Acórdão nº 293/12.0TBVCT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:* A credora C…, S.A., fazendo uso da faculdade que a lei lhe atribui no artigo 188º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, veio alegar por escrito, imputando factos a Juan … e D…, concluindo pela qualificação da presente insolvência como culposa e devendo ser afectados com a dita qualificação os administradores (um de direito, outro de facto) identificados.

O administrador de insolvência veio apresentar parecer no qual concluiu pelo carácter fortuito da insolvência.

O Ministério Público veio apresentar o seu parecer, ao abrigo do disposto no artigo 188º, nº 4, daquele diploma, tendo subscrito, tabelarmente, o parecer do Sr. Administrador.

Uma vez que um interessado alegou factos tendentes a qualificar a insolvência como culposa, ordenou-se o prosseguimento dos autos, apesar de o administrador de insolvência e o Ministério Público considerarem que inexistem factos para qualificar a insolvência como culposa (cfr. despacho de fls. 75 a 81).

Nos termos do disposto no artigo 188º, nº 6, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os visados opuseram-se, impugnando a factualidade alegada nesses pareceres, dando-lhes distinta interpretação e alegando factos que, em seu entendimento, impedem que a insolvência seja declarada como culposa, ou, sendo-a, não os afecta enquanto administradores da mesma.

Procedeu-se à elaboração do despacho saneador e à selecção dos factos assentes e dos factos controvertidos.

A selecção da matéria de facto foi objecto de reclamações que foram deferidas parcialmente.

Foi determinada a realização de prova pericial.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.

Seguidamente foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Em face do exposto, e nos termos do disposto nos artigos 186º e 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: a) Qualifico a insolvência da sociedade Casa … Lda., como culposa; b) Considero Juan …, afectado pela dita qualificação e, consequentemente, declaro-o inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de cinco anos; c) Determino a perda dos créditos subordinados titulados pelo supra referido administrador; e d) Absolvo D… da dita qualificação.

Custas pelo requerido.

Cumpra-se o disposto no artigo 189º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.

*Desta decisão foi interposto recurso pelo Juan …, que terminou formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. É interposto o presente recurso da sentença que qualificou a insolvência como dolosa, considerando Juan Feliu Boguña afectado pela dita qualificação.

  1. O recorrente não se conforma com a decisão da matéria de facto, crendo que os factos provados identificados pelas alíneas d), e), f), g), o), q), r), s), t), v), w) e x), foram incorrectamente julgados.

  2. Antes de mais, saliente-se que a decisão recorrida está ferida de nulidade, nulidade essa que atinge o facto provado descrito na al. v) e que deverá ser alterado.

  3. Tal facto provado radica do quesito n.º 9 segundo o qual: “O remanescente do valor dos preços recebidos pela Insolvente foi transferido para a ‘P… SL’ sem quaisquer documentos de suporte?” 5. A resposta a este quesito assentou na prova pericial produzida, constante no relatório pericial de fls. … e seguintes, datado de 04 de Abril de 2014.

  4. Em momento algum da resposta, o Sr. Perito dá conta da ausência de documentos de suporte ou justificativos.

  5. Fundamentos pelos quais o trecho do facto provado – “sem quaisquer documentos de suporte ou justificativo” – deverá ser excluído da decisão da matéria de facto, na falta de prova idónea. Precisamente porque somente pela prova pericial – como resulta da motivação – seria possível aquilatar.

  6. Mas a prova pericial, mais do que não mencionar que não há documento de suporte ou justificativo, em sede de esclarecimentos foi clara e peremptória, indicando ao Tribunal a causa do referido pagamento. É o que resulta do último § do relatório datado de 19 de Maio de 2014, constante dos autos a fls. ….

  7. Além daquela exclusão, deve ser aditado à parte final do facto provado v) o seguinte: “por um pedido, junto da Câmara Municipal de ---, de informação prévia para o local do empreendimento, quando ela sim e na qualidade de adquirente, iniciou as negociações com a vendedora (ou com os seus representantes) do local onde veio a ser implantado o projecto “Casa …” em Vila do Conde”.

  8. Pois esta prova não só resulta como se impõe, mercê o crédito e valia probatória que o Tribunal conferiu ao relatório pericial.

  9. Assim, o facto provado descrito sob a al. v) deve ser alterado para os seguintes termos: “após a alienação das fracções em Fevereiro de 2011, a insolvente transferiu para a P… SL, a quantia de € 132.268,78 por um pedido, junto da Câmara Municipal de …, de informação prévia para o local do empreendimento, quando ela sim e na qualidade de adquirente, iniciou as negociações com a vendedora (ou com os seus representantes) do local onde veio a ser implantado o projecto “Casa …” em Vila do Conde”.

  10. Com efeito, o pagamento efectuado tem justificação e radica num negócio celebrado com o próprio empreendimento, não se tratando de um acto de disposição mas sim de um pagamento a um fornecedor, o qual não retirou qualquer proveito mas apenas obteve o pagamento que lhe era devido pelo serviço que realmente prestou.

  11. Ainda quanto ao facto provado na al. v), note-se que este entra em confronto com o facto provado na al. y), pois que são identificadas facturas que, segundo a al. v), não existiam (“não havia documentos de suporte ou justificativos”), pelo que, face à notória oposição entre factos, se invoca a nulidade da sentença.

  12. Relativamente às alíneas d), e), f) e g), encontram-se incorrectamente julgadas, porque se reportam a empresas estrangeiras e a prova foi feita de acordo com várias certidões mercantil do “Registrador Mercantil de Barcelona y Su Provincia”. E compulsados os autos, constata-se que tais documentos não se encontram redigidos em Língua Portuguesa, não podendo ser admitidos sem se encontrarem acompanhados pela respectiva tradução.

  13. Além de que, não estão reconhecidos por agente diplomático ou consular português, com a respectiva assinatura e aposição de selo branco.

  14. A preterição desta formalidade retira a autenticidade ao documento.

  15. Pelo que a decisão viola o disposto no artigo 440.º do Código de Processo Civil.

  16. Na falta desse documento e qualquer outro aceno de prova idónea, sempre será de considerar que os factos supra indicados não se poderão considerar provados porque estes factos foram dados como provados, exclusivamente, com base nos documentos referidos.

  17. Devendo, consequentemente, ser retirados dos factos dados como provados os descritos nas als. d), e), f) e g).

  18. Quanto às als. o), q), r), s), t) e x) dos factos provados, salienta-se que se reportam ao período de tempo decorrido entre 02/10/2006 e 15/12/2006, quando o processo de insolvência se iniciou em 26/01/2012.

  19. Ora, para efeitos de qualificação da insolvência, somente releva a actuação nos três anos anteriores ao início do processo — cfr. artigo 186.º n.º 1 do CIRE .

  20. Assim, tais factos são totalmente irrelevantes, pois distanciam-se no tempo, devendo, como tal, ser retirados do elenco dos factos provados.

  21. Denote-se que, além da inutilidade dos factos dados como provados, o Tribunal parece ter ignorado o parecer do Ministério Público e do Administrador de Insolvência pela qualificação fortuita, preterindo o disposto no artigo 186.º n.º 1 do CIRE.

  22. Ainda sob a análise detalhada dos factos dado como provados, atente-se que os factos constantes das al.s w) e x) têm como referência os anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, não estando em causa, portanto, o período referente aos três anos anteriores à data de início do processo de insolvência, sendo, assim, tais factos, irrelevantes, pois não pode o tribunal considerar os comportamentos adoptados nessa época para efeitos de qualificação da insolvência.

  23. Apenas poderá atender aos resultados líquidos negativos referentes a 2009, que corresponderam a € 107.003 (cento sete mil e três euros), tal como resulta do relatório escrito elaborado pelo Sr. Perito e dos esclarecimentos verbais registados na acta de discussão e julgamento datada de 24/10/2014.

  24. A este respeito, note-se que do relatório e do depoimento se pode retirar a conclusão que os resultados líquidos negativos foram ampliados, artificialmente, por uma técnica de organização contabilística inadequada, que o Sr. Perito repudia.

  25. E se um Perito atesta que os resultados líquidos negativos integrados nos factos provados estão errados por causa de um critério da contabilidade inadequado, cremos que tal elemento não pode ser relegado.

  26. Os resultados transitados constantes dos factos provados não traduzem a realidade, são reflexo de um erro, lapso, ou técnica de contabilidade inadequada. Perante isto, o Tribunal a quo não os poderia acolher na sua fundamentação.

  27. A aplicação da técnica de contabilidade correcta, na prática, implicaria um resultado líquido (negativo) de € 57.003 (cinquenta sete mil e três euros) ou € 67.003 (sessenta sete mil e três euros), ao invés de € 107.003 (cento e sete mil euros e três cêntimos).

  28. Os resultados da perícia reflectem uma realidade adulterada por critérios de contabilidades inadequados, que tem duas importantes implicações: uma, é a de que essa contabilidade tecnicamente imperfeita tem a consequência prática de ampliar exagerada os resultados negativos transitados. Outra, é a de que, se a análise contabilística não é fiel na tradução da realidade económico-financeira da empresa, a credibilidade da prova será reduzida.

  29. Falhou uma técnica de contabilidade e isso levou a considerar como passivo o que deveria...

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