Acórdão nº 44/14.5GAMSF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução02 de Novembro de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO 1 – Nestes autos de inquérito-crime em que é participante e assistente, o Município de M.., foi proferido despacho de arquivamento do inquérito por falta de indícios da prática pelo arguido José L., de um crime de subtracção de documento previsto e punido pelo artigo 259º, do Código Penal.

2 – O assistente, inconformado com o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, requereu a abertura de instrução, visando a sua pronúncia do arguido pelos factos e normas legais que constam no requerimento de abertura de instrução de fls. 82 a 116.

3 – Finda a instrução, foi proferido despacho de não pronúncia do arguido.

4 – Inconformado, dele, recorre, o Assistente, extraindo da respectiva motivação as conclusões que se transcrevem: «1º) Nos termos do preceituado no artº 308º, nº 2, e 283º, nº 3, al. b), do CPP, o despacho de pronúncia ou não pronúncia contém (deve conter), sob pena de nulidade, a narração ainda que sintética dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou uma medida de segurança.

  1. ) Sucede que, como flui do despacho recorrido, a Mmª Juiz de Instrução apenas fez constar da decisão ora posta em crise breves considerações genéricas de concordância com o despacho de arquivamento, tendo sido “omitida completamente a decisão fáctica, não se descrevendo nem especificando quais os factos do requerimento instrutório que se consideram suficientemente indiciados, nem os que como tal se não consideram”.

  2. ) Em consequência, deve o despacho de não pronuncia recorrido ser revogado, o qual deverá ser substituído por outro que supra a omissão consistente na falta da enumeração dos factos indiciados e dos não indiciados, por referência ao requerimento instrutório.

  3. ) Sem prescindir, os factos descritos na participação de fls., são susceptíveis de integrarem, no mínimo, a prática pelo denunciado/arguido de um crime de subtracção de documento, p. e p. pelo artº 259º do CP.

  4. ) Ora, dos elementos de prova recolhidos no inquérito, incluindo as declarações prestadas pelo arguido, resulta, além do mais, de forma clara e inequívoca o seguinte: - O arguido no dia 14 de abril de 2014, pelas 14.30, dirigiu-se aos serviços de Obra da Câmara Municipal de M. a fim de consultar o processo de obras nº 29/2012, em que é requerente António B., id. a fls. 18-19; - Quando estava a consultar o processo, a determinada altura referiu que a assinatura que constava dos documentos- peças desenhadas - que constituíam, além do mais, um aditamento ao mesmo processo, não era igual à constante dos restantes documentos da autoria de Rui Faria, id. a fls. 53, arquitecto/técnico responsável pelo mesmo, insinuando que a assinatura tinha sido falsificada.

    - Então, o Engº Luís A., responsável pela Divisão de Obras do Município de M, e que se encontrava junto do arguido, respondeu que se a assinatura tinha sido falsificada só poderia ter sido por ele, dado que foi ele quem procedeu à entrega dos referidos documentos (participação de fls 5, autos de inquirição de testemunhas de fls. 17, 19, 21 e 23) - Ato contínuo e brusco, o arguido pegou nos referidos documentos e saiu do local (serviço de obras da Câmara Municipal de M.), levando-os consigo.

    - Por sua vez, o Engº Luís A. tentou impedir que o arguido levasse consigo os documentos - requerimento/aditamento, desenhos dos alçados e corte do edifício, informação técnica e aprovação, despacho e notificação ao requerente - o que não conseguiu.

    - Além dos desenhos dos alçados e corte do edifício, cuja autenticidade da assinatura foi posta em causa pelo arguido, o mesmo também retirou do processo administrativo um requerimento assinado pela testemunha id. a fls. 18-19, na qualidade de requerente do respetivo processo de obras, documento que tinha aposto dois pareceres/informações técnicas, sendo uma delas de aprovação subscrita pelo id. Engº Luís A., e, ainda, o respetivo despacho e notificação.

    - O arguido não procedeu à devolução dos referidos documentos junto da Câmara Municipal de M, nomeadamente da Divisão de Obras.

    - Não se encontrando, assim, juntos ao aludido processo de obras os documentos a que se fez referência (requerimento/aditamento, desenhos dos alçados e corte do edifício, informação técnica e aprovação, despacho e notificação ao requerente), e que determinaram o deferimento da pretensão do requerente (do processo de obras).

  5. ) Não obstante, a Exma. Senhora Procuradora Adjunta, concluindo pela não verificação dos elementos objectivo e subjectivo do tipo legal do referido crime, proferiu o competente despacho de arquivamento.

  6. ) Não se conformando, o aqui recorrente, por considerar que a factualidade em causa e a prova constante dos autos, impunham, isso sim, que fosse deduzida a competente acusação, requereu a abertura da instrução, conforme requerimento de fls. 96 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

  7. ) Porém, a douta decisão em análise concluiu que o despacho do “MP de arquivamento dos presentes autos não merece qualquer censura uma vez que não se apuraram indícios suficientes de que o arguido tenha praticado o crime em causa (ou qualquer outro)” 9º) Ora, como se escreveu no requerimento de abertura de instrução, não é minimamente aceitável que alguém, como o arguido, e sob qualquer pretenso pretexto, possa dirigir-se a um serviço ou repartição pública, subtrair dum processo que corra termos nesse mesmo serviço ou repartição determinados documentos, abandonar o local, não os devolver, e não ver essa conduta devidamente censurada do ponto de vista penal…! 10º) A verdade é que o artº 259º, nº 1 do CP, preceitua que “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, destruir, danificar, tornar não utilizável, fizer desaparecer, dissimular ou subtrair documento ou notação técnica, de que não pode ou não pode exclusivamente dispor, ou de que outra pessoa pode legalmente exigir a entrega ou apresentação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.” 11º) Porém, não obstante haver aqui uma intenção típica reportada a um certo resultado (causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo), o crime previsto naquela norma visa proteger a integridade, a manutenção e a disponibilidade dos documentos ou notações técnicas, enquanto meios de prova, e não diretamente o prejuízo resultante da sua subtracção ou destruição. (Ac. STJ de 19.01.1994 – SASTJ, nº 27, 76) 12º) Ora, no caso em apreço, e no que respeita ao benefício ilegítimo, é o próprio arguido que se elege ao declarar, a fls. 47-47vº, que resistiu á tentativa do Engº Luís A. lhe retirar os documentos e que “só sairia daquele local na presença da GNR”, que “com medo que lhe retirassem os documentos trouxe-os consigo, de forma a salvaguardar a posição do processo”.

  8. )...

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