Acórdão nº 1243/17.3T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO BB instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e Hospital DD, pedindo que os réus sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.

Alegou a autora, em síntese, no que à economia do recurso interessa, que padecia de um problema no joelho, tendo sido operada no Hospital DD pelo réu CC (1º réu), utilizando para esse fim um vale cirúrgico que lhe fora atribuído por parte do Ministério da Saúde.

Contestou o 1º réu, que desde logo invocou a exceção de incompetência material do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, alegando, em resumo, que ele próprio e o Hospital onde os serviços foram prestados não foram contratados privadamente pela autora, tendo a sua intervenção ocorrido a pedido da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, pelo que, a responsabilidade ora sindicada, reger-se-á pelo regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Mais alegou, que foi escolhido o Hospital DD para a realização da cirurgia da autora, porquanto existe um sistema para a gestão de inscritos para a realização de cirurgias, o qual permite a quem nele se inscrever receber cuidados de saúde, porém junto de prestadores privados, tendo sido o que ocorreu com a autora, a qual recebeu um vale cirúrgico e foi operada junto de um serviço privado, ao abrigo de uma convenção celebrada com uma pessoa coletiva pública, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

Concluiu desse modo serem competentes para julgar a presente ação os tribunais administrativos.

A interveniente EE – Companhia de Seguros, S.A.

, admitida a intervir nos autos[1], subscreveu a matéria de exceção alegada pelo 1º réu na contestação.

Em resposta à exceção, contrapôs a autora que foi intervencionada junto de um serviço privado, pelo que a presente ação apenas compete aos tribunais judiciais e não à jurisdição administrativa, concluindo assim que deve ser julgada improcedente a exceção invocada.

No despacho saneador foi proferida decisão que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência material invocada pelos réus, considerando-se o Juízo Local Cível de Setúbal competente para a presente ação judicial.

Inconformado, o 1º réu apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as seguintes conclusões: «1. A FF e o HOSPITAL DD integram o SNS, quando prestam cuidados de saúde a pacientes através do SIGIC, como é o caso da Autora.

  1. A prestação de um serviço no âmbito do SNS é sempre um acto de gestão pública.

  2. O facto do HOSPITAL DD e CC terem prestado cuidados de saúde à Autora, através do SIGIC no âmbito do SNS, determina que a relação jurídica criada entre Réus e Autora é uma relação jurídica administrativa.

  3. Pelo que os Tribunais Administrativos e fiscais são competentes para apreciar o presente processo e o Juízo Local Cível de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal é incompetente absolutamente.

  4. Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo violou o artigo 211.º, n.º 1 e 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, os artigos 64.º, 96.º e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (“CPC”), o artigo 80.º, n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (“LOSJ”), o artigo 4.º, n.º 1, al) i), g) e h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (“ETAF”)».

Não se mostra que tenham sido apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), coloca como única questão a decidir, saber qual o tribunal materialmente competente (tribunal comum ou tribunal administrativo) para apreciar a responsabilidade civil decorrente de ato médico realizado no hospital réu (Hospital DD), ao abrigo da Convenção celebrada entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a interveniente FF, S.A. (proprietária do hospital), a qual tem como finalidade a adesão da interveniente ao Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para cirurgia (“SIGIC”).

III - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos e a dinâmica processual a considerar para a decisão do recurso são os que constam do relatório.

O DIREITO É sabido que o poder jurisdicional se encontra repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas que perante eles se suscitam [cfr. artigos 209º e seguintes da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

Nos termos do disposto no artigo 211º, nº 1, da CRP, os Tribunais Judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens jurídicas.

Estabelece o artigo 40º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26/8 - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) -, que «os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» (vd. também o artigo 64º do CPC).

Por sua vez, o artigo 212º, nº 3, da CRP dispõe que «compete aos...

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