Acórdão nº 263/15.7T9ALR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. 263/15.7T9ALR.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal da Comarca de Santarém (Santarém, Instância Central, Secção de Instrução Criminal, J2) correu termos o Proc. n.º 263/15.7T9ALR (autos de instrução), no qual, na sequência da instrução requerida pela arguida BB, melhor identificada nos autos, a fol.ªs 44, veio a decidir-se - ao abrigo do disposto nos artigos 307 n.º 1 e 308 n.º 1, ambos do Código Penal, e por se considerar que da prova recolhida nos autos não se indiciam suficientemente os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena à arguida - não pronunciar a arguida BB, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181 do Código Penal.

--- 2. Recorreu o assistente CC daquele despacho (de não pronúncia), concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - No dia 2 de setembro de 2016, pelas 06h48, a arguida solicitou, via SMS, ao assistente que lhe remetesse endereço de e-mail a fim de lhe poder mandar comunicação, tendo o assistente facultado àquela três dos seus endereços de e-mail.

2 - Em resposta a arguida endereça e-mail, que remeteu para os diversos e-mails pessoais e profissionais do assistente, de onde se destacam os seguintes trechos: “(...) verifico que tem comandado operações absolutamente vergonhosas e reveladoras da maior falta de carácter, de cidadania, da vida em sociedade e do engrandecimento e enriquecimento desportivo do concelho onde vivemos. Nunca pensei que houvesse pessoas capazes de assediar e perseguir outras pessoas por assuntos que, ao pé do valor da saúde e da vida, não valem nada.

Penso que neste momento se deveria voltar sentar nas cadeirinhas da escola primária ou da catequese, ou até dos escuteiros, para aprender os valores da vida em sociedade (...) Falta de atitude, de civismo, de cidadania, atropelos e febre de mediatismo não entram (...)”.

3 - A arguida, de forma clara, afirma na comunicação que dirigiu ao assistente que aquele não tem carácter.

4 - Caráter (título no Brasil) ou Carácter (título em Portugal) é um termo usado em psicologia como sinónimo de personalidade. Em linguagem comum o termo descreve os traços morais da personalidade.

Muitas pessoas associam o caráter a uma caraterística relacionada à genética, o que não ocorre. O caráter de uma pessoa é algo independente de sua referência genética.

5 - As escolas da caracterologia alemã e franco-holandesa esforçaram-se por dar aos dois termos (personalidade e caráter) um significado diferente, sem que, no entanto, se chegasse a um consenso. René Le Senne, por exemplo, propõe a seguinte distinção: Caráter refere-se ao conjunto de disposições congénitas, ou seja, que o indivíduo possui desde seu nascimento e compõe, assim, o esqueleto mental do indivíduo; já personalidade é definida como o - conjunto de disposições mais «externas», como que a «musculatura mental» - todos os elementos constitutivos do ser humano, que foram adquiridos no correr da vida, incluindo todos os tipos de processo mental.

6 - Em sentido contrário, como apelida a arguida o assistente, temos que será pessoa “sem personalidade, sem traços morais” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Car%C3%A1ter).

7 - Afirma também, de forma peremptória, a arguida que o assistente deveria voltar aos bancos da escola para aí aprender os “valores da vida em sociedade”.

8 - A arguida, não obstante desempenhar presentemente as funções de vereadora no Município de…, é professora.

9 - A arguida referiu no seu depoimento que se sente mais confortável a escrever que a falar. Foi, pois, por essa circunstância que optou por endereçar comunicação escrita ao assistente, que, diga-se, foi, inquestionavelmente, ponderada e intencional.

10 - A comunicação efetuada ao assistente ocorreu às 06:48 horas. No teor do e-mail remetido pela arguida, que intervém na qualidade de vereadora, não faz aquela quaisquer menções ao marido e/ou às coletividades que aquele e o assistente representam.

11 - Arguida afirma que, tendo facilidade em escrever, gosta mais de escrever que falar, por isso ter enviado o e-mail.

12 - A arguida, enquanto professora que é, e tendo aquela maior facilidade em se expressar por escrito, não restam dúvidas que quis utilizar as palavras empregues no e-mail que dirigiu ao assistente; e sabendo qual o significado, naturalmente, diga-se, das expressões que utilizou, dirigidas ao assistente, as regras da experiencia comum e as regras da normalidade impõem a conclusão de que as quis imputar, como imputou, ao assistente, sabendo que, como qualquer cidadão medianamente atento saberia, ao fazê-lo atentaria contra a honra e consideração devidas ao assistente.

13 - Tais expressões, produzidas pela arguida, foram-no com dolo, que mais não é que o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade.

14 - Tal encontra-se sobejamente demonstrado pelas próprias declarações da arguida, que - afirma - quis mandar o e-mail ao assistente com aquele teor por forma a acalmar um conflito existente.

15 - No e-mail em questão, cuja autoria da arguida não se suscitaram dúvidas, esta quis, e afirmou, dirigindo-se ao assistente, que aquele não tinha carácter, nem valores, devendo voltar aos bancos da escola para os aí aprender. Estas afirmações traduzem-se, objetivamente, na imputação ao visado de facto ofensivo da honra e consideração do assistente e, por isso, na medida em que também não vem questionado que a arguida desconhecesse o significado das palavras que proferiu, preenche o tipo objetivo do crime de injúria, posto que feita diretamente ao assistente.

16 - A arguida escreveu o e-mail com aquele específico conteúdo e fê-lo chegar ao assistente para todos os seus endereços de email, aos quais acediam diversos dos seus colaboradores.

17 - A palavra caráter reflete o conjunto de princípios e valores que devem existir em cada cidadão. A arguida, com as expressões utilizadas, dirigidas ao assistente, pretendeu dizer que aquele não tinha quaisquer valores ou princípios, o que, para o assistente, que é empresário, comerciante e pai, são manifestamente ofensivas do seu bom nome, honra e consideração.

18 - “Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública”.

19 - Para que se verifique um crime de injúria é necessário que as expressões consistam numa imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, com um conteúdo ofensivo da honra ou consideração do visado, ou que as palavras dirigidas ao visado tivessem esse mesmo cariz ofensivo da honra ou da consideração.

20 - As expressões empregues pela arguida são eticamente reprováveis e censuráveis. Enquanto tal, são expressões a que a sociedade não fica insensível, indiferente...

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