Acórdão nº 12/17.5T80RQ-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | SILVA RATO |
Data da Resolução | 22 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc. N.º 12/17.5T8ORQ-A Apelação Comarca de Santarém (Abrantes- JLCível) Recorrentes: BB e CC Recorrida: AA, Ld.ª R10.2018 I. AA, Ld.ª, intentou a presente Acção Declarativa, com Processo Comum, contra BB e CC, peticionando a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €16.960,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Os Réus deduziram Contestação, em que, para além de impugnarem o peticionado pela Autora, deduziram pedido reconvencional.
Foi proferido Despacho-saneador em que foi decidido, quanto ao pedido reconvencional formulado pelos RR, o seguinte: A Autora instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum alegando ter celebrado um contrato de empreitada com os Réus para a remodelação de uma casa, em que o preço total de 80954,40 € seria pago de forma faseada (em cinco tranches) ao longo da execução da obra. Alega que teve de suspender os seus trabalhos durante um certo tempo por estarem a decorrer outros trabalhos a cargo de outro empreiteiro, mas que estava pronto a retomá-los assim que terminasse essa empreitada. Alega, por fim, que os Réus não pagaram a 4.ª tranche, correspondente à fase de execução em que se encontrava a obra, pelo que vem peticionar a condenação dos Réus no pagamento da respectiva factura.
Os Réus, por sua vez, contestaram a acção, por via de impugnação, alegando que a obra esteve parada, não pelas razões invocadas pela Autora na sua petição inicial, mas sim por a Autora por não ter diligenciado pelo licenciamento da obra antes de a começar a executar, e também por não ter material para aplicar na obra e não pagar aos seus trabalhadores e fornecedores.
Com base nestes factos, vieram os Réus deduzir reconvenção, alegando que os trabalhos realizados até à data pela Autora, correspondem a cerca de 45580,00 € (IVA incluído) do preço acordado, sendo que os Réus já pagaram 50880,00 € (IVA incluído). Assim, considerando já terem pago mais do que aquilo que deviam, vêm os Réus reclamar a existência de um direito de crédito sobre a Autora pelo valor da diferença entre o que já pagaram e o valor da obra feita, ou seja, 5300,00 €(1).
Face ao exposto, cumpre decidir da admissibilidade legal da reconvenção.
Neste ensejo, releva o disposto no art. 266.º do Código de Processo Civil, onde estão elencados os casos de admissibilidade da reconvenção por referência a requisitos de ordem formal e substancial.
Dispõe o referido artigo no seu n.º 2 que a reconvenção é admissível: “a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; c) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”.
Ou seja, para que a reconvenção seja admissível a lei exige, desde logo, uma conexão substancial entre ambas as pretensões, nos referidos termos.
Por referência às respectivas causas de pedir e pedidos assume-se que o pedido dos Réus/Reconvintes decorre dos factos que servem de fundamento à sua defesa por impugnação, ou seja, do facto de não estarem concluídos os trabalhos correspondentes à fase da execução da obra a que respeitava o pagamento da 4.ª tranche do preço global por facto imputável à Autora/Reconvinda, que teve de suspender a execução dos trabalhos pelos motivos alegados em sede de impugnação. Em bom rigor, o crédito invocado pelos Réus/Reconvintes emerge de uma factualidade que configura uma excepção (de direito material) de cumprimento parcial do contrato, a qual confere ao devedor o direito de exigir a redução da sua contraprestação: como o empreiteiro não cumpriu integralmente a prestação a que se obrigou, incumprimento (parcial) esse que lhe é imputável, pode o dono da obra exigir a redução do preço na proporção dos trabalhos que foram feitos.
Por esta ordem de ideias, em princípio seria legalmente admissível a reconvenção deduzida pelos Réus, nos termos da al. a) do n.º do art. 266.º do CPP.
Mas importa analisar mais atentamente os factos que integram a causa de pedir e aquilo que é pedido pelos Réus/Reconvintes.
Já vimos que os factos que integram a causa de pedir da reconvenção – e com base nos quais se pede a condenação da Autora no pagamento de uma determinada quantia monetária – são aqueles que foram alegados pelos Réus em sede de impugnação da acção. Esses factos referem-se aos motivos que levaram a Autora a suspender a realização dos seus trabalhos na obra, e foram alegados para obstar à procedência da acção, ou seja, para que não sejam condenados a pagar a 4.ª tranche do preço à Autora. Aquela paragem na execução da obra ocorreu em 02/06/2016 (facto dado como provado por força da confissão dos Réus no art. 1 da sua contestação). Sendo que as três primeiras tranches foram pagas, respectivamente, em 26/02/2016, 31/03/2016, e 29/04/2016. Portanto, no momento em que ocorre aquela paragem na execução da obra, as três primeiras tranches do preço global da obra já se encontram pagas e nada têm que ver com a paragem da obra. Ora, o que acontece é que é sobre o valor total dessas três primeiras tranches que os Réus vêm agora pedir a restituição do valor de 5300,00€ que consideram terem pago a mais face aos trabalhos realizados. Por outras palavras, aquele crédito de 5300,00 € não é invocado com a finalidade de extinguir parcialmente, por via da compensação de créditos (art. 847.º e ss. do Código Civil), o direito de crédito reclamado na acção pela Autora; antes é invocado como um crédito decorrente do direito à restituição da parte de um preço que já foi pago. Por aqui já se consegue ver que o pedido formulado na reconvenção não é compatível com a causa de pedir invocada porquanto os factos que integram a causa de pedir da instância reconvencional se referem ao pagamento da 4.ª tranche – a cujo pagamento se pretende obstar –, ao passo que o direito de crédito invocado pelos Réus se funda num direito de restituição de uma quantia entregue para pagamento das 1.ª, 2.ª, e 3ª tranches do preço. Além de que este direito à restituição de uma quantia entregue a título de preço só poderia radicar de um pedido principal de resolução do contrato de empreitada, sendo que os Réus/Reconvintes não a pediram.
Em suma, os factos que integram a causa de pedir da reconvenção não são factos constitutivos do direito de crédito invocado pelos Réus/Reconvintes; e, não tendo sido alegados outros factos para além desses que se referiam aos motivos da suspensão dos trabalhos por parte da Autora, a conclusão a que chegamos é que não existem factos que sustentem o pedido reconvencional. Importa ainda salientar que...
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