Acórdão nº 1927/14.8TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO 1) Se os articulados oferecidos apresentarem insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que justifiquem a prolação de despacho pré-saneador, tem lugar um convite ao aperfeiçoamento fáctico das peças apresentadas; 2) Trata-se de um despacho vinculado e não discricionário, cuja omissão é suscetível de gerar nulidade.

***** Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. A) M veio intentar ação com processo comum contra A e Reu M, m. id. como Reu M, onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência: 1) Declarar-se que a autora é legítima e exclusiva dona e proprietária do prédio descrito no ponto 8º da petição; 2) Os réus condenados: a) a reconhecer e respeitar o direito de propriedade da autora e abster-se da prática de qualquer ato que colida ou afete esse direito; b) a restituir a parcela de terreno da autora que o 1º réu considerou como sua e cedeu ao domínio público, à 2ª ré; c) no pagamento das custas e demais encargos legais.

Para tanto alega, em síntese, a autora, que é dona e possuidora de um prédio que descreve que adquiriu por compra, em 09/069/1986, a J, através de escritura lavrada a fls. 49 a 51, do Livro nº 7-C do Cartório Notarial de Lousada.

O réu M apresentou contestação, onde conclui entendendo dever a ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, ser o réu absolvido do pedido.

Por outro lado, o réu A veio apresentar contestação onde entende dever ser julgada procedente por provada a exceção de ilegitimidade passiva deduzida, absolvendo-se o réu da instância ou, se assim não se entender, ou se esta ilegitimidade vier a ser sanada, ser a ação julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se o réu do pedido contra ele deduzido em 2) b), sendo que as custas deverão ficar a cargo da autora, já que relativamente aos pedidos por ele deduzidos em 1) e 2) a), nunca os mesmos foram por ele questionados ou violados.

* A fls. 104 foi proferido o seguinte despacho: A presente ação encontra-se configurada como uma ação de reivindicação, pelo que, para a sua procedência, carece a autora de alegar factos demonstrativos da aquisição, por si, do direito de propriedade invocado.

São modos de aquisição do direito de propriedade, entre outros, o contrato e a usucapião (cfr. art. 1316.º CC), constituindo a primeira um modo de aquisição derivada e a segunda um modo de aquisição originária: assim, no primeiro caso o proprietário sucede no domínio da coisa àquele que anteriormente o exercia enquanto que no segundo caso, o proprietário adquire esse domínio sem que haja qualquer intervenção de terceiro, não estando, pois, essa aquisição dependente de outras circunstâncias que não as da posse do direito de propriedade mantida por certo lapso de tempo (cfr. art. 1287.º CC).

Ora, porque a sucessão no domínio da coisa apenas se pode verificar se e na exata proporção em que o cedente exercia tais poderes (nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet), e porque as mais das vezes impossível se torna tal demonstração, quem se arroga proprietário de um bem deve alegar factos tendentes à demonstração da aquisição originária desse prédio.

In casu tal alegação não foi feita.

Acresce que a parcela de terreno de que a autora se arroga proprietária não se encontra minimamente identificada, sendo que a junção de documentos não desonera as partes da alegação dos factos que tais documentos apenas visarão demonstrar.

Assim sendo, notifique a autora para em 10 dias, querendo, se pronunciar sobre a eventual ineptidão da petição inicial, ante o disposto no art. 186.º/2/al. a) CPC (falta da causa de pedir que sustente o pedido formulado).

* Notificada, veio a autora apresentar o requerimento de fls. 107, onde refere não se poder conformar com o despacho proferido, porque identificou o prédio de que é proprietária, como resulta dos artigos 8º a 12º da petição inicial, pelo que não existe o fundamento de ineptidão invocado, até porque, analisada a contestação dos réus, verifica-se que os mesmos e, desde logo, o réu A, entendeu o alcance da petição inicial apresentada, pelo que não deveria proceder a ineptidão e, entendendo-se que a autora não especificou bem a parcela de terreno cuja roga, deverá haver lugar ao expediente previsto no artigo 590º nº 2 alínea b) e nº 4 do Código de Processo Civil – o convite ao aperfeiçoamento dos articulados.

* A) Foi proferido o despacho de fls. 125 a 126, onde consta: Da ineptidão da p.i.

Nos termos do disposto no art. 186.º/2 CPC, diz-se inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (al. a)), quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir (al. b)) ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (al. c)).

A ininteligibilidade pode residir quer na formulação do pedido (não se sabe exatamente o que o A. pretende) quer na fundamentação do pedido (o pedido é em si inteligível mas não se alcança qual o fundamento invocado para a sua fundamentação); verifica-se contradição entre o pedido e a causa de pedir “Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas”, pois que em tal situação “teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada.” É que “a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e significado duma conclusão; a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão.” (REIS, José Alberto dos, “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, pág. 381).

Como resulta do disposto no art. 498.º/4 CPC, a causa de pedir é o facto jurídico que fundamenta certa pretensão.

Apesar de a lei utilizar o enunciado linguístico “facto jurídico”, o certo é que o mesmo deverá ser interpretado como facto produtor de efeitos jurídicos e não facto juridicamente qualificado.

Com efeito, e como se lê no Ac. STJ de 06.11.1984 in BMJ341, págs. 385ss, “A causa de pedir não é a norma invocada pelo autor, a categoria legal, o facto jurídico abstrato que a lei configura, mas o facto real que concretamente se alega...

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