Acórdão nº 522/14.6TTGMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelMOIS
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO Apelante: L… (autor).

Apelada: Banco…, SA (ré).

Tribunal Judicial da comarca de Braga, Guimarães, 3.ª Secção Trabalho, J3.

  1. Em 27.02.2015, foi proferido o seguinte despacho judicial: alega o trabalhador/autor que o procedimento disciplinar fundou-se em imagens de videovigilância ao seu posto de trabalho as quais não foram por si consentidas e nem sequer lhe foram comunicadas. Mais refere que a empregadora não invoca nem possui a necessária autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados para a recolha de imagens. Por outro lado, ainda que tivesse essa autorização a mesma seria restrita à colheita de imagens em ordem à prevenção e prova de ilícitos criminais praticados por terceiros em relação ao Banco, e nunca como forma de controlo sobre o exercício de funções laborais.

    O Banco empregador/réu veio responder dizendo, em síntese, que o Banco… é titular da Autorização nº 9182/2011 emitida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados que foi concedida, com a finalidade de “proteção de pessoas e bens” e estão afixados, nesse mesmo Balcão, os “Avisos” de que naquele local se procede à gravação de imagens nos termos da lei.

    Juntou documento de autorização o qual consta de fls.239 e segs. dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos.

    Cumpra apreciar: O artigo 21.º n.º 1 do Código do Trabalho sujeita à autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados a utilização pelo empregador de meios de vigilância à distância no local de trabalho.

    No caso, verifica-se que o réu/empregador foi autorizado pela referida CNPD, pela autorização n.º 9182/2011 (v. fls. 239 e segs.), na recolha de dados por videovigilância, para proteção de pessoas e bens.

    Assim, tendo em conta a norma transcrita e a autorização concedida, conclui-se que o réu/empregador podia utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, tendo por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens.

    Nenhuma dúvida se pode suscitar aqui, que não tivesse sido dada informação do autor/trabalhador nos termos estabelecidos no n.º 3 do art.º 20.º do Código do Trabalho.

    Note-se que é alegado pelo réu/empregador a existência de “Avisos” relativos a captação de imagens. Aliás, sempre se dirá que, sendo o réu uma instituição bancária, é da experiência comum que tal assim seja, não colhendo assim a alegação de que tal comportamento não se mostra consentido e /ou comunicado.

    A questão está apenas em saber se a utilização das imagens obtidas por esse equipamento pode ser feita como meio de prova no processo sancionatório que conduz à aplicação de medida disciplinar laboral, nomeadamente a do despedimento.

    O disposto no artigo 20.º do Código do Trabalho destina-se a proteger direitos de personalidade do trabalhador (está inclusivamente inserido numa subsecção do Código que tem como título o de “Direitos de personalidade”), em que se inclui o seu direito à reserva da vida privada.

    Na verdade, o trabalhador sujeito a permanente vigilância no seu desempenho por meios de controlo à distância, estaria sujeito a uma permanente intrusão na sua liberdade de comportamento pessoal, prática tanto mais invasiva e condicionadora quanto nunca ele saberia exatamente quem o estava ou estará a observar.

    O art.º 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, assegura a todos o direito fundamental “à reserva da intimidade da vida privada e familiar” e igual proteção é garantida pelo artigo 80.º do Código Civil.

    Existe, todavia, conforme vem sendo entendimento dominante na nossa jurisprudência, um ponto de equilíbrio ou de concordância prática de direitos que, na afirmação, garantia ou defesa dos direitos fundamentais, tem de ser sempre encontrada.

    Na verdade, se em causa estão direitos fundamentais de trabalhador, não menos certo é que o empregador tem direitos de natureza fundamental, também com expressão constitucional, como o direito à propriedade e à constituição de empresa (arte.ºs .61.º e 62.º da CRP) que podem colidir com aqueles, no campo da sua afirmação com a necessária consistência efectiva.

    Impõe-se assim questionar, como conciliar um direito à reserva ou não ingerência na esfera privada por meios de vigilância à distância com o direito de perseguição a quem viola ilicitamente o direito de propriedade (com conduta criminalmente punível), mediante a utilização como meio de prova das imagens obtidas fortuitamente por aqueles meios de vigilância? A ponderação da espessura dos direitos e dos interesses na sua efetivação prática deve ser a medida da restrição de cada um ou da sua concordância, idéia que é juridicamente sustentada desde logo pelo art. 335.º do Código Civil (“Colisão de direitos”).

    Se bem analisamos e entendemos, o artigo 20.º n.º 1 do Código do Trabalho apenas proíbe o controlo dedicado e permanente das ações do trabalhador, mediante os meios de vigilância à distância. Mas o seu n.º 2 já permite (“é lícita”) a utilização desse equipamento quando o tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens.

    Ou seja, a nosso ver, é a própria norma que sugere a concordância prática e proporcionada dos direitos em questão.

    Quando esteja em causa a proteção e segurança de pessoas e bens, já é possível, ainda que de forma fortuita ou incidental, verificar uma conduta lesiva e ilícita dos próprios trabalhadores. E verificada esta, não parece que se possa sustentadamente defender que as imagens ou os dados obtidos não podem servir como meio de prova num despedimento ou sancionamento disciplinar. Na verdade, se assim sucedesse estaria a maior parte das vezes enfraquecida ou anulada a finalidade da vigilância lícita e que é a de garantir a proteção e segurança de pessoas e bens – numa via a proteção e segurança seriam aparentemente concedidas, noutra via seriam real e contraditoriamente retiradas.

    Citando David de Oliveira Festas, in “O direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador no Código do Trabalho”, nota 121, ROA, Ano 64 - Vol. I / II - Nov. 2004, consultável em www.oa.pt), a “utilização da videovigilância como meio de prova é admissível nestes casos, antes de mais, porque encontrando-se preenchidos os pressupostos legais de utilização da videovigilância, esta configura um comportamento lícito, ainda que compressor do direito à reserva da intimidade da vida privada de quem seja objeto da vigilância”. E, “admitida a videovigilância no local de trabalho para a prossecução de finalidades legalmente previstas, tal utilização dispensa o consentimento dos trabalhadores desde que feita para a prossecução das...

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