Acórdão nº 4275/15.2T9STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução10 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Do exame preliminar resulta haver fundamento para a rejeição do recurso, pelo que se passa a proferir Decisão Sumária, nos termos dos arts. 417º, nº 6 - b) e 420º, nº 1 –a) do CPP.

  1. No Processo n.º 4275/15.2T9STB, do tribunal da Comarca de Setúbal, foi proferida sentença a absolver os arguidos CG e TM da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, dos arts. 143º, nº 1, 145, nº 1, al. a) e nº 2 e artigo 132º, nº 2, al. m) do CP, pelo qual se mostravam pronunciados; da prática do crime de injúria, do art. 181º, nº 1 do CP, pelo qual se mostravam acusados; e do pedido cível deduzido pelo assistente VF.

    Inconformado com o decidido, recorreu o assistente, concluindo: “1. Nos presentes autos, o ora recorrido foi submetido a Julgamento, acusado pelo crime de ofensas à integridade física, p. e p. no art.º 143º, n.º 1, 145º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. m) do CP e, pelos factos constantes da Acusação Particular, pelo crime de injúria, p. e p. no art.º 181º do CP. do CP.

  2. A final, vieram os arguidos a ser absolvidos, porquanto, entendeu o Tribunal que o crime não havia ocorrido.

  3. De facto, o Tribunal, concatenando o depoimento das testemunhas da Pronúncia com a prova documental que consta dos autos e referente ao processo em que o assistente foi julgado e condenado, criou, a priori, a convicção de que os factos descritos na pronúncia não eram verdadeiros.

  4. Da Sentença em crise, resulta que o Tribunal não acreditou nas testemunhas, porquanto, contraria a versão apresentada em uníssono pelos arguidos e até a do próprio assistente.

  5. Ora, se é certo que as declarações do assistente têm que ser ponderadas de acordo com a posição processual que este detém, já o depoimento das testemunhas tem de ser sopesado de forma diferente, porquanto, não se demonstra que estas tenham qualquer interesse directo no processo.

  6. De facto, o depoimento das testemunhas foi conduzido, SMO, sem obediência ao princípio de que todas as intervenções processuais se devem reconduzir a critérios de estrita objectividade, bastando ouvir a prova gravada do Julgamento! 7. A inquirição das testemunhas arroladas na Pronúncia foi realizada de forma agressiva, quase se constrangendo as testemunhas até se obter respostas que pudessem descredibilizar as suas declarações.

  7. O Tribunal está vinculado ao dever descoberta da verdade material e da boa decisão da causa.

  8. Incorreu, por isso, o Douto Tribunal, em Erro de Julgamento uma vez que a Decisão recorrida julgou incorrectamente não provados os factos constantes nos n.ºs 1, 2 e 3, do elenco dos factos não provados.

  9. Com efeito, ao contrário do que se afirmou na fundamentação daqueles factos, a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento impõe que seja alterada a matéria de facto vertida nos pontos atrás referidos, passando os mesmos a constar no elenco dos factos provados.

  10. Em audiência de discussão e julgamento foi produzida prova credível e segura de que os recorridos praticaram os factos pelos quais foram pronunciados.

  11. Perscrutada toda a prova testemunhal, verifica-se que a todas as testemunhas da Pronúncia foram unânimes na existência de agressões perpetradas pelos arguidos na pessoa do assistente, ora recorrente.

  12. JJ, ouvido na sessão de Julgamento do dia 16-01-2018, entre as 9h48 e as 10h56, do minuto 02:51.4 ao minuto 05:50.2, afirmou ter visto o assistente a ser agredido com uma coronhada ou murro, a forma como foi atirado ao chão, algemado e pontapeado pelos arguidos.

  13. Também esta testemunha, ouvida na mesma sessão de Julgamento do 1:01.4 ao minuto 1:02.23, reiterou a agressão sofrida pelo assistente.

  14. As declarações desta testemunha foram corroboradas pelo depoimento de ND, ouvido na sessão de Julgamento do dia 16-01-2018, entre as 10h57 às 12h03, que do minuto 03:08.2 ao minuto 06:35.4, esclareceu as circunstâncias em que visualizou os factos e, do minuto 08:24.4 ao minuto 09:12.2 e do minuto 10:15.2 ao minuto 11:36.2, do minuto 13:13.5 ao minuto 13.37.2, do minuto 14:47.6 ao minuto 14:59.3 e do minuto 18:02.8 ao minuto 19:58.5, a forma como foi perpetrada a agressão ao assistente, mantendo consistência na explicação, apesar das insistências e das diferentes formas como lhe eram colocadas as questões.

  15. Por fim, a testemunha JQ, ouvido na sessão de Julgamento do dia 18-01-2018 entre as 12h05 às 12h49, declarou, do minuto 03:24.0 ao minuto 10:14.1, do minuto 14:59.9 ao minuto 15:08.4, descreveu de que forma viu, porque viu o como viu o assistente a ser pontapeado no chão e arrastado por um dos arguidos, que identificou, e que este, inclusivamente, lhe pôs um pé em cima do pescoço.

  16. Apesar das descrições, concordantes e consonantes entre si, certo é que o Tribunal absolveu os arguidos, respaldando-se nas regras da experiência comum, quando é exactamente das regras da experiência comum que dois militares, afrontados pelo assistente como foram, tivessem uma atitude agressiva e de descarga da frustração pela situação.

  17. Porém, e antes mesmo de produzida a prova testemunhal, o Tribunal já havia criado a convicção de que o presente processo poderia constituir uma “vingança” motivada pela detenção do assistente, factos que estiveram na origem do presente processo.

  18. O Tribunal desconsiderou as declarações das testemunhas, bastando-se com o argumento que a descrição dos factos por estas realizada não coincidia com o depoimento do assistente.

  19. Como se testemunhas e assistente tivessem o mesmo interesse processual.

  20. Desconsiderou, assim, o Tribunal o depoimento das testemunhas da Pronúncia que, apesar de algumas incongruências ou imprecisões, normais de quem experienciou os factos há cerca de 3 anos, coincidiram na existência de agressões perpetradas pelos arguidos na pessoa do assistente.

  21. Nenhuma outra prova infirmou o que as testemunhas disseram, baseando-se o Tribunal apenas nas declarações dos arguidos, obviamente, eivadas de interesse em afastar qualquer responsabilidade criminal que lhes pudesse ser assacada.

  22. Para descredibilizar o depoimento das testemunhas, o Douto Tribunal suportou-se em “prova circunstancial”, em pormenores despiciendos, que em nada infirmam o que as testemunhas disseram.

  23. Esta é a prova que importa Decisão Diversa, apreciada que seja pelo Tribunal ad quem, porquanto, da prova produzida não resultaram provados quaisquer factos que contrarie as declarações das testemunhas.

  24. Como referido em sede de Motivação, o poder jurisdicional de livre apreciação da prova é um poder discricionário, mas não arbitrário, não se confunde com a mera impressão gerada no espírito dos julgadores pelos diversos meios de prova e aplica-se à apreciação da prova produzida e nunca à própria prova em si.

  25. E o que é facto é que não foi provado, com a segurança que se impõe em qualquer Decisão, que os factos tenham ocorrido como consta do elenco dos factos não provados.

  26. Atentas estas concretas provas produzidas em Audiência de Discussão e Julgamento e a prova de FACTOS concretos que sustentam a prática do crime de ofensas à integridade física perpetrado pelo arguido, deveria, pois, a Sentença em crise dar como provados os factos que constam do Aresto sob os n.ºs 1, 2 e 3 dos factos não provados impondo-se, pois, prolação de Decisão diversa: 28.Assim, o recorrente impugna, por considerar incorrectamente julgados, os factos dados como não provados sob os n.ºs 1, 2 e 3) dos factos não provados.

  27. Em conformidade, devia o Tribunal dar como assente que o vertido sob os n.ºs 1, 2 e 3) integrariam o elenco dos factos provados.

  28. Ao não tê-lo feito, o Douto Tribunal “a quo” incorreu em Erro de Julgamento, em violação do disposto no art.º 127º do CPP, o que expressamente se argui e que V. Exas., Venerandos Desembargadores suprirão.

  29. O que ora se requer.

  30. Ademais, o entendimento perfilhado pela Sentença sob censura, na interpretação da norma inserta no art.º 127º do CPP, é materialmente inconstitucional por violação dos Art.ºs 20º, n.º 4 e 32º, n.ºs 1 e 2 da CRP, quando aplicada no sentido de que a convicção do Tribunal decorrente das regras da experiência comum e da razoabilidade ou da livre convicção do julgador, havendo prova directa dos factos probandos, é suficiente para fundamentar sentença absolutória, e de que o princípio da livre apreciação da prova desconsidera a prova dos factos em discussão, não sendo a prova efectivamente produzida condição essencial e necessária à prolação de sentença condenatória.

  31. Inconstitucionalidade que expressamente se argui, com todas as consequências legais daí advenientes.

  32. E, concluindo-se como ora se requer, condenar os arguidos ao pagamento de uma indemnização nos termos peticionados, no segmento que se reporta à prática, pelos arguidos, do crime de ofensas à integridade física qualificadas.

  33. Mostram-se assim, no total, violados os art.ºs 20º, n.º 4 e 32º, n.ºs 1 e 2 da CRP e 127º do CPP e, ocorrendo errada interpretação da matéria de facto, o 365º e segs. do CPP.

  34. Afastada que fosse a violação destes normativos a Sentença sob censura Decidiria conforme ora se peticiona.” O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo: “1.O assistente VF veio interpor recurso da douta sentença proferida nos presentes autos, que absolveu os arguidos CG e TM da prática do crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, 145, nº 1, al. a) e nº 2 e artigo 132º, nº 2, al. m) do Código Penal, e ainda da prática do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal.

  35. Segundo as conclusões formuladas, que delimitam o objecto do recurso, a recorrente pretende impugnar toda a matéria de facto dada como não provada na sentença, por considerar que se verifica erro de julgamento da matéria de facto.

  36. Alega em síntese que «em momento algum da Sentença o Douto Tribunal consegue sustentar porque razão os depoimentos das testemunhas não merecem credibilidade, para além do facto de infirmarem as declarações do assistente».

    ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT