Acórdão nº 148/17.2GBABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelLAURA MAUR
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Abrantes, no âmbito dos autos com o NUIPC nº148/17.2GBABT, foi o arguido SP submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal decidiu: - Condenar o arguido SP, na pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, do crime violência doméstica, previsto e punido art. 152°, n° 1 al, a) e n.? 2, do Código Penal.

- Suspender a execução da pena aplicada em 1 por igual período, determinando que a suspensão seja acompanhada pelo cumprimento das seguintes regras de conduta: i. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; ii. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; iii. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência; iv. Não contactar, de qualquer forma, ou aproximar-se de CP (Art. 50°, nº 2 e 3, 52.°, nº 1, al, b) e c) e nº 2 al. d) do CP), cuja proibição deverá ser compatibilizada com o exercício efetivo, pelo arguido, do exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor; - Condenar o arguido na pena acessória: i. de proibição de todo e qualquer contacto com CP pelo período de 5 anos compatibilizada com o exercício efetivo, pelo arguido, das responsabilidades parentais relativamente ao filho menor; ii. de frequentar programas específicos de prevenção de violência doméstica (cfr. art. 152.°, n° 4 do CP).

- Julgar o pedido de indemnização cível parcialmente procedente e, em consequência condenar o arguido ao pagamento da quantia de 3 000,00 (três mil) euros à demandante CP a título de compensação pecuniária dos danos não patrimoniais sofridos, acrescido da quantia devida a título de juros legais, vencidos desde a data da presente decisão até integral pagamento, nos moldes referidos, absolvendo o demandado do demais peticionado.

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. O presente recurso, versando de facto e de direito, tem por objecto a sentença proferida nos autos acima identificados e que condenou, no essencial, o arguido SP pela prática, em autoria material e na forma de consumada, do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal.

  1. Por despacho proferido em audiência de discussão e julgamento e registado no sistema de gravação sonora com o número 20180628165043_2773237_2871737, decidiu o Tribunal “a quo” julgar improcedente a invocada nulidade prevista no artigo 119, alínea c) do CPP.

  2. Na primeira data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento, o arguido, residente na Suíça, onde trabalha, não compareceu na audiência de discussão e julgamento.

  3. Iniciada a sessão de julgamento, na ausência do arguido por se entender, como entendeu o Tribunal “a quo” não ser imprescindível a presença do mesmo para a descoberta da verdade material, veio este requerer lhe fosse admitida a prestação de declarações em momento posterior, sugerindo-se a marcação de nova data, que não a já designada para a segunda data, uma vez que para esta se antevia novamente a impossibilidade do arguido poder comparecer.

  4. Não admitindo a sugestão, e mostrando-se indisponível o Tribunal “a quo” para a marcação de data, veio o arguido, ainda assim requerer lhe fosse admitida a prestação de declarações na segunda data designada – registo de gravação sonora com o número 20180604132537, entre os minutos 00.00 e 07.32.

  5. Sem embargo da urbanidade exigida a qualquer um dos intervenientes na administração e realização da justiça, que in casu lastimosamente não se verifica, como se pode, de resto, constatar, e dos eventuais compromissos de ética subjacentes ao exercício das mais variadas atividades profissionais, o facto é que reiteradamente o arguido solicitou ao Tribunal lhe fosse concedido o direito de ouvir a sua versão dos factos.

  6. Concretizando-se factualmente a suspeita da impossibilidade de comparência do arguido à segunda data designada para a realização da audiência de discussão e julgamento, veio este, por requerimento datado de 06 de junho de 2018, com a referência 29351452, informar a Mma. Juiz “a quo” da impossibilidade de se deslocar a Portugal naquela data em razão de compromissos profissionais, que justificou por documento, devidamente traduzido, em obediência ao despacho com a referência 5018304.

  7. Mais reiterou, por requerimento datado de 11 de junho de 2018, com a referência 29390738, a circunstância de pretender prestar declarações para garantia da sua defesa, sugerindo para o efeito que, uma vez tratar-se de processo urgente, e por esse facto tramitado em ferias judiciais, lhe fossem tomadas declarações no período compreendido entre 24 de Julho de 2018 e 08 de Agosto de 2018, período durante o qual estaria em Portugal.

  8. Requerimento que viu indeferido, por inadmissibilidade legal, com fundamento no artigo 333º, nº 3 do CPP.

  9. Nesta sequência, por requerimento apresentado em 20 de junho de 2018, com a referência 29476340 veio o arguido invocar a nulidade insanável supra identificada, alegando, para o efeito ter comunicado ao Tribunal a impossibilidade de estar presente na segunda data designada, dando a conhecer a sua intenção de prestar declarações e oferecer a sua versão dos factos.

  10. Salvo melhor entendimento, na qualidade de arguido, o então requerente e ora recorrente tem direito de prestar declarações e ser ouvido em Tribunal sempre que esteja em causa uma decisão que pessoalmente o afete, nos termos previstos no artigo 61, nº 1 do CPP.

  11. A realização da audiência de discussão e julgamento sem a presença do arguido, regulada no artigo 333º do CPP, cinge-se apenas a duas situações: 1) uma por iniciativa do Tribunal, em virtude da ausência voluntaria do arguido, que tanto pode ser justificada, como injustificada, por estar impossibilitado de comparecer (nº1) e outra 2) por iniciativa e com o consentimento do arguido (nº4).

  12. Em qualquer das circunstâncias, determina de modo imperativo o nº 3 do mesmo artigo que (…) o arguido mantem o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência.

  13. De resto, a Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 32º, nº 1 uma clausula geral de garantia de defesa ao determinar que o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, especificando depois em que consistem tais garantias, entre as quais encontramos o direito de presença do arguido na audiência de discussão e julgamento.

  14. Este direito – que não pode ser reconhecido apenas e só como dever, como parece fazer a Mma. Juiz “a quo” quando refere que “quem está, está, quem não está, estivesse” [quando se refere em concreto à impossibilidade de realização do relatório social- v. a supra referida passagem registada no sistema de gravação sonora com o número 20180604132537, entre os minutos 00.00 e 07.32] – está, de resto, consagrado no artigo 14, nº 3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e muito embora não esteja expressamente reconhecido na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, tem vindo a ser reconhecido esse mínimo de defesa a partir do artigo 6º, nº 3, alíneas c), d) e e) como uma das dimensões essenciais da existência de um processo justo e equitativo.

  15. Não tendo marcado nova data, o Tribunal “ a quo” deu continuidade à audiência na segunda data previamente designada, depois de saber que o arguido não iria estar presente, depois de recusar a marcação de nova de data, e depois de tomar conhecimento da intenção do arguido em que lhe fossem tomadas declarações.

  16. Não tendo, como devia, tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido, a realização da audiência nos sobreditos termos contende com o exercício pleno do direito de defesa do arguido e o princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador.

  17. Dispõe o artigo 118.°, n.º 1, do CPP que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que o artigo 119.° estabelece que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais, «c) A ausência do arguido (…), nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência.» 19. Assim, tendo-se realizado o julgamento do arguido – do qual saiu condenado – na sua ausência, apesar de estar notificado da data da audiência e a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, é nula a audiência de julgamento, efetuada na ausência do arguido sem que a Mma.Juiz “ a quo” tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.

  18. Tal declaração – de nulidade, que ora se invoca - implica a invalidade da audiência de julgamento e dos atos que dela dependem (designadamente, a sentença condenatória), devendo o mesmo tribunal proceder à respetiva repetição (artigo 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).

    Sem conceder, 21. O arguido recorrente discorda totalmente da decisão proferida pelo Tribunal a quo, no que respeita aos dados como provados, que por referência à numeração utilizada na sentença recorrida constam dos artigos 6º a 20º, 32º a 38º, e 25º a 31º no que toca ao preenchimento do tipo subjetivo de ilícito.

  19. Com efeito, tais factos não se adequam, de todo, à prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

  20. O Tribunal “ a quo” formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo aos dados objetivos fornecidos pelos...

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