Acórdão nº 9/17.5GBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA ISABEL DUARTE
Data da Resolução26 de Julho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. N.º 9/17.5GBABF.E1 Reg. N.º 1026 Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - Relatório 1.1 - No âmbito do Proc. Comum com intervenção do Tribunal Singular N.º 9/17.5GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Local Criminal de Albufeira - Juiz 2, foram julgados, os arguidos: BB, (…) e CC (…) tendo sido proferida sentença, com o teor seguinte: A) “Absolver a arguida CC da prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo disposto no art. 1520 na 1 b) do Código Penal, de que vinha acusada; B) Absolver o arguido BB da prática do crime de dano, previsto e punido pelo art. 2120 na 1 do Código Penal, de que vinha acusado; C) Condenar o arguido BB: 1. pela prática do crime de ofensa à integridade física dos factos 18 a 22, previsto e punido pelo art. 143º n.º 1 do Código Penal, na pena PARCELAR de 70 (setenta) dias de muita; 2. pela prática do crime de ofensa à integridade física dos factos 23 e 24, previsto e punido pela mesma norma, na pena PARCELAR de 90 (noventa) dias de muita; 3. pela prática do crime de ofensa à integridade física do facto 29, previsto e punido pela mesma norma, na pena PARCELAR de 180 (cento e oitenta) dias de muita; 4. E, em cúmulo jurídico das três penas parcelares supra referidas, condenar o arguido na PENA ÚNICA de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, fixando-se o quantitativo diário da muita em € 6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos).

(…).” 1.1.1 - O Ministério Público, junto do tribunal “a quo”, inconformado, interpôs recurso. As conclusões da sua motivação são: “1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos à margem identificados, no que tange à absolvição do arguido BB da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.°, n.º 1, al. b) do Código Penal, condenando-o antes pela prática de 3 crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.°, n." 1 do Cód. Penal, na pena única de 250 dias à taxa diária de € 6,50; 2. O tribunal a quo deveria ter dado como provado o facto a) da matéria de facto não provada, por via dos depoimentos prestados e do que consta da própria motivação da fundamentação da decisão, que impunham decisão diversa, devendo considerar-se que os arguidos mantiveram uma relação de namoro; 3. O relacionamento entre os arguidos não se resumiu à natureza de cariz sexual; 4. Houve um relacionamento afectivo entre ambos, bem demonstrando o facto do arguido sempre ter negado a existência de outro relacionamento para evitar "perder" a arguida e magoá-la; 5. O relacionamento manteve-.se ao longo de meses, ainda que à distância mas com contactos diários; 6. A existência de outros relacionamentos não invalida o preenchimento do conceito de namoro, face à vida hodierna; 7. Não se exige um projecto de vida em comum, para considerar a existência de um vínculo afectivo, mais ou menos estável e a publicidade na área de residência do arguido, o contacto deste com os familiares daquela e permanência de alguns dias por mais de uma vez na sua habitação também o representam; 8. Assim, deverá este relacionamento ser considerado namoro e ser o arguido condenado pelo crime de violência doméstica de que vinha acusado, p. e p. pelo art. 152.°, n.º 1, al. b) e 2 do Cód. Penal, que o Mmo. Juiz violou com a sua interpretação.

Assim decidindo, farão V. Exts a costumada Justiça! ”.

1.2 - O arguido apresentou resposta ao recurso concluindo: “Invoca o Ministério Público que o tribunal a quo deveria ter dado como provado o facto a) da matéria de facto não provada.

Salvo o devido respeito não assiste razão ao recorrente, pelas razões que se passam a expor: Consta do facto dado como não provado sob a alínea a) o seguinte: "Os arguidos mantiveram uma relação de namoro que se iniciou no Verão de 2016 e terminou no dia 1 de Janeiro de 2017." O vocábulo "namoro" pode ser, simultaneamente, um conceito de direito ou um mero facto, dependendo da contextualização em que se insere.

No caso vertente é notório e evidente que o conceito assume uma relevante carga conceituai jurídica, porquanto é a factualidade subjacente à relação em apreço nos autos que permitirá ao julgador considerar preenchido ou não o referido conceito para efeitos do disposto no artigo 152.°, n.º 1, al. b), do Código Penal.

Ficou demonstrado de forma evidente nos autos que os arguidos mantiveram um relacionamento pessoal entre o Verão de 2016 e o final desse mesmo ano. Contudo, a qualificação que é feita desse relacionamento para efeitos de enquadramento jurídico terá que se basear em factos concretos e não no uso de um termo que tem um significado diferente, consoante seja usado na terminologia corrente ou o seja para efeitos jurídicos, mormente para preenchimento do tipo legal do crime de violência doméstica.

A pretensão do Ministério Público não tem cabimento legal, pois pretende que no elenco dos factos provados sejam incluídos conceitos jurídicos, cujo preenchimento depende da prova ou de factos concretos que nos permitam chegar ou não a essa conclusão.

Invoca o recorrente que o Tribunal a quo deu erroneamente como não provados determinados factos, e não acrescentou factos que se impunha dar como provados. Ora, Salvo o devido respeito, não se percebe que vício imputa o recorrente à sentença: Erro notório na apreciação da prova, consagrado no artigo 410.°, n.º 2, al. c), do CPP; ou Erro de julgamento da matéria de facto? Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a sentença não padece de qualquer erro, e muito menos notório e evidente.

Razão pela qual, entendemos que a decisão em apreço não merece qualquer censura, devendo, em consequência, ser negado provimento ao recurso, mantendo-se na íntegra o decidido na douta sentença recorrida Invoca o Ministério Público que o tribunal a quo errou ao condenar o recorrido pela prática de três crimes de ofensas à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.°, nº 1, do Código Penal, quando devia ter considerado preenchidos os elementos objectivos do tipo de crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n." 1, ai, b), do Código Penal, e, em consequência, condenar o ora recorrido pela prática deste último crime.

Mais uma vez entendemos que não assiste razão ao recorrente.

Não basta a existência de um relacionamento entre duas pessoas, para que se possa considerar que existe uma relação de namoro para efeitos do disposto no artigo 152.°, n.º 1, al. b), do Código Penal.

Os factos que resultaram provados no caso em apreço não nos permitem concluir que a relação existente entre os arguidos tinha um carácter mais ou menos estável de relacionamento amoroso, aproximado ao da relação conjugal de cama e habitação. Nada nos autos nos permite concluir que existiam laços afectivos, emocionais, de cooperação mútua, com publicidade, entre os arguidos! Face ao supra exposto, entendemos que a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, quer de facto, quer de direito, não merecendo qualquer censura, razão pela qual deverá ser negado provimento ao recurso, por infundado.

Termos em que, sem formular conclusões, por não serem obrigatórias (artigo 412.°, n.º 1, a contrario, do CPP), deverá o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, confirmada a decisão recorrida, assim se fazendo inteira e esperada JUSTIÇA!”.

1.3 - Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo: “1. - O Recurso foi tempestivamente interposto e motivado por quem tem legitimidade e interesse em agir, sendo de manter o regime de subida e o efeito ao Recurso atribuído no despacho de admissão.

  1. - Nada obsta ao conhecimento do Recurso em conferência, atento o disposto no art. 411 ° n° 5 do Cód. Proe. Penal, que deve ser julgado procedente.”.

    1.4 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, do C.P.P.

    1.5 - Foram colhidos os vistos legais.

    1.6 - Cumpre apreciar e decidir.

    II - Fundamentação.

    2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que importa, é a seguinte: “Factos Factos provados Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. Os arguidos BB e CC conheceram-se pessoalmente no Verão de 2016 durante um período de cerca de 10 dias em que o arguido BB passava férias em Albufeira com vários amigos.

  2. Nessa ocasião os arguidos iniciaram um relacionamento pessoal, tendo a arguida CC ficado na casa onde o arguido e os amigos passavam férias durante o período em que o arguido lá ficou também.

  3. Findo o mencionado período de férias o arguido retomou a casa, sita em …, Moita.

  4. Em data não concretamente apurada, mas antes do final de 2016, o arguido voltou a Albufeira, tendo ficado a pernoitar, na companhia da arguida, na casa onde esta reside com a mãe, durante pelo menos três dias, após o que regressou a casa.

  5. Após, em dia não concretamente apurado mas também antes do final de 2016, a arguida deslocou-se até à zona de Lisboa, onde passou a tarde na companhia do arguido.

  6. Depois dessa ocasião, também em data não concretamente apuradas, mas também antes do final de 2016, o arguido voltou a ficar em Albufeira, pernoitando pelo menos um fim-de-semana na companhia da arguida na casa onde esta reside com a mãe, após o que voltou para casa.

  7. Após as ocasiões supra mencionadas, o arguido veio para Albufeira com amigos festejar a passagem de ano de 2016 para 2017, tendo ficado em casa arrendada para o efeito, não tendo a arguida pernoitado nessa casa.

  8. Nesta última ocasião os arguidos encontraram -se na rua fortuitamente, e desde a mencionada passagem de ano que não tiveram contactos presenciais ou telefónicos.

  9. Nas ocasiões supra mencionadas em que o arguido ficou em Albufeira na casa onde a arguida reside com a mãe esta última não estava na casa, e os arguidos ficavam aí sozinhos durante esses períodos.

  10. O relacionamento dos arguidos pautou-se, entre o mais, pela prática de relações sexuais, que mantiveram em momentos não concretamente apurados, mas pelo menos no Verão em que se conheceram e...

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