Acórdão nº 118/14.2T9VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | JORGE BISPO |
Data da Resolução | 09 de Outubro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.
RELATÓRIO 1.
No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 118/14.2T9VNF, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – J1 (anterior Secção Criminal da Instância Local), na sequência do determinado por acórdão desta Relação de 09-01-2017, que declarou nula a sentença anteriormente proferida, foi proferida nova sentença, datada e depositada a 23-03-2017, a absolver a arguida, A. C., da prática do crime de injúria, p. e p. pelos arts. 181º e 183º do Código Penal, que lhe era imputado, bem como do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente e demandante S. B..
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Inconformado, este último interpôs o presente recurso, a pugnar pela revogação da sentença, com a condenação da arguida pela prática do referido crime e no pedido de indemnização cível.
Para tanto, formulou as seguintes conclusões que, apesar da sua excessiva e inadequada extensão, se opta por transcrever integralmente[1]: «CONCLUSÕES:
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A Arguida foi absolvida da prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.º, com a agravante do art. 183.º, ambos do C.P.; B) No âmbito de uma reunião com vista a tentar obter-se um acordo para se pôr fim a um pedido de insolvência que o Recorrente tinha requerido contra a empresa da família da Recorrida, para que lhe fossem pagos créditos salariais em atraso; C) O Tribunal considerou que já quase no final da reunião o Recorrente exigiu uma garantia pessoal do pai da Recorrida (sócio maioritário da referida empresa) para aceitar o valor acordado e desistir do pedido de insolvência da empresa; D) Tendo em conta a situação familiar e próxima existente, bem como laboral, em que o Recorrente já trabalhava com o pai da Arguida desde os 16 anos de idade, esta indignou-se com tal pedido e disse-lhe “É isso que querias, és um porco”; E) A digníssima juíza considerou que tal expressão foi expressa uma única vez, já quase no final da reunião, e que não foi de viva voz, como que em resposta ao facto do Recorrente, ter exigido uma garantia pessoal do pai da Recorrida para aceitar o valor acordado e desistir do pedido de insolvência da referida empresa – conforme factos provados nºs 3 e 4 da sentença; F) Ora, discorda-se de semelhante decisão da matéria de facto, que se impugna, uma vez que analisada a prova produzida, nomeadamente as declarações do Assistente (prestadas no dia 18-04-2016, das 12:18:27 às 12:28:43, gravadas no cd do processo n.º 118/14.2T9VNF, da Inst. Local – Secção Criminal – J1, do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga) e da testemunha J. F. (prestadas no dia 18-04-2016, das 12:28:44 às 12:41:21, gravadas no cd do processo n.º 118/14.2T9VNF, da Inst. Local – Secção Criminal – J1, do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga), resulta claramente que a expressão usada pela Recorrida consubstanciada na frase “és um porco”, foi dita mais do que uma vez e de viva voz; G) E que a mesma deu-se logo no início da reunião, após o Recorrente manifestar a intenção de continuar com o processo de Insolvência, se não lhe fossem pagos, integralmente, todos os seus créditos salariais em atraso; H) A renovação da intenção do Assistente de se fazer o julgamento, e, aí, se discutir a insolvência da empresa da família da Recorrida (onde a Arguida também era sócia), caso não lhe fosse paga a totalidade dos seus créditos salariais, foi a causa que levou esta a injuriar o Recorrente e que gerou a sua indignação e revolta; I) Na verdade, de acordo com as regras de experiência comum, é mais provável a Arguida revoltar-se com o facto do Recorrente pretender a insolvência da empresa da família, do que exigir apenas a prestação de uma garantia pessoal do pai da Arguida para se chegar a acordo, o que é normal nestas situações.
J) Da análise das declarações do Recorrente o mesmo refere que a Recorrida proferiu a referida expressão quando o funcionário tinha ido buscar o dossier do processo, e, não, como o Tribunal a quo sustenta na sua sentença, no resumo que faz das suas declarações, quando o funcionário tinha ido buscar 2 cadeiras.
K) O Tribunal a quo refere na sentença recorrida, no resumo que faz do depoimento da testemunha J. F., que a mesma: “Depois de alguma insistência acabou por referir que ouviu tais palavras quando se dirigia para a sala de reuniões”, no entanto a referida testemunha foi perentória ao afirmar que não viu a Recorrida a injuriar o Recorrente, mas que simplesmente a ouviu a proferir tal expressão quando se dirigia para a sala de reuniões.
L) O depoimento da testemunha J. F. não pode ser desvalorizado pelo facto do mesmo não ter presenciado todo o contexto e negociações que decorreram, uma vez que o mesmo ouviu a Arguida a injuriar o Assistente.
M) O depoimento da testemunha Dr. F. S. (prestado no dia 18-04-2016, das 12:45:15 às 13:06:40, gravado no cd do processo n.º 118/14.2T9VNF, da Inst. Local – Secção Criminal – J1, do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga) não pode merecer a credibilidade que lhe atribuiu a Meritíssima Julgadora, uma vez que, o mesmo era o mandatário da firma da Arguida na referida reunião, questionando-se, até, se podia depor.
N) Sendo certo, que, a referida testemunha relata factos que nem sequer coincidem com o depoimento prestado pela Arguida, na extensão das suas declarações (prestadas no dia 18-04-2016, das 12:00:52 – 12:18:26, gravadas no cd do processo n.º 118/14.2T9VNF, da Inst. Local – Secção Criminal – J1, do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga) e, até de certa forma, os contraria; O) O Tribunal de 1ª instância considerou, ainda, que a Recorrida ao proferir tal expressão (chamar de porco ao Recorrente) não o fez com o intuito de o ofender na sua honra, bom nome, consideração e dignidade; P) Ora, não havendo confissão por parte do agente do crime, os elementos psicológicos/internos do tipo de crime só se provam através de factos indiretos, indiciários, externos, e objetivos, tendo em conta as regras de experiência comum do modo normal de agir livre, consciente e de um ser humano penalmente responsável; Q) No presente caso, existem factos externos, indiciários e objetivos que demonstram cabalmente que a Recorrida atuou com o intuito de ofender a honra e denegrir a imagem do Recorrente; R) Nomeadamente, o estado de espírito da Recorrida, que no momento em que insultou o Recorrente era de indignação, revolta e exaltação; S) Assim como, o facto das relações entre o Recorrente e a empresa da família da Arguida, onde esta também era sócia e gerente de facto, nos últimos tempos eram adversas, e que se agravaram a partir do pedido de insolvência da empresa por parte do primeiro; T) Através destes factos externos facilmente se conclui que a expressão injuriosa usada pela Recorrida foi proferida num contexto geral que permite afirmar a sua intencionalidade; U) Mais se refere que, o Tribunal a quo ao dar como provado no facto n.º 4 da sentença que a Arguida chamou de porco ao Assistente e por outro lado ao dar como não provado que essa expressão foi feita com o intuito de ofender a honra e bom nome do Recorrente, cometeu um erro notório e desconforme, na apreciação da prova, nos termos do disposto no art. 410, n.º 2 al. c) do CPP.
V) A Digníssima Juíza do Tribunal de 1ª Instância julgou, também, não provado que a Recorrida sabia que tal conduta era proibida e punida por lei; W) Considerando que, a Arguida, atenta a sua formação académica, por ser licenciada em contabilidade, tendo em conta as regras de experiência e o padrão de homem médio, conclui-se que a mesma não podia ignorar que tal conduta era ilícita e ofensiva da honra e reputação do visado; X) Esta decisão de que ora se recorre, também, padece de um erro notório e desconforme, na apreciação da prova nos termos do disposto no art. 410, n.º 2 al. c) do CPP, uma vez que deu como provado no facto n.º 9 da sentença que a Recorrida era uma pessoa com formação superior, como tal inserida no padrão “do homem médio”, mas por outro lado deu como não provado que a mesma sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Y) A Julgadora de 1ª Instância, no que concerne aos factos não provados, nomeadamente, o intuito da Recorrida ofender o Assistente e o facto de a mesma não saber que a sua conduta era proibida e punida por lei, formou a sua convicção, essencialmente, no teor das declarações da Recorrida, que considerou sinceras, face à humildade com que depôs, às suas condições pessoais e ao contexto de tensão em que a expressão foi proferida.
Z) Tal não é verdade, uma vez que nas suas declarações (prestadas no dia 28-04-2016, das 14:36:13 – 14:38:06, gravadas no cd do processo n.º 118/14.2T9VNF, da Inst. Local – Secção Criminal – J1, do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga) a Recorrida não respondeu com verdade acerca das suas condições sócio económicas.
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Assim como, a existência de um contexto de tensão, não pode servir como justificação para a Recorrida apelidar o Recorrente de “porco”, e a Meritíssima Juiz, a partir daqui, considerar que a mesma não atuou com o intuito de ofender o Recorrente.
BB) O Tribunal de 1ª Instância considerou que a expressão utilizada pela Recorrida não tinha aptidão para atingir a honra e consideração do Recorrente, uma vez que tratar-se-ia de um mero juízo de valor em que se pretendeu exercer o direito à crítica pelo comportamento do Recorrente, não sendo assim, merecedor de tutela do direito penal, conforme referem as motivações de direito constantes da sentença, que a seguir se transcrevem: “B) De Direito 1. Enquadramento jurídico-criminal Se é certo que com tal expressão a arguida quis demonstrar a sua falta de apreço com a atitude do assistente, o certo é que tal afirmação não excede a grosseria, a falta de educação, reprovada até socialmente, mas trata-se de um mero juízo de valor que não tem aptidão para...
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