ser negado provimento ao recurso na parte relativa ao crime de ofensa à integridade física simples, por a prova produzida ser suficiente para a condenação.

      Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

      Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

      II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

      Tendo em conta as conclusões enunciadas pelo recorrente, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, são duas as questões que estão suscitadas no presente recurso: 1ª - Verificação dos elementos do tipo legal de crime de devassa da vida privada.

    2. - Existência de prova suficiente (isenta de dúvida razoável) relativamente aos factos que estão na base da condenação pelo crime de ofensa à integridade física simples.

      2 - A decisão recorrida.

      A sentença revidenda é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão fáctica): “FACTOS PROVADOS Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. O Arguido E. e a ofendida MC. casaram a 16 de Outubro de 1971.

      1. Do casamento entre o Arguido E. e MC. nasceram 2 filhos, AC, nascida em 26 de Maio de 1972, e PC, nascido em 09 de Maio de 1980.

      2. A residência do casal situava-se na Rua …, Fonte de Sesimbra, Sesimbra.

      3. O Arguido E. e MC. viveram juntos até ao dia 16 de Setembro de 2016, data em que esta saiu de casa, tendo ido viver para casa da filha AC.

      4. No dia 02 de Setembro de 1995, dia do casamento da filha do casal, AC, o Arguido E. desferiu murros e pontapés no corpo de MC.

      5. No dia 22 de Julho de 2016, cerca das 22,00 horas, no interior da residência do casal, em virtude de MC ter manifestado desagrado pelo facto do Arguido E, telefonicamente, ter dito a um amigo do casal, ter tido relações sexuais com aquela na noite anterior, este empurrou-a contra as escadas para que esta abandonasse o local, e até chegarem ao andar superior da habitação, foi-lhe desferindo murros na região dorso-espinal e na região escapular.

      6. Como consequência direta e necessária da atuação do Arguido E. resultaram para MC. traumatismo dos membros superiores e do tronco.

      7. Tais lesões determinaram para MC um período de doença fixável em 4 dias, sendo 2 dias com afetação da capacidade de trabalho geral e 2 dias com afetação da capacidade de trabalho profissional.

      8. O Arguido E. quis atingir MC no corpo, bem sabendo que dessa forma causava-lhe dores e ferimentos, o que conseguiu.

      9. O Arguido E. quis atingir a intimidade da vida privada, de MC, bem sabendo que ao contar a terceiro ter tido relações sexuais, ocorridas com a mesma, sem que esta o tenha consentido, devassava a intimidade da vida privada desta, o que quis e conseguiu.

      10. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

      11. O Arguido E. completou o 4º ano de escolaridade, iniciou precocemente atividade laboral, tendo desenvolvido atividade profissional, por conta própria na área da construção civil, durante cerca de trinta anos, a qual terminou há cerca de cinco anos, em consequência da crise económica que afetou este setor de atividade, auferindo, atualmente, valores incertos que rondam cerca de €200,00 ou €300,00 euros mensais.

      12. O Arguido E. durante a sua vida adquiriu diversos bens imóveis, como um apartamento em Loures, diversos terrenos na área de Sesimbra, recebendo rendas de alguns deles, vivendo em casa própria, não tendo quaisquer despesas para além das quotidianas e inerentes aos bens imóveis de que é proprietário.

      13. Arguido E. vive sozinho na sua casa, os dois filhos têm vida autonomizada e socialmente é considerada pessoa de bom trato.

      14. Para além do mais, no relatório social do Arguido E. consta o seguinte: “(…) A dinâmica conjugal caracterizava-se pela ausência de comunicabilidade no que respeita à compreensão e partilha dos assuntos familiares, salientando-se a ocorrência de alguma disfuncionalidade conjugal.

        (…) E menciona a existência de problemática de saúde ao nível da saúde mental, com menção a sintomas depressivos, que se vem mantendo desde que cumpriu o serviço militar obrigatório em África, com acompanhamento médico e administração de medicação. No entanto, referiu a ocorrência de períodos de alguma instabilidade, quadro que interferirá nas suas rotinas diárias (…)”.

      15. O Arguido E. não tem averbado qualquer antecedente criminal.

        FACTOS NÃO PROVADOS Com relevância para a boa decisão da causa, não se provou que: A. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano de 1991, que o Arguido E. acusava a ofendida MC. de não fazer nada, dizendo que a mesma “o andava a roubar para dar aos filhos”, mostrando desprezo por estes e não aceitando qualquer comentário sobre o seu comportamento para com os filhos, agredindo a ofendida sempre que esta lhe pedia para não os tratar daquela forma.

        1. Em data não concretamente apurada o Arguido E. ameaçou de morte com um punhal MC.

        2. O...

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