Acórdão nº 3550/14.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

J.. e esposa M.., residentes em Celorico de Basto, declarados insolventes nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, vieram, com os fundamentos constantes do seu requerimento de fls. 150 a 152, pedir a sua exoneração do passivo restante, dizendo que têm despesas médias mensais de € 980,00, pelo que requerem seja fixado um total de dois salários mínimos nacionais, como excluídos do seu rendimento disponível.

* Notificados os credores para, querendo, se pronunciarem, pronunciou-se a C.., nos termos constantes de fls. 165 e 166, entendendo em súmula, que os gastos e despesas indicados por ambos são exagerados e não se encontram documentados.

* Foi então proferida a seguinte decisão: “Nestes termos, determino que no período de cinco anos posteriores ao encerramento do presente processo, o rendimento disponível que os insolventes J.. e esposa M.. venham a auferir se considere cedido à fiduciária designada, integrando o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com excepção dos créditos a que se refere o artigo 115º cedidos a terceiros, pelo período em que a cessão se mantenha, e da quantia correspondente ao valor de um salário mínimo nacional fixado para cada ano, para cada um dos requerentes, devendo ceder os subsídios de natal e ferias correspondentes a cada um”.

* Não se conformando com tal decisão, vieram os A.A. dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: I - Não se conformam os recorrentes com o douto despacho inicial que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante na parte em que fixou o montante relativo às exclusões previstas na al. b) n.º 3 do art. 239.º do CIRE no montante equivalente a um salário mínimo para cada um dos insolventes com exclusão dos subsídios de férias e de Natal, determinando como rendimento disponível cedido ao fiduciário os rendimentos que venham a auferir acima daquela quantia e os subsídios de férias e de Natal de cada um.

II - Impõe o artigo 239.º n.º 3 al. b) do CIRE que, no despacho de exoneração do passivo restante, seja determinado o montante razoavelmente necessário para um sustento minimamente digno do devedor e que os rendimentos do devedor fiquem excluídos da cessão até tal montante.

III - A douta decisão recorrida excluiu do montante disponível a ser cedido o montante equivalente a um salário mínimo para cada devedor, entendendo ser este o“limite mínimo da exclusão, (…) “Tendo em conta a unidade do sistema jurídico”, e que o “sustento minimamente digno” não se confunde com mínimo de sobrevivência, uma vez que também no nosso ordenamento jurídico existe, “abaixo” do salário mínimo, como critério orientador de tal limite mínimo de sobrevivência, o rendimento social de inserção”.

IV - Atendendo ainda à unidade do sistema jurídico, o artigo 738.º n.º 3 do CPC determina que é impenhorável um montante do salário igual ao salário mínimo nacional, sendo que, tal limite de penhorabilidade, corolário do princípio da salvaguarda e garantia da dignidade humana, ínsito no art. 1° e 59°, nº 1, al. a), da CRP, visa assegurar ao executado um rendimento mínimo que lhe assegure uma existência digna. Reputou pois o legislador que tal rendimento deveria corresponder ao salário mínimo nacional. Assim, deverá considerar-se que o limite mínimo do rendimento a excluir do rendimento disponível, no processo de insolvência, processo de execução universal, é o salário mínimo nacional, ainda que tal critério não tenha sido consagrado expressamente, uma vez que um entendimento que considerasse um montante inferior ao salário mínimo nacional seria inconstitucional por violação do princípio da dignidade da pessoa humana consagrado constitucionalmente.

V - Conforme já foi debatido e decido no Tribunal Constitucional, no Acórdão de 26/5/1999, quanto ao direito fundamental a um mínimo de sobrevivência, “em caso de colisão entre o direito do credor e o direito do devedor a uma pensão que lhe garanta uma sobrevivência condigna, deve o legislador, para tutela do valor supremo da DPH [Dignidade da Pessoa Humana] sacrificar o direito do credor, na medida do necessário e, se tanto for preciso, mesmo totalmente, não permitindo que a realização deste direito ponha em causa a subsistência do devedor”, e assim decidiu expressamente “julgar inconstitucional a norma do artigo 824º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, na medida em que permite a penhora até 1/3 das prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante, cujo valor não seja superior ao do salário mínimo nacional então em vigor, por violação do princípio da dignidade humana contido no princípio do Estado de direito que resulta das disposições conjugadas dos artigos 1º, 59º, n.º2, alínea a) e 63º, n.ºs 1 e 3, da Constituição.” VI - Como bem se sustenta no Acórdão da Relação de Guimarães de 17-12-2013, em que foi relator o Sr. Juiz Desembargador António Santos, disponível in www.dgsi.pt, o critério do limite mínimo será o do salário mínimo nacional e não qualquer outro como por exemplo o Indexante de Apoios Sociais, porque, “é suposto (em razão da 131ª Convenção da OIT e que orienta as normas para a fixação da RMMG) que, de entre os elementos a tomar em consideração para determinar o nível dos salários mínimos, sejam atendidas “As necessidades dos trabalhadores e das respectivas famílias, tendo em atenção o nível geral dos salários no país, o custo de vida, as prestações de Segurança Social e os níveis de vida comparados de outros grupos sociais “.

De igual forma, tendo presente que as “Partes” da Carta Social Europeia reconhecem como objectivo (…) reconhecer o direito dos trabalhadores a uma remuneração suficiente que lhes permita assegurar, assim como às suas famílias um nível de vida decente, é assim a RMMG o critério (em abstracto) mais seguro e o adequado (à falta de outro) para efeitos de fixação do limite mínimo abaixo do qual passa já a estar em causa a satisfação das necessidades do devedor e do seu agregado familiar.” VII - O ponto de partida será pois sempre o salário mínimo nacional, sendo que existindo necessidades anormais, poderá ser elevado até ao máximo de 3 salários mínimos nacionais.

VIII – Sendo o montante equivalente ao salário mínimo nacional o montante de cada devedor insolvente deve, pelo menos, poder continuar a dispor para que lhe seja assegurado um nível de vida com a dignidade reclamada pelo princípio da dignidade humana, e sendo dois os insolventes, deveria ser, pelo menos, excluído de forma global dos rendimentos que integram o património comum do casal um montante correspondente a dois salários mínimos nacionais, para que ambos pudessem ter uma vida digna, ficando assim excluído do rendimento disponível do casal, em termos globais, o montante correspondente a dois salários mínimos nacionais, como tudo melhor se sustenta no Acórdão da Relação do Porto de 24-01-2012, em que foi relator o Sr. Juiz Desembargador Rodrigues Pires, disponível in www.dgsi.pt.

IX - O que impõe o artigo 239.º n.º 1 e 3 al. b) i) do CIRE é que seja excluído o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos insolventes.

X - Considerando a douta decisão recorrida: “que se trata dum montante – os dois salários mínimos – que obrigará os requerentes, que não têm filhos a cargo, a viver, nos próximos cinco anos, com comedimento e modéstia; não é preciso sequer qualquer elemento factual explícito para sustentar tal afirmação, uma vez que pertencem ao domínio dos factos públicos e notórios os gastos/despesas que é imprescindível efectuar para obter o indispensável para o sustento, habitação e vestuário dum agregado familiar de 2 pessoas, numa fase da vida em que as despesas médicas e medicamentosas começam a aumentar”, deveria ter fixado o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos insolventes na quantia equivalente a 2 salários mínimos nacionais, em vez de considerar montantes individuais para cada um com vista a exclusão, devendo considerar cedidos todos...

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