Acórdão nº 1761/12.0GBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2014
Magistrado Responsável | FILIPE MELO |
Data da Resolução | 20 de Outubro de 2014 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, após suspensão do processo, foi promovido pelo Ministério Público o perdimento das armas e demais objectos apreendidos nos autos.
Sobre tal promoção recaiu o seguinte despacho: «Encontram-se apreendidas à ordem dos presentes autos, onde se investigava a prática de um crime de violência doméstica, as armas, munições e objectos - melhor identificados a folhas 79 a 81.
O Ministério Público promove que se declarem as mesmas perdidas a favor do Estado e, após trânsito desse despacho sejam entregues à PSP.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o art.º 109.º do Código Penal, no seu n.º 1, e na parte que de momento interessa, que "são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou por este tiverem sido produzidos quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos".
Conforme bem refere o Prof. Figueiredo Dias, in actas de revisão do CP, “a perda deve orientar-se no sentido de se apresentar como uma espécie de medida de segurança, não se aplicando somente a crimes, mas sim a qualquer facto ilícito punível, operando naqueles casos em que existe o perigo de repetição, de cometimento de novos factos ilícitos através do mesmo instrumento. “(…)já que o que aqui está em causa são razões de prevenção especial”.
Assim sendo, atentas as circunstâncias concretas do caso, inobstante a suspensão provisória do processo, o certo é que as armas e objectos em referência, apresentam perigosidade objectiva e por tal oferecem sérios riscos de serem utilizadas para o cometimento de factos ilícitos típicos.
Logo, a análise dos factos necessariamente determina que as mesmas sejam declaradas perdidas a favor do Estado, o que se determina.
*Após trânsito em julgado do presente despacho proceda-se à entrega das armas de fogo ao Comando Geral da Polícia de Segurança Pública.
Notifique».
Recorre desta decisão o arguido, formulando as seguintes conclusões: «I - Vem o presente recurso interposto pelo Arguido do douto despacho que declarou perdidos a favor do Estado as armas, munições e objectos identificados a fls. 79 a 81 dos autos.
II - Nos presentes autos não foi deduzida acusação pelos factos em investigação, tendo o inquérito sido arquivado após decurso do prazo de suspensão e cumprimentos das injunções impostas ao Recorrente.
III - O arguido, cumpridas as injunções e regas de conduta que lhe foram impostas, requereu o levantamento da espingarda de caça e demais objetos apreendidos, tendo o dito requerimento sido objecto de indeferimento e declarados perdidos a favor do Estado tais objectos.
IV - O Recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende que o douto despacho não se encontra em conformidade com o critério da proporcionalidade e fez uma interpretação incorreta do estabelecido no artigo 109º do Código Penal.
V - Conforme resulta dos autos, a arma e demais objectos em questão não foram instrumentos do crime, nem nunca foi utilizada pelo arguido para a prática de qualquer crime, nem muito menos foi utilizada ou sequer é referida na factualidade assente e em investigação nos presentes autos de inquérito.
VI - A arma apreendida não foi utilizada para cometimento do crime, nem evidenciando a mesma qualquer risco de ser utilizada para fornecimento de novos crimes (sendo que nunca foi utilizada para tal) ou pôr em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, pelo que não deve a mesma, e respetivos documentos, ser declarada perdida a para o Estado.
VII - O conceito de sério risco, previsto no artigo 109º, nº 1, do Código Penal, exige um juízo de probabilidade e não de mera possibilidade, pelo que, não integra esse conceito de probabilidade alguém como o arguido que é dono da arma, com todos os documentos e seguros legalmente exigidos, e é caçador há mais de 18 anos sem quaisquer incidentes e nunca praticou qualquer infração.
VIII - A arma apreendia não é, nem foi, o instrumento do crime (instrumenta sceleris), nem em momento algum a ofendida/esposa declarou que o arguido a agrediu ou ameaçou com a dita arma, pelo que, a arma não serviu ou esteve destinada a servir para a prática do crime, não oferecendo qualquer risco para a segurança ou saúde da ofendida e como tal não deve, nem pode, ser declarada perdida a favor do Estado.
IX - A arma não foi utilizada para cometimento do crime em investigação nestes autos, nem sequer existindo risco de ser utilizada para o cometimento de novos crimes ou de pôr em perigo a segurança das pessoas ou a própria ordem pública, não deve ser declarada perdida para o Estado.
X - À exceção do caso dos presentes autos, inexiste a ocorrência de qualquer situação de grave conflito – anterior ou posterior – na vida do arguido, constituindo este facto acto isolado, meramente ocasional, conforme se apura da inexistência de conflitos. Ora, esta circunstância devia ser lavada em conta, considerando-se assim a culpa e a ilicitude da conduta do arguido manifestamente reduzida.
XI - Nos presentes não chegou a existir acusação, tendo ocorrido a suspensão provisória do processo porque o arguido/recorrente estava em condições e preenchidos os pressupostos legais para tal, designadamente o facto de não ter qualquer condenação anterior por crime da mesma natureza, ou qualquer outro, mostrando o mesmo arrependimento e a ausência de um grau de culpa elevado, sendo que as exigências de prevenção, geral e especial, que se fazem sentir em concreto foram satisfeitas com as injunções propostas e integralmente cumpridas pelo arguido.
XII - Resulta dos autos que o arguido é dono e legítimo possuidor da referida arma, a qual foi adquirida pelo mesmo há mais de dez anos, nunca tendo ocorrido qualquer infração ou sido utilizada para a prática de qualquer crime, designadamente o resultante dos factos apurados em investigação nestes autos, nem nunca o Recorrente utilizou a dita arma para a prática de qualquer crime, seja de que natureza for, nem daí retirou quaisquer vantagens para a pratica de crimes, sendo que o Recorrente nem sequer tem antecedentes criminais.
XIII - O Recorrente não praticou qualquer crime com a referida arma, não tem antecedentes criminais nem é uma pessoa com uma personalidade perigosa ou com propensão para resvalar na infração, sendo uma pessoa honesta e trabalhadora, não figurando em qualquer outro processo, de idêntica ou diversa natureza, como arguido.
XIV - A declaração de perda da arma, documentos e demais objectos a favor do Estado causa ao Recorrente graves prejuízos, além da referida arma em nada contribui para a produção do resultado, não estando em causa, nem pondo em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, pelo que deve ser revogado o douto despacho.
XV - Pelo que, considera-se ser a pena - perda dos objectos - aplicada ao arguido demasiado severa, infringindo imperativos da justiça real no seu ajuste às circunstâncias do caso concreto e à factualidade dada como assente, não sendo conhecidos outros processos relacionados com a prática de crime de idêntica natureza ou outros...
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