Acórdão nº 730/09.1TAFAF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelTERESA BALTAZAR
Data da Resolução14 de Maio de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: - Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Fafe - 2º Juízo Criminal (processo em que foi requerida a abertura de instrução).

- Recorrente: O Ministério Público.

Objecto do recurso: No processo, n.º 730/09.1TA FAF, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, foi decidido, no essencial, por despacho (constante de fls. 140 a 156) proferido pela M.mª J. I. C., o seguinte: “IV - Decisão Sendo assim, em face da invalidade - inexistência jurídica - do despacho proferido a fls. 4838 e seguintes do processo n.o 429/0I.7TAFAF, a correr termos no 2.º Iuízo do Tribunal judicial de Fafe, onde o Ministério Público decidiu determinar a separação processual nos termos do disposto nas al. b) e c) do n.º 1 do art.o 30.o do Código de Processo Penal e a subsequente extracção de certidão para conclusão autónoma da investigação, por violação do disposto no art.o 30.o e 269.o, n.o 1, al. f) do Código de Processo Penal e 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa, decido que a declaração da invalidade do referido despacho tem como consequência a declaração da invalidade de todos os actos que se lhe seguiram também nos presentes autos, por força da extracção de certidão ordenada, designadamente os despachos de arquivamento e de acusação e a abertura da fase de Instrução, porque dependentes do acto inexistente.

O conhecimento da referida invalidade obsta ao conhecimento de mérito da questão.

Oportunamente dê baixa e devolva os autos ao Ministério Público (…)”.

**Inconformado com a supra referida decisão, o Ministério Público, dela interpôs recurso (cfr. fls. 158 a 182), terminando a sua motivação com as conclusões constantes de fls. 178 a 182, seguintes: “CONCLUSÕES 1) Vai o presente recurso interposto da decisão interlocutória proferida, a título de questão prévia à decisão instrutória, na parte em que decide o seguinte: "em face da invalidade inexistência jurídica - do despacho proferido a fls.

4838 e seguintes do processo n.

o 429/01. 7 TAFA F, a correr termos no 2. o Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, onde o Ministério Público decidiu determinar a separação processual nos termos do disposto nas aI. b) e c) do n.

o 1 do art.

o 30.

o do Código de Processo Pena! e a subsequente extracção de certidão para conclusão autónoma da investigação, por violação do disposto no art.

o 30.

o e 269. o, n.

o 1, ai. f) do Código de Processo Penal e 32. o, n.

o 9 da Constituição da República Portuguesa, decido que a declaração da invalidade do referido despacho tem como consequência a declaração da invalidade de todos os actos que se lhe seguiram também nos presentes autos, por força da extracção de certidão ordenada, designada mente os despachos de arquivamento e de acusação e a abertura da fase de Instrução, porque dependentes do acta inexistente.”.

2) A decisão de separação processual, na fase do inquérito, cabe ao Ministério Público e não ao Juiz de Instrução Criminal.

3) Desde logo, temos de nos afastar dos paradigmas do Estado autoritário ou da estrutura de processo penal inquisitória anteriores à Constituição da República Portuguesa de 1976, pois que foi superado, então e depois, com o Código de Processo Penal de 1987, o conceito de processo inquisitório, em que o poder do Estado emanava da concentração de poderes num só juiz, tendo a Constituição da República Portuguesa passado a plasmar, no artigo 32°, n.o 5, que o processo criminal tem estrutura acusatória.

4) Na fase de inquérito, a estrutura acusatória reflecte-se, para além do mais, na autonomia entre o órgão que dirige a fase de inquérito e exerce a acção penal - o Ministério Público - e o órgão com competência decisória em sede de restrição de direitos, liberdades e garantias.

5) Por força de um tal princípio constitucional, o Juiz de Instrução Criminal intervém exclusivamente em matéria de restrição de direitos, liberdades e garantias, e quando a lei expressamente o preveja, não lhe cabendo, por conseguinte, quaisquer competências investigatórias, na fase de inquérito, cuja direcção cabe, em exclusivo, ao Ministério Público. Por isso que a sua competência, durante a fase processual presidida pelo Ministério Público, obedece a um quadro de intervenção tipificada e provocada, pois a magistratura judicial por natureza não actua ex oficio em processos de que não é titular.

6) Não assegura um processo penal justo e equitativo o órgão que decide sobre a liberdade dos suspeitos ou indiciados na fase de inquérito se, em simultâneo, dirige as investigações, pois se dirige a investigação tem de estar envolvido nesta e na sua estratégia, carecendo da distância desejável para proferir decisões sobre medidas que afectem direitos, liberdades e garantias fundamentais, sob pena de fazer perigar a isenção e imparcialidade que lhe é exigida aquando da tomada de decisões que contendam com direitos, liberdades e garantias.

7) Nos termos conjugados dos artigos 53°, n.o 2, alínea b) e 2630 do CPP, a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, que pratica todos os actos típicos do inquérito, excepto os que caibam, nos termos dos artigos 2680 e 269° do CPP, ao Juiz de Instrução Criminal.

8) Por força do princípio da tipicidade dos actos que devem ser exclusivamente praticados pelos Juiz de Instrução Criminal, todos aqueles que se não incluam nestas normas - ou noutras em que se preveja também a decisão por parte do juiz -, hão-de poder ser praticados pelo dominus do inquérito, que é o Ministério Público.

9) Não cabe nos artigos 268° e 269° do CPP a decisão de separação processual de inquéritos. Aliás, tal decisão integra, ela própria, uma decisão tipicamente investigatória, decorrente de uma estratégia processual (desde que observados os estritos pressupostos legais), e, por isso mesmo, subtraída à função de garantia e controlo do Juiz de Instrução Criminal.

10) A M.rna Juiza de Instrução Criminal decidiu perfilhando a tese de que a "competência" para a separação de inquéritos é do Ministério Público, quando o inquérito não tenha ainda sido presente ao juiz, ou do Juiz de Instrução Criminal quando o tenha sido. Afastamo-nos dela, pois que, se a intervenção do Juiz de Instrução Criminal em sede de decisão de separação processual decorre da função de garante dos direitos, liberdades e garantias do arguido ou de terceiros, não vemos qual a razão para uma tal decisão apenas lhe caber quando já houver tido uma qualquer intervenção processual no inquérito - que pode bem ter sido meramente formal. Não concebemos que o Juiz de Instrução Criminal possa ser considerado garante das liberdades apenas depois de já ter sido chamado a intervir incidentalmente (diríamos até lateralmente). E não compreendemos como só assim se mostra respeitado o princípio do juiz natural, pois que, na fase processual em apreço, não podemos falar de um processo adstrito a um tribunal.

11) Não é pelo simples facto de o Juiz de Instrução Criminal ter tido uma qualquer intervenção no inquérito que tal implica que "a causa" tenha passado a estar afecta a um tribunal. Antes, nessa fase, "a causa" cabe na "jurisdição" do Ministério Público, que é a autoridade judiciária com competência para a direcção do inquérito e decisão de todas as questões que, no mesmo, se coloquem, exceptuando aquelas que, por lei, se encontram obrigatoriamente adstritas ao Juiz de Instrução Criminal.

12) No tocante à tese de que é da competência exclusiva do Juiz de Instrução Criminal a decisão de separação processual de inquéritos, a mesma decorre, essencialmente, da consideração de que a remissão do n.o 5 do artigo 264° do CPP se faz para o regime jurídico dos artigos 24° a 30° in totum e sem qualquer adaptação - pelo que estipulando este último preceito legal que o tribunal faz cessar a conexão, implica isso que caiba ao juiz (no inquérito, o Juiz de Instrução Criminal) a competência para uma tal decisão.

13) No entanto, as regras da competência "do tribunal" e, especificamente, ao nível da competência por conexão de processos (judiciais), não podem deixar de ser aplicadas, mutatis...

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