Acórdão nº 403/13.0TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução25 de Setembro de 2014
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães.

I- RELATÓRIO.

Recorrente: “M…, Sa”.

Recorrido: “Banco…, Sa”.

Tribunal Judicial de Guimarães – 2º Vara Cível.

Nos presentes autos em que é autora “M…, Sa” e réu “Banco…, Sa”, veio a ré, além do mais, deduzir a excepção de incompetência material, por entender que de acordo com a vontade das partes regulada no contrato celebrado é materialmente competente o Tribunal Arbitral, uma vez que a autora não alega a invalidade dos contratos, pedindo a resolução dos mesmos por alteração das circunstâncias, pelo que a cláusula respectiva ao foro arbitral é válida e deve ser respeitada.

Devidamente notificada para o efeito, a autora respondeu, e, alegando não ter tido conhecimento antecipado dos contratos celebrados, limitou-se a assinar os mesmos nas datas que neles constam, designadamente, nunca lhe foi explicado que do contrato constava um compromisso arbitral e qual o alcance do mesmo, pugnou pela improcedência da invocada excepção.

Mais alega que, sendo os contratos em causa, contrato de adesão, as suas cláusulas deveriam ter sido criteriosamente explicadas, pelo que, não o tendo sido, encontram-se excluídas do contrato, nos termos do art. 8º do D.L. nº 446/85, de 25.10, sendo certo que, de qualquer forma, a arbitragem não seria possível também por aplicação do disposto no art. 21º, al.h), do mesmo diploma.

Acresce ainda que existe grave inconveniente para a autora resultante da convenção arbitral, uma vez que teria que deslocar os seus legais representantes, testemunhas e mandatário para o Tribunal Arbitral de Lisboa.

Finalmente, não estão em causa nos presentes autos quaisquer questões de natureza financeira ou bancária resultantes de “operações de derivados”, antes se quedando a causa de pedir em relações jurídicas de direito civil, para o qual é competente o tribunal judicial.

Foi proferida decisão que, julgando verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal judicial para julgamento da presente acção, absolveu a ré da instância.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Réu, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões: “1 ª – Existem nos dois contratos em discussão nos autos uma cláusula do seguinte teor: “A presente operação de derivados encontra-se sujeita à Lei Portuguesa. Para resolução de qualquer litígio que possa ocorrer em relação à operação de derivados que a presente confirmação visa regular, que as partes não consigam resolver previamente por mútuo acordo, fica desde já convencionado o recurso à arbitragem, a efectuar por 3 (três) árbitros que decidirão sem recurso e nos termos daquele Regulamento 2ª - O que a A. pretende com os presentes autos é ver serem resolvidos os dois contratos “swap”, por alteração anormal das circunstâncias em que as partes basearam a sua decisão de contratar.

  1. – As questões que estão abrangidas pela convenção arbitral são questões de natureza financeira ou bancária resultantes de operações de derivados.

  2. - A resolução de contratos por alteração anormal de circunstâncias é totalmente alheia a questões dessa natureza.

  3. - Para se determinar a natureza da questão em litígio há que atender aos articulados, em particular à causa pretendi e pedidos formulados na petição inicial apresentada em juízo, pois é por aquela que se vai aferir a posição a tomar.

  4. - Atentos os pedidos e causas de pedir, resulta estarmos no âmbito de relações jurídicas de direito privado civil, decorrentes da aplicação de normas do Código Civil, que são da competência exclusiva dos Tribunais Judiciais - artº 64º do C. P. Civil,.

  5. - Esta mesma questão foi suscitada no âmbito do processo que, com o nº 1387/11.5TBBCL, correu termos no 1º Juízo Cível Tribunal Judicial de Barcelos.

  6. - Pelos motivos acima indicados, a 1ª instância e este Venerando Tribunal declararam como competente o Tribunal Judicial e não o Tribunal Arbitral.

  7. - Sendo a mesma questão jurídica em discussão e sendo o mesmo Tribunal a decidir, não há motivos para, por via deste recurso, não ser proferido Acórdão semelhante.

  8. - A Recorrente alegou que os contratos em questão foram preparados de antemão pelo Recorrido, não tendo sido objecto de qualquer negociação, que não teve conhecimento prévio do seu clausulado e que não lhe foi dada qualquer explicação quanto ao teor das cláusulas e, mais concretamente, quanto à convenção arbitral.

  9. – Enquadrou, pois, tais contratos como sendo contratos de adesão.

  10. - Nos termos do artº. 660º nº 2 do CPC., o Tribunal deve decidir sobre todas as questões que as partes tenham trazido à sua apreciação, pelo que, discutindo-se a validade do compromisso arbitral nos termos invocados, estamos novamente no âmbito das relações jurídicas de direito privado civil que nada têm que ver com questões de direito financeiro, para o qual foi criado pelo R. o compromisso arbitral.

  11. – O artº. 21º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais refere que são absolutamente proibidas cláusulas que “excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contratantes ou prevejam modalidades de arbitragem que não assegurem as garantias de procedimento estabelecidas na lei.” 14ª – O artº19º alínea g) da referida LCCG postula serem relativamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que “de acordo com o quadro negocial padronizado (...) estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que o interesse da outra o justifiquem.”.

  12. – O A. alegou na sua p. i, grave inconveniente, sem correspondente vantagem para o Requerido, no estabelecimento do foro arbitral.

  13. - A douta sentença recorrida, ao considerar-se incompetente, violou o disposto no artº. 64º do C. P. Civil.

  14. - Por outro lado, ao não aplicar o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, violou nomeadamente as limitações à arbitragem constantes dos artigos 19º g) e 21º h) de tal diploma, tendo incumprindo o disposto no artº 660º nº do C.P. Civil ao furtar-se à decisão de tal questão”.

* O Apelado apresentou contra alegações, concluindo pela improcedência do recurso interposto.

* Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes: - Apreciar se resultam ou não demonstrados todos os pressupostos de que depende a verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta do tribunal judicial para o julgamento da presente acção.

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Foram aduzidos no despacho recorrido os seguintes fundamentos de facto e de direito: “Apreciando e decidindo Em termos fácticos, encontra-se assente que os contratos em causa nos autos, cuja resolução a autora pretende, são os que se acham insertos a fls. 41 a 46 e 88 a 94, nos quais ficou a constar a seguinte cláusula: “A presente operação de derivados encontra-se sujeita à Lei Portuguesa. Para resolução de qualquer litígio que possa ocorrer em relação à operação de derivados que a presente confirmação visa regular, que as partes não consigam resolver previamente por mútuo acordo, fica desde já convencionado o recurso a arbitragem, a efectuar por 3 (três) árbitros que serão designados, nos termos do regulamento do centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa/Associação Comercial de Lisboa, árbitros que decidirão sem recurso e nos termos daquele Regulamento. Para interposição de qualquer procedimento cautelar, ou para executar, se necessário, qualquer decisão final do tribunal arbitral, as partes elegem o foro do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa”.

Como se nos afigura clarividente, a citada cláusula enforma o estabelecimento de arbitragem voluntária, que, a par dos Julgados de Paz, se apresta como um dos meios de resolução alternativa de conflitos, procurando-se uma justiça mais rápida, mais informal e adequada aos interesses das partes e ao próprio desenvolvimento da economia e vida hodierna.

De harmonia com o disposto nos arts. 39º, nº4, e 42º, nº7, da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante designada por LAV), reconhece-se à decisão arbitral a força de caso julgado material e, ainda, a força executiva que detém uma sentença judicial, sem necessidade de revisão ou homologação por via judicial.

A arbitragem emerge, assim, não como um mero negócio privado, mas antes como um mecanismo de resolução de conflitos no âmbito de uma relação jurídica pública relevante com os poderes necessários para se obter uma decisão dotada de autonomia, independência e imparcialidade e, nessa consonância, uma decisão justa para o diferendo.

Trata-se de um meio não judicial de exercer uma função e obter uma decisão que, nos seus vários contornos e alcance, é simétrica àquela, exactamente com as mesmas garantias para os cidadãos que por ele optem.

Com a celebração de uma convenção arbitrar produz-se necessariamente a perda de jurisdição dos tribunais comuns sobre aquela concreta relação jurídica, tal como decorre do preceituado nos arts. 96º, al.b), 278º, nº1, al.a) e 577º, do Código de Processo Civil), sendo que, de acordo com o previsto no art. 5º, nº1, da LAV, “o tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que se verifique que, manifestamente, a convenção de...

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