Acórdão nº 903/14.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL SILVA
Data da Resolução19 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. AA instaurou ação contra BB, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 7.257,26, correspondente ao valor da reparação de um veículo automóvel que a ré lhe tinha contratado, bem como ao custo do parqueamento desse veículo nas suas instalações no período após interpelação da Ré para proceder ao levantamento do veículo.

A Ré contestou parcialmente a factualidade alegada e invocou o cumprimento defeituoso do contrato. Ainda deduziu reconvenção, a qual não foi admitida.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que condenou a Ré a pagar à Autora € 6.027,26 e absolvendo-a do demais peticionado.

2. Inconformada, vem a Ré apelar para este Tribunal da Relação, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1 - Resulta da factualidade provada que as obrigações assumidas pela Autora foram: a) Substituir o motor avariado por um motor novo, incluindo todas as peças acessórias e mão-de-obra necessária – cfr. números 5 e 21 da matéria provada; b) Devolver as peças avariadas – maxime o motor – pois não havia sido convencionada qualquer retoma nem qualquer valoração do motor avariado – cfr. número 22 da matéria provada e os factos não provados indicados nas alíneas b), c) e d); c) Elaborar um relatório técnico detalhado sobre as causas e consequências da avaria do motor – cfr. número 23 da matéria provada; 2 - Resulta ainda do teor da carta que a Ré “BB” enviou à Autora AA, por e-mail de 25 de Junho de 2014, que a AA sabia – em data anterior à aceitação formal das condições de reparação (cfr. ponto 23 dos Factos Provados e doc. 3 junto com a Contestação) – que a reparação em causa não era uma reparação normal, mas sim uma intervenção no quadro de um potencial litígio com o fabricante, pelo que a devolução do motor danificado e o relatório técnico eram condições essenciais do contrato celebrado; 3 - Resulta finalmente da factualidade provada que: a) A Autora não substituiu o motor avariado por um motor novo, mas sim por um motor “recondicionado” (cfr. número 26 dos Factos Provados); b) A Autora não pôs à disposição da Ré, ora Recorrente, nem o motor avariado nem o relatório técnico detalhado sobre as causas e consequências da avaria do motor (cfr. número 29 dos Factos Provados); c) A Autora recusou-se a receber o pagamento de €8.045,38 e impediu a Ré, ora Recorrente, de levantar o veículo (cfr. número 34 dos Factos Provados); 4 - Afirma a Douta Sentença recorrida a propósito da motivação à matéria de facto, que “a única matéria que divide as partes é a que sustenta a excepção do cumprimento defeituoso arguida pela Ré. Ou seja, a questão da retoma do motor avariado e respectivo valor”. Para logo a seguir afirmar que “se na Petição Inicial tivesse referido que a reparação do veículo da ré foi com um motor “recondicionado”, nas condições dadas como provadas, teria permitido um julgamento mais célere”. Afirma ainda a Douta Sentença recorrida que “esta matéria da retoma do motor usado, não obstante a centralidade que a ré lhe atribui no julgamento, não nos parece que possa fundamentar o cumprimento defeituoso posto que a devolução das peças substituídas não constitui elemento paradigmático do programa contratual da empreitada”. E acrescenta, “não se provou que estava acordado entre as partes a devolução do motor velho/avariado (como de resto, na normalidade das coisas, não acontece – ou seja, na reparação por meio de utilização de peças recondicionadas, a devolução das peças substituídas não constitui elemento paradigmático do programa contratual), pelo que não se vê onde esteja o incumprimento por parte da autora”; 5 - É esta a base do raciocínio a partir do qual a Douta Sentença recorrida parte para, no final, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 6.027,26. Esta quantia corresponde à factura pró-forma de 14 de Julho referida no número 25 dos Factos Provados cujo e-mail que a capeava dizia: “novo envio da fatura proforma retificada Motivo: alteração de procedimentos a nível de faturação de peças recondicionadas, por parte da Mercedes-Benz, o que significa na fatura proforma, uma redução de 1625€”; 6 - A primeira divergência com a Douta Sentença recorrida respeita ao ónus da prova; 7 - Estando provado – e alegado pela própria Autora na sua petição inicial – que havia sido convencionado que a reparação consistia na substituição do motor avariado por um motor novo, cabia à Autora alegar e provar que a substituição do motor novo por um motor “recondicionado” resultaria de uma modificação do contrato por mútuo consentimento dos contraentes. A Autora não alegou nem provou tal circunstância; 8 - Devia ainda a Autora ter alegado e provado factos dos quais se concluísse que a instalação de um motor “recondicionado” ao invés de um motor novo não constituía incumprimento do contrato imputável a si. A Autora não alegou nem provou tal circunstância; 9 - Aliás, a Autora não respondeu à matéria da excepção peremptória de não cumprimento, o que implica a admissão por acordo dos factos não impugnados (cfr. artigo 574.º do Código de Processo Civil); 10 - Como a própria Sentença recorrida reconhece, um motor “recondicionado” não é um motor novo. Um motor “recondicionado” é um motor reconstituído com peças em segunda mão, sendo que o Tribunal e a Ré, ora Recorrente, desconhecem qual o uso e número de quilómetros dessas peças – no fundo, qual a sua vida útil restante; 11 - Ao decidir como decidiu – desrespeitando as regras do ónus da prova e considerando que o objecto contratual consistia na substituição do motor avariado por um motor “recondicionado” – violou a Douta Sentença recorrida o disposto nos 342º, 344º, 406º e 799º do Código Civil e nos artigos e 574º do Código de Processo Civil; 12 - A segunda divergência da Ré, ora Recorrente, com a Douta Sentença recorrida respeita também às regras do ónus da prova quanto à devolução do motor avariado – e não “velho” como repetidamente se afirma na sentença; 13 - A Douta Sentença proferida, ao considerar que não se provou que estava acordado entre as partes a devolução do motor velho/avariado (…), pelo que não se vê onde esteja o incumprimento por parte da autora”, violou as regras do ónus da prova; 14 - Com efeito, está provado que a Ré é proprietária do veículo com a matrícula 91- GJ-56 e como tal tem direito de propriedade sobre o motor avariado enquanto sua parte integrante não consumível – artigos 208º e 210º do Código Civil – e goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição do motor avariado e não pode ser privada, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei (cfr. artigos 1305º e 1308º do Código Civil); 15 - Para se desonerar da obrigação de devolver o motor avariado, cabia à Autora – não à Ré – alegar e provar que existiu um acordo translativo do direito de propriedade sobre o motor avariado. A Autora não provou tal acordo (cfr. alíneas b), c) e d) dos factos não provados); 16 - A não devolução do motor não resulta dos usos nem de nenhuma obrigação legal; 17 - Ao decidir como decidiu – e ao considerar que cabia à Autora o ónus de provar a convenção pela qual havia sido convencionada a devolução do motor – violou a Douta Sentença recorrida o disposto nos artigos , 208º, 210º, 342º, 1305º e 1308º do Código Civil e a alínea ee) do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro; 18 - A terceira divergência da Ré, ora Recorrente, com a Douta Sentença recorrida respeita ao incumprimento contratual por parte da Autora. Afirma a Douta Sentença recorrida que “resulta, muito claramente, que a autora cumpriu com a obrigação a que estava adstrita por via do contrato celebrado com a ré”; 19 - No entanto: a) A Autora comprometeu-se a substituir o motor avariado por um motor novo, incluindo todas as peças acessórias e mão-de-obra necessária – cfr. números 5 e 21 da matéria provada – mas ao invés substituiu-o por um motor “recondicionado” - cfr. número 26 dos Factos Provados; b) A Autora devia devolver o motor avariado pois não havia sido convencionada qualquer retoma nem qualquer valoração do motor avariado – cfr. número 22 da matéria provada e os factos não provados indicados nas alíneas b), c) e d) – e, ao invés, enviou-o para o fabricante Daimler AG – cfr. números 29 e 32 dos Factos Provados; c) A Autora comprometeu-se a elaborar um relatório técnico detalhado sobre as causas e consequências da avaria do motor – cfr. número 23 da matéria provada – e não o elaborou – cfr. número 29 dos Factos Provados; d) A Autora sabia da importância e da essencialidade da devolução do motor e do relatório técnico, pois lhe foi desde o início comunicado que a Ré, ora Recorrente, pretendia responsabilizar civilmente o fabricante pelo que considerava ser um defeito de fabrico – cfr. e-mail de fls. 62 e carta em anexo; 20 - As lesões dos direitos da Recorrente são graves e sérias e não foram objecto de qualquer ponderação pelo Tribunal a quo que das mesmas teve conhecimento e deu conta em sede de Sentença Recorrida, não obstante não lhes atribuir qualquer efeito; 21 - Ao decidir como decidiu, violou a Douta Sentença recorrida o disposto nos artigos 406º, 762º, 802º n.º 2 e 1208º do Código Civil; 22 - A quarta divergência da Ré, ora Recorrente, com a Douta Sentença recorrida respeita à excepção de não cumprimento. Não tendo o Tribunal a quo considerado existir incumprimento ou cumprimento defeituoso das prestações a que a Autora se obrigou, naturalmente que considerou também improcedente a excepção de não cumprimento; 23 - Verificou-se recusa de cumprimento da entrega do motor avariado e do relatório técnico – o que equivale ao incumprimento – e cumprimento grosseiramente deficiente da obrigação de substituição do motor avariado; 24 - Ficou demonstrado também que o pagamento deveria ocorrer contra o levantamento da viatura reparada e cumprimento das demais obrigações acessórias, mas de grande importância no interesse da Ré (cfr. nº 34 dos...

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