Acórdão nº 838/12.6TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução04 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

* Por sentença datada de 28.06.2012, foi declarada a insolvência de M, melhor identificada nos autos, na sequência da sua apresentação à insolvência.

Ao apresentar-se à insolvência, a devedora requereu a exoneração do passivo restante.

Por despacho datado de 10.09.2012, foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante, tendo-se consignado que durante os 5 anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência a insolvente deveria ceder mensalmente ao fiduciário a quantia que excedesse o salário mínimo nacional, nomeadamente quaisquer subsídios de férias e de natal que viesse a auferir.

Nesse mesmo dia iniciou-se o período de cessão (em 10.9.2012).

Notificado o Sr. Fiduciário para proceder à junção aos autos do relatório a que alude o art. 61.º nº 1 do CIRE (aplicável ex vi do art. 240.º nº 2), veio o mesmo informar, em 13.11.2013 (cfr. fls. 193) que durante o 1.º ano a insolvente apenas havia efectuado duas cessões, uma em 26.06.2013, no valor de € 300, e outra em 16.08.2013, no valor de €144,44.

Em 11.09.2015 (cfr. fls. 247 e ss) procedeu o Sr. Fiduciário à junção aos autos do 2.º relatório, abrangendo os 2.º e 3.º anos de cessão, informando que a insolvente procedeu em 21.11.2013 ao depósito de € 600 e em 21.07.2014 ao depósito de € 125, não mais tendo efectuado qualquer outro depósito e sem que tenha dado qualquer justificação para essa omissão e que, pese embora notificada para remeter-lhe a declaração de rendimentos reportada ao ano de 2014, não o fez. Posteriormente, veio juntar aos autos a declaração de rendimentos em causa.

Concluiu o Sr. Fiduciário pela violação, por parte da insolvente, da obrigação de entrega do rendimento disponível, já que a mesma terá auferido sempre rendimentos mensais superiores ao salário mínimo nacional.

* Na sequência dessa comunicação veio a credora C (única credora conhecida) requerer a recusa antecipada da exoneração do passivo restante peticionada pela insolvente.

* Notificada a insolvente do teor desse requerimento, veio a mesma justificar as apontadas omissões argumentando que desde 2014 que se viu obrigada a assumir todas as despesas do seu agregado familiar, constituído por si e pela sua filha, Z, que se encontra desempregada e sem auferir qualquer subsídio de desemprego desde 2014, a qual padece ainda de uma doença psiquiátrica, apresentando sintomatologia compatível com provável perturbação estado-limite da personalidade.

Alegou ainda que sofre de doenças crónicas, talqualmente alegado na petição inicial, tendo por isso despesas médicas anuais relevantes.

Por esses motivos, concluiu não apenas pela improcedência da pretensão da C, como peticionou ainda a redução do valor a ceder ao Sr. Fiduciário aos € 30 mensais.

* Procedeu-se à notificação do Sr. Fiduciário nos termos e para os efeitos do disposto no art. 243.º nº 3 do CIRE, nada tendo o mesmo dito.

* Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão: “…Consequentemente, ao abrigo do disposto no art. 243.º/1/al.a) CIRE, recuso a exoneração do passivo restante requerida por M.

Custas pelo insolvente…”.

* Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a insolvente interpôr o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: “1- O presente recurso é interposto da douta sentença proferida, que entendeu ao abrigo do disposto no artigo 243º, nº 1, alínea a) do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (ClRE) recusar a exoneração do passivo restante requerido pela insolvente M.

2-A aqui recorrente não se conforma nem aceita a douta Sentença sob recurso, porque entende, com o devido respeito, que o Tribunal "a quo" na sua decisão da matéria de facto dada como assente não apreciou corretamente a prova documental junta pela insolvente na sua resposta de fls. 282 e ss nem valorou factos alegados pela Insolvente nessa mesma resposta quando tais factos estão comprovados por documentos com ela juntos e são relevantes para a boa decisão da causa.

3-Entende, portanto, que houve uma errada fixação da matéria de facto, havendo manifesto erro de julgamento, pelo que a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 607º, nºs 2, 3 e 4 do Código do Processo Civil.

4-0 artigo 607º do CPC determina como deve ser estruturada uma sentença. E de acordo com o nº 3 desse normativo, " ... 0 juiz deve discriminar os factos que considera provados ... ". E no seu nº 4 determina: " ... 0 juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou regras da experiência." 5-Numa sentença, a valoração dos factos só pode fazer-se após indicação dos factos provados. O que implicaria no caso presente, discriminar, de entre os factos da resposta de fls. 282 e sgs., os julgados provados e não provados e fundamentação dessa decisão.

6-Assim no cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, a Recorrente vem especificar os pontos de facto que considere incorretamente julgados: O Tribunal "a quo", na sua decisão de facto deu como não provados os seguintes factos: "Que a filha da Insolvente Z reside consigo; que a filha da insolvente tenha um gasto médio mensal de €40,00 com medicamentos"; 7-0ra a aqui Recorrente não aceita tal decisão. Pois estes factos devem ser dados como provados porque foi apresentado a respetiva prova documental e esta encontra-se junta a fls. 282 e ss.

8-Assim face a prova documental produzida nos autos, e face aos documentos juntos a fls. 284, 285 e 294, e ao abrigo do disposto na alínea c), nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, entende a aqui Recorrente que os factos seguintes devem ser dados como provados: "Que a filha da Recorrente, Z, reside com a Insolvente desde 2009”; "Que a filha da Insolvente tem um gasto médio mensal de 40,00€ com medicamentos”; 9-Na sua resposta de fls. 282 e ss, a aqui Recorrente alegou factos que comprovou documentalmente que não foram valorados nem dados como provados por erro de julgamento do Tribunal "a quo" e que são relevantes para a boa decisão desta causa e que deverão ser aditados na decisão da matéria de facto.

10- Assim deverão ser aditados a matéria de factos assentes os seguintes factos: a-Que a filha Z padece de uma doença do foro psiquiátrico apresentando uma sintomatologia compatível com provável perturbação estado-limite da personalidade (D5M-IV¬TR)".Cfr. documento junto a fls 285; b-Que a filha Zulmira não auferiu qualquer tipo de rendimento no ano de 2014.Cfr. documentos juntos a fls. 292 e 317 e ss; c-Que a Insolvente tem atualmente 70 anos, tem doenças crónicas e teve em 2015 despesas médicas e medicamentosas no montante de 398,58€.-Cfr.documentos juntos a fls. 15, 18, 272 e 274; d-A insolvente entregou ao Sr. Fiduciário duas quantias de 30,00€, cada uma, uma em 30.06.2016 e outra em 26.07.2016.- Cfr. documentos juntos a fls. 286 e 286 verso.

l1-Posto isto, entendemos que não foi feita a devida análise crítica da prova (nº 4 do artigo 607º do Código de processo civil).

12-Entende a aqui Recorrente que tal matéria que foi alegada no douto requerimento de fls. 282 e segs. e que foi comprovada documentalmente conforme supra referido deveria ter sido valorado e dada como provada pela Exma. Senhora "a quo". Tal matéria tem a sua relevância para poder aferir do grau de negligência no comportamento da aqui Recorrente no decorrer destes quase 4 anos contados desde 02 Outubro de 2012 (data do trânsito em julgado do despacho inicial que deferiu a exoneração do passivo restante da aqui Insolvente) até 25 de Julho de 2016 (data da apresentação do requerimento da cessação antecipada da exoneração).

13- Acresce ainda que existem factos alegados no requerimento de fls. 282 e segs., que deveriam ter sido apreciados e julgados com base na audição das testemunhas arroladas nesse mesmo requerimento, que não foram ouvidas no processo e que são relevantes para comprovar outros factos alegados e não comprovados documentalmente e que permitem avaliar com objetividade o grau da alegada negligência da aqui Recorrente no cumprimento da sua obrigação de entrega do seu rendimento disponível ao Sr. Fiduciário.

14-Pelo que a douta decisão recorrida enferme de um vício grave - a nulidade.

15-Assim, aquando da apresentação da sua resposta de fls. 282, a aqui Recorrente juntou documentos e ainda requereu a audição de prova testemunhal.

16-0ra, o Tribunal a quo entendeu proferir decisão sem recorrer a audição da prova testemunhal arrolada a fls. 282 e ss. que poderia elucidar e comprovar definitivamente o facto de que a filha Z vive efetivamente com a aqui Recorrente, que a aqui Recorrente assume desde 2014 todas as despesas de alimentação, de medicamentos e despesas correntes da sua filha por a mesma estar desempregada e não ter rendimentos; e que a insolvente tem problemas de saúde e dificuldades financeiras para viver o seu dia a dia.

17- Ao proceder de tal forma, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs 411º, 413º e 607º, nº 5 do CPC, sendo consequentemente nula a decisão, nos termos do disposto no artº 615°, nº1, d) do CPC.

18-Da mesma forma, encontra-se violado o disposto no artº 20º da Constituição da República, nºs 1 e 4; 19-É que, mesmo que considere que a matéria de facto dado como provada não merece reparo - o que não concedemos -, ainda assim não foi feita uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto.

20-Face aos factos supra exarados que devem ser aditados e por isso dados como assentes na decisão de facto ora em apreço, e face aos factos já dados como assentes na douta decisão, todos devem ser valorados juridicamente, sendo certo que, que mesmo só com os factos dados como assentes na douta sentença, estes últimos são suficientes e concretos para afastar que a Recorrente atuou com negligência grave e que a única credora do processo viu...

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