Acórdão nº 3333/13.2TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução19 de Março de 2015
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

A.., S.A, pessoa coletiva nº .., com sede no lugar .., Guimarães, instaurou processo especial de consignação em depósito contra O.., S.A., pessoa coletiva nº.., com sede na Rua.., Guimarães, alegando essencialmente que, tendo sido demandada pela aqui R. em ação própria (proc. nº 3892/08.1TBGMR), foi ali proferida, em 22.6.2009, sentença a condenar a ré (aqui A.) a pagar à autora (aqui R.) “o preço que se vier a liquidar em incidente de liquidação, correspondente a cinco rolos de tela L-82, com a largura de 1,65 m, estampada com desenho “Fleur 96371”, a acrescer de juros vencidos e vincendos, contados à taxa de juros comercial sucessivamente aplicável”.

O pedido daquela ação era de condenação da ré (aqui A.) “no pagamento da quantia de 5.285,01, sendo 4.686,45 € de capital e 598,56 € de juros de mora já vencidos, contados desde a data de vencimento da factura a 7.08.2007 até 31.12.2007, à taxa de 11,07 %, a acrescer de juros vincendos a contar desde essa data até 30.06.2008, à taxa de 11,20 %, e desde esta última data até efectivo e integral pagamento, à taxa de 11,07 %”.

Em 30.10.2012, a R. deduziu incidente de liquidação a fim de permitir o cálculo do preço dos 5 rolos de tela e cuja decisão, proferida no dia 15.7.2013, foi a de fixar equitativamente o preço no valor de € 3,30/m, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente o presente incidente de liquidação e, em conformidade, fixa em 3.319,80 €, o preço dos cinco rolos de tela L-82, com a largura de 1,65 m, estampada com desenho “Fleur 96371” (preço esse a que acrescerão, nos termos da sentença pacificamente transitada em julgado, os juros vencidos e vincendos calculados à taxa de juros comercial sucessivamente aplicável.). Custas da acção e do incidente por A. e Ré na proporção dos respectivos decaimentos (art. 446º/1 e 2 CPC)”.

A A. pretende consignar em depósito o valor da dívida assim fixado porque a R. se recusa recebê-lo com o argumento de que tem direito a juros de mora desde a data do vencimento da fatura (7.08.2007) e só com esse pagamento e o do capital aceita a exonerar da devedora, mas a esta entende que não é devedora de juros de mora a contar da data do vencimento da fatura, por o crédito ser emergente de responsabilidade contratual e ilíquido até à data da sentença que o liquidou (15.7.2013).

Dá conta de que, a não fosse assim, a demora da R. na dedução do seu pedido de liquidação só a ela traria vantagem.

Na sua perspetiva os juros de mora devem ser contados apenas desde a data do trânsito em julgado da sentença que fixou o valor da obrigação.

Dada a referida recusa da R. em receber o que a A. entende dever-lhe, manifestou a sua vontade de consignar em depósito a quantia de € 3.319,80, acrescida do respetivo IVA a 21% (IVA em vigor à data da fatura), ou seja, pretende depositar a quantia de € 4.016,96, pedindo, para tanto:

  1. A passagem de guias para o depósito da mencionada quantia de € 4.016,96; e que b) Efetuado o depósito, seja citada a R. para contestar, querendo, no prazo e sob cominação legal.

    Efetuado o depósito e citada a R., esta ofereceu contestação, com reconvenção.

    Defendeu que o valor da causa não era o de € 5.001,00 indicado pela A., mas de € 1.838,30, o benefício económico que a A. pretende obter. Com o depósito da quantia de € 4.016,96 pretende a A. extinguir a sua obrigação de pagamento do valor global de € 5.855,26 [3.319,80 (capital) + 697,16 (IVA) + 1.838,30€ (juros)], sendo este o valor em que a A. está condenada a pagar à R. por sentença transitada em julgado.

    Invoca, por outro lado, o caso julgado já formado. Alega que A. foi condenada por sentença transitada em julgado, de 26.6.2009, proferida no proc. 3892/08.1TBGMR, a pagar à R. “o preço que se viesse a liquidar em incidente de liquidação, correspondente a cinco rolos de tela L-82, com a largura de 1,65m, estampada com desenho “Fleur 96371”, a acrescer de juros vencidos e vincendos, contados à taxa de juros comercial sucessivamente aplicável” e ao qual foi atribuído o valor de € 5.281,01. E também na sentença proferida no processo de liquidação, datada de 15.7.2013[1] , igualmente transitada em julgado (no dia 4.10.2013), que fixou o preço de € 3.319,80 para os cinco rolos de tela L-82, com a largura de 1,65m, estampada com o desenho “Fleur 96371”, ficou estabelecido que a esse preço acrescerão, nos termos da sentença pacificamente transitada em julgado, os juros vencidos e vincendos calculados à taxa de juros comercial sucessivamente aplicável).

    Entende, assim, que, a ser procedente a consignação em depósito, haverá ofensa do caso julgado, pelo que antes se deve julgar procedente esta exceção dilatória e absolvida a R. da instância.

    Em reconvenção, deixa expresso que a A. lhe deve a quantia de € 5.855,26, relativa ao capital de € 3.319,80, acrescido do respetivo IVA à taxa de 21% e juros de mora vencidos desde o dia 7.8.2009, sendo insuficiente a quantia que a A. se propõe pagar pela via da consignação.

    Termina assim: “NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXA. SUPRIRÁ, DEVERÁ: A. SER FIXADO À PRESENTE ACÇÃO O VALOR DE 1.838,30€; B. SER JULGADA PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A R. ABSOLVIDA DA INSTÂNCIA.

    SEM PRESCINDIR: C. SER JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO RECONVENCIONAL E, POR VIA DISSO, SER A A. CONDENADA A ACRESCER AO SEU DEPÓSITO A QUANTIA DE 1.838,30€, POR FORMA A QUE O DEPÓSITO À ORDEM DOS PRESENTES AUTOS ASCENDA AO VALOR GLOBAL DE 5.855,26 €.” Dada a reconvenção, a A. ofereceu réplica sustentando a sua posição anterior, nomeadamente, argumentando que “a sentença transitada em julgado condenou a ora autora no pagamento, da quantia, em singelo (sem IVA), que fixou em 3.319,80 €, acrescida, dos juros vencidos e vincendos calculados à taxa de juros comercial sucessivamente aplicável” e que não há caso julgado em sede de consignação em depósito que é uma ação diferente daquela a que respeita o proc. 3892/08.1TBGMR e o incidente de liquidação, sem identidade de pedidos e de causas de pedir.

    Conclui como na petição inicial, pedindo que a contestação/reconvenção seja julgada totalmente improcedente.

    Foi decidido o incidente do valor da ação, pela sua fixação em € 5.855,26.

    Foi depois proferido despacho saneador que conheceu da exceção do caso julgado, destacando-se a seguinte argumentação, seguida da decisão: «… Se no caso sub iudice dúvidas inexistem quanto à identidade das partes, o mesmo não se diga quanto à causa de pedir e o pedido: com efeito, através da presente acção o que a autora pretende é a declaração de extinção da sua obrigação para com a ré, por ter procedido ao depósito do valor de que entende ser devedora, enquanto que na acção que correu termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal sob o nº 3892/08.1TBGMR o pedido formulado (pela aqui ré contra a aqui autora) era o de condenação da aqui demandante no pagamento, a favor da aqui demandada, da quantia global de € 5.285,01, sendo € 4.686,45 a título de capital e € 598,56 a título de juros moratórios.

    Tanto basta, desde logo, para concluir pela não verificação da tripla identidade pressuposta no artigo 581º do N.C.P.C. para que se afirme a existência de caso julgado, motivo pelo que se julga improcedente tal excepção.» Foi admitido o pedido reconvencional e, por se ter considerado que o estado do processo o permite, sem necessidade de produção de mais provas, conheceu-se de imediato do mérito da causa, por sentença que terminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido:

  2. Julgar a acção improcedente, declarando ineficaz como meio de extinção da obrigação a que se encontra vinculada o depósito efectuado pela autora; b) Julgar a reconvenção procedente e condenar a autora no pagamento à ré da quantia de € 1.838,30 (mil, oitocentos e trinta e oito euros e trinta cêntimos), a título de juros moratórios devidos desde 08.08.2007 e contados às taxas de juro comercial sucessivamente aplicáveis; c) Condenar a autora no pagamento das custas da acção e da reconvenção (artigo 527º, nºs 1 e 2 do N.C.P.C.).» Inconformada, a A. interpôs apelação, cujas alegações fez culminar com as seguintes CONCLUSÕES: «Em 1 de Outubro de 2008, a aqui Ré e recorrida, O.., S.A., propôs contra a aqui autora e recorrente, L.., acção declarativa de condenação, sobre a forma sumária, alegando, em suma, que no exercício da sua actividade, vendeu à L.., que lhe comprou, as mercadorias (tecido estampado) descritas na factura nº 2007000045, de 8.07.2007, pelo valor de 4.686,45 €, que deveria ter sido paga no prazo máximo de 30 dias a contar a data da sua emissão e que a L.. não lhe pagou, pedindo a final, que esta fosse condenada pagar: a) o capital em débito de 4.686,45 €; b) os juros de mora já vencidos no montante de 598,56 €; c) os juros de mora vincendos, à taxa legal, de 11,07% ou à que sucessivamente vigorar, contados sobre o montante do capital em débito, e desde 02/10/2008 até efectivo e integral pagamento.

  3. As custas e procuradoria condigna.

    1. A acção deu origem ao processo que sob o nº 3892/08.1TBGMR correu termos pelo 3º Juízo Cível do Tribunal a quo.

    2. Contestou a recorrente L.. alegando, em suma, que o preço facturado de 3,85 € o metro não tinha sido o contratado; que o preço acordado foi de 2,74 € o metro, o qual tinha sido um pressuposto fundamental para a celebração do negócio, que foi com base neste preço que fixou o preço dos produtos que confeccionou com o tecido e que vendeu ao seu cliente dinamarquês.

    3. Realizado o julgamento, por sentença de 22 de Junho de 2009, transitada em julgado, considerou o tribunal que a recorrida, O.., não conseguiu provar o preço dos artigos fornecidos, pelo que cumpria ao tribunal, nos termos do art. 661º nº2, do Código de Processo Civil, condenar a ré a pagar ao autor o preço das mercadorias que se viesse a liquidar em incidente próprio, a deduzir nos termos do art. 378º nº2, proferindo a seguinte decisão...

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