Acórdão nº 139/14.5T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2018

Data08 Novembro 2018

Sumário: 1. O dano resultante da perda de chance processual pode relevar se se puder concluir, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.

  1. Para o determinar, o tribunal que julga a indemnização deve realizar um “julgamento dentro do julgamento”, segundo a perspectiva que teria sido adoptada pelo tribunal que apreciaria a acção ou recurso inviabilizados.

  2. Quanto mais robusta for a chance, maior será o montante da indemnização devida e mais se aproximará do valor que seria devido para cobrir o dano decorrente da perda do resultado final.

  3. Em caso de responsabilidade profissional civil de advogado, não é oponível ao cliente lesado a falta de participação do sinistro à Seguradora por parte daquele advogado.

  4. A franquia ao capital seguro consiste numa dedução ao montante indemnizatório, que tem por fundamento o estímulo à prudência do segurado e a eliminação da responsabilidade da Seguradora em pequenos sinistros.

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo Central Cível e Criminal de Beja, (…) demandou (…) (1.º R.), advogado, (…) Seguros Gerais, S.A. (2.ª Ré) e Seguradoras (…), S.A. (3.ª Ré), alegando que o 1.º R. foi nomeado seu patrono oficioso, no âmbito do benefício do apoio judiciário, e que apresentou alegações extemporâneas de Acórdão da Relação que lhe havia sido desfavorável, motivo pelo qual o Supremo Tribunal de Justiça não tomou conhecimento do recurso.

Em consequência, pede a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe € 83.949,18 a título de danos materiais e € 100.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Após contestação por todos os demandados, realizou-se julgamento e foi proferida sentença julgando a causa totalmente improcedente.

No dia anterior ao oferecimento das suas alegações, a A. dirigiu requerimento ao tribunal a quo, arguindo a deficiência de gravação de três depoimentos e pedindo a repetição parcial do julgamento, bem como a anulação da decisão da matéria de facto e da sentença.

Sobre este requerimento incidiu despacho do tribunal a quo, concluindo pela extemporaneidade da arguição de deficiência da gravação.

Nas suas alegações de recurso, a A. conclui: 1 - deverá ser recebida a arguição de nulidade invocada, ordenada a repetição parcial da audiência de modo a ouvir as testemunhas cujo depoimento é inaudível na gravação, dando-se sem efeito, por nulos todos os actos posteriores à gravação viciada, inclusivamente, a douta sentença em crise; 2 - a matéria de facto dada como não provada nos pontos A, B e C da rubrica b) “Factos não provados” da douta sentença em recurso deverá ser alterada de modo a ficar decidido que: Ponto A – “a A. não foi informada pelo 1.º R. da rejeição do recurso, apesar de se ter deslocado, por várias vezes, ao seu escritório para conhecer do respectivo resultado”, dando-se como provada a matéria alegada no art. 9.º da p.i.; Ponto B – a A. viveu momentos de grande sofrimento, angústia e constrangimento quando soube que o seu patrono não apresentou atempadamente as alegações de recurso, dando-se como provada a matéria alegada no art. 15.º da p.i.; Ponto C – a A. confiava no trabalho do 1.º R e sentiu-se enganada durante vários meses, dando-se como provada a matéria alegada no art. 10.º da p.i.; 3 - deverá ser apreciado o pedido de indemnização por danos morais peticionados pela A./recorrente, dado que estes danos são presentes, certos e imediatos, nada têm a ver com a perda de chance – teoria que a Meritíssima Juíza a quo tratou mas que só pode cingir-se ao pedido de danos patrimoniais dada a necessidade de comprovar o nexo de causalidade entre o acto e o dano; 4 - o dano moral sofrido pela A./recorrente resulta da conduta do 1.º R. que incumpriu os deveres deontológicos consagrados nos arts. 95.º e 110.º do E.O.A.; 5 - esta conduta só por si é fonte de responsabilidade civil geradora do dever de indemnizar; 6 - tal dever não necessita da verificação directa e expressa do nexo de causalidade entre o acto e o dano, resultando directa e imediatamente da violação; 7 - ao aceitar a nomeação oficiosa, no âmbito do apoio judiciário, para representar os interesses da A./recorrente, o 1.º R. assumiu uma responsabilidade extracontratual, responsabilizando-se pelos efeitos danosos da sua actuação ou omissão; 8 - resulta da experiência comum e da lógica que um acto omissivo como o do 1º R., quer no diz respeito à extemporaneidade do recurso, quer à omissão da informação, à A./recorrente, quanto à causa do seu resultado, causa mau estar, tristeza, angústia, constrangimento; 9 - tanto que a A./recorrente sempre foi diligente no acompanhamento do processo cujo decaimento gerou a necessidade/interesse de recurso para o STJ; 10 - esse interesse ficou inclusivamente, patente na presença repetida da A./recorrente no escritório do 1.º R., com o objectivo de saber do andamento/resultado do processo; 11 - o dano moral da A./recorrente, resulta desde logo de ver a sua expectativa de reapreciação do seu pedido formulado na acção de acidente de trabalho com dano morte, defraudada, pois que surge evidente que a sua expectativa era presente e imediata, pelo número de vezes que foi ao escritório do 1.º R.; 12 - e surge evidente que sofreu o dano moral por se sentir enganada, pois que para conhecer o verdadeiro motivo do resultado do recurso par o STJ teve de pedir uma fotocópia da decisão, tendo, apenas, nessa altura, e por iniciativa própria, conhecido a verdadeira causa do insucesso; 13 - dado que a A./recorrente peticionou a condenação no pagamento de uma indemnização por danos morais, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado quanto a esse pedido; 14 - a indemnização nunca poderá ser inferior ao valor peticionado na p.i.; 15 - a responsabilidade do pagamento do valor da indemnização recai sobre o 1.º R., e, solidariamente, sobre as 2.ª e 3.ª R. por efeito e nos limites dos respectivo contratos de seguro.

Nas respectivas respostas, os RR. sustentam a manutenção do decidido.

Nas suas alegações, a 3.ª Ré Seguradoras (…), S.A., procede à ampliação do âmbito do recurso nos seguintes termos: a. Nos termos da apólice em análise, não é assim relevante para a determinação da sua aplicabilidade a data da verificação dos factos eventualmente susceptíveis de gerar responsabilidade civil profissional, mas sim a data da primeira reclamação dos factos.

b. No caso em apreço, os factos alegados na Petição Inicial e imputados ao R. Advogado – que não se aceitam – terão sido consciencializados pelo mesmo em 14.09.2012, não tendo o R. Dr. (…) comunicado os factos em apreço à Seguradora, anteriormente a 04.03.2013.

c. Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 24 meses, com data de início de 01.01.2012 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2014 – Cfr. Doc. 1 junto com a contestação e aí dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

d. Também, nos termos do art. 10.º, n.º 1, das Condições da Apólice em análise: “O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corrector ou à SEGURADORA, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efectuada contra ele ou de qualquer facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação”.

e. A comunicação supra referida, dirigida ao Corrector ou à SEGURADORA ou aos seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o conhecimento da RECLAMAÇÃO possa chegar à SEGURADORA no prazo improrrogável de sete dias.” f. A falta de comunicação em causa – falta de participação do sinistro – constitui assim uma causa de exclusão de cobertura expressamente prevista nas condições especiais da Apólice (…) e que impede a responsabilização da Recorrida Seguradora, que deverá ser absolvida do respectivo pedido; g. Pelo que, a primeira reclamação do sinistro ora em apreço, ocorreu cerca de seis meses depois do conhecimento dos factos.

h. Também, de acordo com o clausulado da apólice em apreço foi fixada uma franquia no montante global de € 5.000,00 (cinco mil euros por sinistro, franquia essa que fica a cargo do Segurado 1ª R. Dr. (…), sendo da sua inteira responsabilidade, a qual não pode ser imputável à ora Ré – Cfr. Doc. 1 apresentado com a contestação da Ré seguradora aqui Recorrida, Ponto 9 das Condições Particulares.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da deficiência na gravação Apesar da 1.ª instância ter já indeferido a arguição de nulidade do julgamento por deficiência na gravação, a A. continua a insistir nesta questão nas suas alegações de recurso.

Ora, para além do trânsito em julgado do despacho que desatendeu a referida arguição, também se notará que a deficiência da gravação deixou de poder ser arguida em sede de alegações do recurso interposto da sentença final, pois o art. 155.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil dispõe agora que a gravação deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respectivo acto, e que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a...

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