Acórdão nº 185/17.7T8ETZ-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução13 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 185/17.7T8ETZ-D.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I.

Relatório.

  1. (…), casado, residente na Rua (…), Lote 4, em Estremoz, instaurou contra (…), casada residente na Rua (…), Lote 4, em Estremoz, ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

    Terminada a fase dos articulados e após saneado e condensado o processo, foi proferido o seguinte despacho: “Requer o Autor que, ao abrigo do disposto no art.º 436.º do CPC se requisite à empresa (…), informação acerca do conteúdo das mensagens trocadas entra a Ré e os referidos (…) e (…).

    A Ré opõe-se a este meio de prova, por considerar que o mesmo é uma abusiva intromissão na vida privada da Ré e das pessoas com quem a mesma trocou mensagens.

    Preceitua a disposição legal citada pelo autor que o tribunal pode, a pedido das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.

    Da leitura de tal preceito legal decorre com mediana clareza que o pedido do Autor não se integra na previsão da norma, pois o que o Autor pretende é tomar conhecimento do conteúdo de comunicações telefónicas, em forma de sms, alegamente, estabelecidas entre a Ré e terceiros, para segundo a sua versão dos factos, provar a infidelidade da Ré.

    Estabelece o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada.

    Por intimidade da vida privada entende-se o núcleo vivencial individual que não é exposto publicamente ou socialmente, antes é reduzido (por opção pessoal ou por força das circunstâncias) à esfera circunscrita ou recatada de cada pessoa.

    Cai neste âmbito a relação dialógica (conversação) telefónica estabelecida particularmente entre duas pessoas.

    Nos termos do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, é nula - logo necessariamente ilícita e proibida - a prova obtida mediante abusiva intromissão na vida privada ou nas telecomunicações. Esta norma, conquanto formalmente prevista para o processo penal, deve ser tida como aplicável em todo e qualquer processo, e reporta-se tanto à prova obtida pelas entidades públicas como pelas entidades particulares.

    [1] Ainda, nos termos do n.º 1 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa, é inviolável o sigilo dos meios de comunicação privada.

    Por outro lado e de acordo com o disposto no artigo 18.º n.º 1, tais preceitos são diretamente aplicáveis (e exequíveis por si mesmos, sem necessitarem pois da intervenção da lei ordinária), e vinculam entidades públicas (a começar pelos tribunais) e privadas.

    [2] De resto, da alínea b) do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Civil resulta claramente, embora de forma indireta, a inadmissibilidade de tal prova.

    Poder-se-á argumentar, em contrário do que fica dito, que lidamos com direitos que não são absolutos, no sentido de que devem ser compaginados com outros direitos constitucionais, neste caso o direito à realização da justiça (acesso aos tribunais).

    De facto, assim é. O oferecimento de provas faz parte do conteúdo do direito de acesso aos tribunais. Simplesmente, um tal direito não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova permitidos em direito em qualquer tipo de processo e independentemente do objeto do litigio, assim como não exclui em absoluto a introdução de limitações na produção de certos meios de prova, posto que não arbitrárias ou desproporcionadas.

    [3] E, o critério a usar em caso de colisão de direitos conferidos pela Constituição deve passar, em primeira linha, não pela hierarquização abstrata dos bens envolvidos nesses direitos fundamentais, mas por uma ponderação em função das circunstâncias concretas em que se põe o problema, de forma a encontrar a solução mais conforme à ordem constitucional.

    [4] Ora, no caso vertente, não podemos concluir que o recurso probatório em causa seja imperioso e insubstituível em ordem à demonstração dos factos a que se destina e, que sem ele o direito de ação judicial (rectius, de acesso aos tribunais) do Autor é posto em causa. Já ao contrário, é a todos os títulos evidentes que o direito da Ré e dos que com ela trocaram as mensagens, à reserva da intimidade da vida privada, fica completamente desprotegido e esta última completamente devassada. A ser assim, como é, nunca poderá, no...

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