Acórdão nº 713/17.8PBFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2018
Magistrado Responsável | MARTINHO CARDOSO |
Data da Resolução | 08 de Março de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Investiga-se nos presentes autos de inquérito, a correrem termos na Secção de Olhão do Departamento de Investigação e Acção Penal da Procuradoria da República da Comarca de Faro, a prática pelo arguido AA de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1 al.ª b) e 2, do Código Penal.
Em 19-6-2017, o M.º P.º apresentou o arguido a 1.º interrogatório judicial de arguido detido, findo o qual proferiu o tribunal "a quo" o seguinte despacho (citado apenas na parte que agora interessa ao caso): Está fortemente indiciado que: 1º- A ofendida CF e o arguido vivem juntos, como se de marido e mulher se tratasse, desde o início de 2002, na Urbanização Quinta do Repouso…, em Olhão.
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- Desta relação nasceu F, em 31/08/2003.
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- Com o casal sempre residiu a filha mais velha da ofendida, AS, fruto de um anterior relacionamento, actualmente, com 20 anos.
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- Cerca de 6 a 8 meses após o início do relacionamento, o arguido passou a dirigir à ofendida, quase diariamente, expressões como Puta! Cabra! Vaca! Um dia, não sabes o que te faço! 5º- O arguido passou a ser muito controlador, querendo saber todos os passos da ofendida.
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- Para tanto, vem controlando o número de quilómetros contabilizados no veículo automóvel que a ofendida conduz e controlando mesmo os locais onde o estaciona para, assim, perceber se, entretanto, já o utilizou.
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- O arguido vem, igualmente, controlando o telemóvel da ofendida.
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- Por ciúmes, o arguido exigiu mesmo à ofendida que não se relacionasse com terceiros, vindo a ofendida a afastar-se das suas amigas e mesmo dos seus pais.
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- O arguido sente, aliás, ciúmes da relação que a ofendida mantém com os filhos, sendo que, para evitar problemas, aqueles não têm manifestações de carinho na sua presença.
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- O arguido não permite que a ofendida e os filhos saiam juntos de casa, em passeio, dizendo que andam a conspirar contra ele.
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- Estando o casal quatro dias sem manter relações sexuais, o arguido dirige-se à ofendida, mesmo na presença dos filhos, dizendo: Nem para foder tu serves! Não vales nada como mulher! Já tive outras que me satisfizeram na cama! 12º- Acresce que o arguido vem agredindo a ofendida, fisicamente, pelo menos, uma vez por mês, desferindo-lhe cotoveladas, socos e pontapés, torcendo-lhe os braços – enquanto lhe chega a dizer Vou-te partir os braços para não ires trabalhar! –, puxando-lhe os cabelos e atirando-lhe objectos ao corpo, como laranjas e garrafas.
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- Estes episódios ocorrem no interior da residência e, várias vezes, na presença dos filhos.
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- Por duas vezes distintas, durante o mês de Fevereiro de 2004, na sequência de discussões, o arguido forçou a ofendida a manter consigo relações sexuais, contra a sua vontade, para o que, inclusivamente, lhe rasgou as roupas.
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- Em dia que não é possível concretizar, por volta de Abril/ Maio de 2004, o arguido desferiu um empurrão e socos nos braços da ofendida, causando-lhe nódoas negras.
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- Em dia que já não recorda, mas durante o Verão de 2006, o arguido, fardado e em serviço como Agente da PSP, foi esperá-la à porta do seu local de trabalho, no supermercado Modelo, nesta cidade de Olhão.
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- Logo o arguido se lhe dirigiu, perguntando porque lhe não havia atendido as chamadas e dizendo Não atendeste as chamadas porque devias estar debaixo de alguém, galdéria! 18º- Após, o arguido seguiu-a até ao prédio onde residia a avó desta e, assim que entraram no mesmo, desferiu-lhe um pontapé numa das pernas.
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- Já no interior do apartamento, o arguido empurrou-a, desferiu-lhe pontapés nas pernas, causando-lhe hematomas, e arrastou-a pelos cabelos.
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- Como a avó lhe perguntou o que se estava a passar, logo lhe respondeu: Pergunte à galdéria da sua neta onde é que tem estado! 21º- Cerca de dois meses depois, no interior da residência do casal, mais uma vez zangado por desconfiar da fidelidade da ofendida, o arguido apontou-lhe a arma de serviço à cabeça.
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- Pelas 00:30 do dia 20/08/2008, no interior do quarto do casal, o arguido, durante mais um episódio de ciúme, agarrou a ofendida pelos braços e desferiu-lhe uma cabeçada, o que lhe causou um hematoma na testa e um ferimento no interior da boca.
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- Por estas lesões, foi a ofendida socorrida, na sua residência, pelo INEM.
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- Pese embora, na sequência desse episódio, tenha sido instaurado o inquérito n.º ----/08.2PAOLH, veio a ofendida a declarar ter sido esse o único episódio de agressões físicas e veio a desistir do procedimento criminal, desistência esta que foi homologada.
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- Contudo, essa sua manifestação de vontade resultou do medo sentido pelo facto de o arguido lhe ter dito que a matava, que lhe rebentava a cara e que enquanto a não visse numa cama do hospital não descansava.
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- Em dia e mês que não é possível concretizar do ano de 2011, o arguido, após a ter ido buscar ao seu local de trabalho, no Centro Comercial Ria Shopping, em Olhão, levou-a, no veículo automóvel, até um descampado que se situa nas traseiras desse edifício.
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- Aí, durante cerca de 10 minutos, desferiu-lhe bofetadas na cara e várias pancadas com um bastão extensível nas pernas, até que a ofendida se atirou do veículo automóvel, vindo a perder os sentidos.
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- Como resultado dessa agressão, a ofendida veio a ser internada no Hospital de Faro, durante três dias.
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- Pela manhã do dia 20/05/2017, o arguido, porque a ofendida havia ido, na véspera à noite, a uma festa do seu trabalho, disse-lhe: Galdéria! Puta! Só descanso quando te vir numa cama do hospital! 30º- No dia 01/06/2017, pelas 11h00m, o arguido empurrou-a contra a parede e desferiu-lhe pontapés na perna direita onde, como bem sabia, havia sido operada no ano passado, o que lhe causou, para além de dores, um hematoma.
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- Para além da arma de serviço, o arguido possui uma pistola 6,35mm, três bastões extensíveis e uma taser.
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- No dia 13/06/2017, foram-lhe apreendidas a pistola e um bastão extensível, no veículo automóvel, matrícula FA.
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- Após a ofendida e os filhos terem saído de casa e imediatamente após o arguido ter tido conhecimento da pendência do presente inquérito, por lhe terem sido apreendidas as armas, foi à procura daquela, ao seu local de trabalho, na loja Ikea, de Loulé, onde, apresentando-se como seu marido, perguntou aos colegas onde aquela estava, dizendo que era uma questão de vida ou morte.
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- Desde então, o arguido tem vindo a tentar contactar a ofendida, telefonicamente, e a enviar-lhe várias SMS, através do número de telemóvel 963----, entre as quais: » pelas 21:33 do dia 13/06/2017 – “S. preciso muito falar contigo tenho 2 opções suicídio ou cadeia, estou nas tuas mãos”; » Pelas 23:11 do dia 13/06/2017 – “Nunca mais te vou fazer mal”; » Pelas 03:11 do dia 13/06/2017 – “Não demores a vir falar comigo pode ser na nossa casa estou a tua espera para te pedir pela última vez perdão de todo o mal que eu te fiz. Não demores. Um grande beijo.
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- Também o arguido enviou uma SMS ao filho, pelas 22:45 do dia 13/06/2017, dizendo: “F. pede mamã que me ligue. Pede a mamã também para não me fazer mal porque o papá pode ir preso. Um grande beijo” 36º- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei.
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- Bem sabia o arguido que violava, reiteradamente, a dignidade da ofendida, molestando-a na sua integridade física e psíquica, dentro do refúgio do domicílio comum do casal, na presença dos dois filhos menores, como tudo quis e conseguiu.
(…) Não existem dúvidas, em conformidade com o supra exposto, quanto à gravidade dos factos indiciados nos presentes autos e quanto aos forte indícios de que o arguido foi autor do crime em causa, punível com pena de prisão de 02 (dois) até 05 (cinco) anos.
Da factualidade descrita pode-se concluir por um concreto perigo de perturbação do decurso do inquérito e de continuação da actividade criminosa, tanto mais que o mesmo, vem já há cerca de 15 anos a esta parte, ameaçando, insultando e agredindo constantemente a sua companheira, na residência de ambos e na presença do filho de ambos e da filha da ofendida que sempre residiu com eles, desrespeitando, por completo, os laços familiares que o unem à ofendida.
Das declarações da ofendida, resulta que o arguido a tem agredido...
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