Acórdão nº 137/04.7GAMNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelISABEL CERQUEIRA
Data da Resolução15 de Outubro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal Relatório Nos autos de instrução n.º 137/04.7GAMNC que correram termos pelo Tribunal Judicial de Monção, a assistente Ana C... interpôs o presente recurso do despacho junto por certidão a fls. 271 a 283, na parte em que não pronunciou os arguidos José M..., António A..., Francisco C..., Nuno F..., Álvaro V... e António C... pela prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços p. e p. pelos art.ºs 14º n.º 3, 26º e 277º n.º 1 alínea a) do Código Penal (a partir de agora apenas referido por CP), que lhes tinha sido imputado no requerimento de abertura de instrução (fls. 190 a 221 destes autos, como todas as que se irão referir sem qualquer menção).

Fundamenta o seu recurso (fls. 1 a 33), nos factos de entender ter resultado suficientemente indiciado que na obra em causa não existia um Plano de Saúde e Segurança adaptado à fase de execução, designadamente por inexistir Plano de Trabalhos de Riscos Especiais que a abertura de uma vala das dimensões da que foi aberta exigia e que tinha que estar entivada antes de se iniciarem os trabalhos, e de não ter sido nomeado um Coordenador de Segurança. Acrescenta que a vala em causa devia ter sido entivada à medida que ia sendo aberta e que a morte dos trabalhadores ficou a dever-se à ausência dessa entivação, ao que acresce que tendo-se na véspera daqueles óbitos verificado que a vala ”ganhava” água e que a terra se desmoronava, se impunha que tivesse sido ordenada a suspensão da execução dos trabalhos e a imediata vedação de toda a periferia e zona envolvente (ordem que entende não ter sido dada, ao contrário do referido na decisão recorrida). Defende que para integração do crime que imputava aos arguidos, como crime de perigo, não se impõe um juízo de causalidade reportado ao dano, bastando-se com a mera conduta omissiva que o pode criar, pelo que, deveriam os recorridos José M..., António A..., Francisco C..., Nuno F..., Álvaro V... e António C... terem sido pronunciados.

Os recorridos António C..., António A... e José M... pronunciaram-se sobre o recurso interposto, respectivamente, a fls. 52 a 60, 73 a 75 e 77 a 79, pugnando todos pela sua total improcedência.

A Ex.mª Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal emitiu o douto parecer de fls. 306 a 319, no qual se pronuncia pela parcial procedência do presente recurso, por entender que os arguidos António A..., José B... e Nuno F... deveriam ter sido pronunciados pela prática em co-autoria material com José S... de um crime previsto nos n.ºs 1 e 2, agravado pela morte de 2 trabalhadores, nos termos dos art.ºs 15º alínea a) e 285º, todos do CP, e por referência aos art.ºs 67º, 69º e 70º do D. 41821, de 11/08/1958.

Foi cumprido o n.º 2 do art.º 417º, tendo a assistente respondido nos termos de fls. 355 a 357, e foram colhidos os vistos legais, cumprindo decidir.

***** É o seguinte o texto da decisão recorrida: 2. Ana C..., assistente nos presentes autos, inconformada com o despacho de arquivamento, requereu a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia de José M... (Presidente da Câmara Municipal de Monção, dona da obra), António A... (fiscal municipal da obra), Francisco C... (legal representante da W), Nuno F... (Eng. responsável pela obra e director técnico da empreitada), Álvaro V... (representante legal da Y), António C... (legal representante da X) e José S... (único que foi acusado pelo MP), por terem incorrido na prática, cada um deles, de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e 14° n° 3, 26°, 277° n° 1 al. a) do CP, agravado pela morte de dois trabalhadores, nos termos dos arts. 15º al. a) e 285° do CP. A assistente pediu assim a pronúncia de três pessoas que não foram constituídas como arguidos na fase de inquérito (Francisco C..., Álvaro C...), mas apenas em sede de instrução.

Refere a assistente, resumidamente, que é falso que José B... tenha dado ordem de suspensão dos trabalhos, ao contrário daquilo que o MP afirma no despacho de arquivamento e no despacho de acusação (e invoca as declarações desta testemunha em sede do Tribunal de Trabalho de Barcelos). Diz ainda a assistente que, mesmo que tenha havido essa ordem, esta pessoa não tinha poderes para dá-la.

Além disso, afirma que não havendo entivação da vala, nem plano de segurança e saúde adaptado à fase de execução da obra, nem coordenador de segurança nomeado, dúvidas não restam de que o acidente se ficou a dever a falta de condições de prevenção e segurança no trabalho. A morte deveu-se à inexistência de equipamento de segurança.

Se houvesse dito plano, se houvesse coordenador de segurança em obra e se a vala estivesse entivada, tal teria evitado o desabamento e a morte. Diz a assistente que, não tendo havido ordem de suspensão dos trabalhos, não há quebra do nexo de causalidade, contrariando a tese defendida pelo MP no despacho de arquivamento, relativamente a José M..., António A... e Nuno F....

A assistente entende ainda que Francisco C..., Álvaro C... não deveriam ter permitido que se iniciassem obras sem aprovação de piano de segurança e saúde adaptado à fase de execução.

*** 3. Foram interrogados alguns arguidos, inquiridas testemunhas e foram juntos documentos aos autos (fis. 674 ss e 697 ss) (tal como resulta das várias actas).

Procedeu-se à realização do debate instrutório, com observância do legal formalismo.

O tribunal é competente.

O Ministério Público dispõe de legitimidade para exercer a acção penal.

Não existem quaisquer questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.

*** 1. Por referência ao requerimento de abertura de instrução, resultaram indiciados os seguintes factos: 1. No dia 25 de Maio de 2004, cerca das 9.00 horas, ocorreu um acidente na execução de uma obra no Lugar da Lagoa, Mazedo, Monção, mais precisamente um desabamento de terras numa vala aberta, que provocou a morte de dois trabalhadores que aí se encontravam a trabalhar, ANTÓNIO A... (pai da assistente) e SÉRGIO O....

  1. Aberto o competente inquérito e após as diligências probatórias realizadas, o Exmo. Procurador-Adjunto proferiu despacho de arquivamento do inquérito quanto aos arguidos António A..., José M... e Nuno F... “porque da prova recolhida não resultam indícios suficientes que lhes permita imputar a autoria do crime num juízo de probabilidade razoável.

  2. O Exmo. Procurador do Ministério Público deduziu acusação contra José S..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, p. e p. pelos artigos 14° n° 3, 26° e 277° n° 1 e 2 do Código Penal, agravado pela morte de dois trabalhadores, nos termos dos artigos 15° ai. a) e 285°, também do Código Penal e por referência ao artigo 67° do Decreto 41821, de 11/08/1958, ao artigo 37° do Decreto-Lei n” 100/97 e ao artigo 19° no i do Decreto- Lei n° 26/94, republicado em anexo ao Decreto- Lei n° 09/2000.

  3. O Exmo. Procurador Adjunto para tomar as decisões de arquivamento e acusação deu como provada a seguinte sequência de factos: “No dia 24/05/04, pelas 16.00 horas, o fiscal municipal José B..., constatou durante a execução de trabalhos numa vala, que esta ganhava água e que a terra se estava a desmoronar. De imediato se dirigiu ao encarregado da obra - o arguido José S..., trabalhador da empresa sub-empreiteira “Y - Obras Hidráulicas, Lda. “ e disse-lhe para parar os trabalhos, sendo aquele que dava todas as ordens e instruções aos trabalhadores.” 5.

    A CÂMARA MUNICIPAL DE MONÇÃO, cujo Presidente era então José M... e a empresa “W - Sociedade de Construções, S.A.”, cujo representante legal era então Francisco C..., celebraram, em 19 de Abril de 2004, um contrato de empreitada (contrato n° 15/2004).

  4. A obra destinava-se á execução do Saneamento da Zona Industrial e Interceptor Secundário - Monção.

  5. A empresa “W - Sociedade de Construções, S.A.”, celebrou um contrato de subempreitada com a empresa “Y - Obras Hidráulicas, S.A. “, com sede na Rua D. Manuel II, 1928, 2.° Dto., 4470 - 336, M..., cujo representante legal era então Álvaro V..., para a execução dos referidos trabalhos.

  6. Por sua vez, esta última sociedade celebrou um contrato de subempreitada com a sociedade “X, terraplanagens, Unipessoal”, com sede na Rua das Fontainhas, 398, 4570 - 040 B..., cujo representante legal e único sócio era então António C....

  7. O início dos trabalhos de execução da referida obra ocorreu, pelo menos, 20 dias antes da data do acidente que vitimou o ANTÓNIO A....

  8. António A... era o engenheiro civil e fiscal municipal da obra, integrando a direcção técnica responsável pela execução destes trabalhos.

  9. Este arguido, na qualidade de fiscal da obra, visitava a mesma cerca de 2 a 3 vezes por semana.

    l2. António A... era coadjuvado por um encarregado, José B..., que também se deslocava ao local da obra para examinar o desenvolvimento dos trabalhos de execução da mesma.

    13.0 arguido Nuno F..., trabalhador da empreiteira W, era o engenheiro civil responsável pela obra, que supervisionava, em representação da sua entidade patronal, os trabalhos de execução da obra.

  10. O encarregado geral da obra, era o arguido JOSÉ S..., ou seja, quem, por conta da empreiteira W e da subempreiteira Y, fiscalizava a execução, pelos demais trabalhadores, do plano...

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