Acórdão nº 3113/15.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1- Os contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, não podem ser, no domínio da lei atual, objeto de denúncia pelo senhorio, mediante comunicação prévia ao arrendatário, nos termos do artigo 1110.º, al. c), do Código Civil.

2- O arrendatário, tal como o proprietário, devem abster-se de produzir, a partir do prédio em que habitam, ruídos que violem o direito ao sossego e boa vizinhança daqueles que os rodeiam.

3- A violação desse dever é suscetível de fundamentar a resolução do contrato de arrendamento, por parte do senhorio.

4- No entanto, essa resolução só pode ser decretada se tal incumprimento for grave em si ou nas suas consequências. Caso contrário, o comportamento pode ser violador dos apontados direitos, mas não suficiente para decretar a extinção do contrato.

* Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório 1- F, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M, alegando em breve resumo, que por carta registada com aviso de receção datada de 19/03/2013, comunicou à Ré que o contrato de arrendamento para habitação que mantinha com a mesma cessava, por denúncia, no dia 20/03/2015.

Todavia, a A. não lhe entregou o locado e continuou a habitá-lo, nele praticando factos violadores do sossego e boa vizinhança, que descreve.

Por isso mesmo, entende que este é motivo de resolução do referido contrato.

Assim, pede que se julgue provada a referida denúncia ou, caso assim não se entenda, se considere provada a citada resolução e, em qualquer caso, se condene a Ré a entregar-lhe o locado, livre de pessoas e bens, e a pagar-lhe as rendas que se vençam na pendência desta ação até aquela entrega.

2- Contestou a Ré, refutando esta pretensão, porquanto nem a denúncia foi válida, nem a resolução ora invocada tem fundamento.

Pede, assim, a improcedência desta ação e a condenação da A. como litigante de má-fé.

3- Em resposta, a A. impugnou os fundamentos deste pedido.

4- Supervenientemente, a A. veio ainda alegar novos factos pretensamente integradores da causa de resolução por si invocada, o que a Ré também impugnou.

5- Terminados os articulados e a instrução da causa foi proferida sentença que julgou a presente ação improcedente e absolveu a Ré do pedido.

6- Inconformada com esta sentença, dela recorre a A., concluindo a sua motivação recursiva nos termos seguintes: “Da denúncia: • O contrato de arrendamento foi celebrado de forma verbal com o primitivo arrendatário, pai da Recorrida em data não posterior a 1981, tendo aquele falecido em 5-10-2002.

• Fazendo uso das normas transitórias, constantes do artigo 26º, 28º, 57º e 58º da Lei 6/2006, o Tribunal considerou que a denúncia efetuada pela Recorrente não poderia proceder, já que era de aplicar a norma do artigo 57º, isto é, o arrendamento celebrado com data anterior a 1990, transmitiu-se em 2002 para a filha, ora Recorrida.

• Todavia, a norma do artigo 57º, apenas prevê que haja transmissão do arrendamento nas circunstâncias ai melhor referenciadas.

• No caso concreto e tratando-se de filha, regem as als. d) e e) do nº 1, que apenas prevê a transmissão para os filhos: i) com menos de 1 ano de idade, ii) ou que convivessem com o arrendatário há mais de 1 ano e fosse menor de idade, ou tendo idade inferior a 26 anos e frequente o 11º ou 12º de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior.

• Não foram alegados nenhum destes factos para obstar à denúncia, apenas alegou a recorrida que, sendo o contrato com data não posterior a 1981, o mesmo se transmitiu para a Recorrida em 2002, por força da morte do seu pai e como tal o regime previsto no artigo 1101º al. c) do código civil, não se aplica, por força daquelas normas transitórias.

• A recorrida nasceu em 15-10-1960. Tendo casado em 26-3-1983, divorciou-se em 23-7-2003. Ou seja, à data do óbito do seu pai, primitivo arrendatário, tinha 42 anos de idade e por isso não preenchia os requisitos que obstassem á denúncia.

• O artigo 28º/2 da lei 6/2006, manda desaplicar a norma do artigo 1101 al. c) do código civil a contratos celebrados antes da vigência do RAU, todavia tal pressupunha que não tivesse havido transmissão do arrendamento, o que não foi o caso.

Da resolução: • Em face dos factos dados como provados encontram-se reunidos os requisitos para que fosse procedente o pedido formulado e ser decretado o despejo, por violação da al. a) do nº 2 do artigo 1.083º do código civil.

• O Tribunal desvalorizou o facto de a Recorrente ser pessoa de 73 anos, viúva, Mãe de 6 filhos e avó, que vive sozinha e que não consegue impor-se e mesmo defender-se perante a Recorrida sua sobrinha e bem assim o filho desta, bastante mais nova que, em total desrespeito pela regras básicas de educação, cidadania e vizinhança, com constantes berrarias com o filho, gera desassossego e perturbação, com uso de linguagem imprópria e mesmo obscena, sendo constantemente desrespeitada pela sua sobrinha, ora recorrida, que a trata, entre outros de” filha da puta “, “ vai para a puta que te pariu “, “ vai levar no cu “ ( cfr 29 dos factos assentes ).

• O Tribunal apesar de considerar tais comportamentos, perturbadores do sossego da Recorrente, entende porém, não constituirem factos graves, geradores de incumprimento contratual.

• Não faz parta da normalidade da vida que nas relações de vizinhança se devam tolerar comportamentos como aqueles que se provaram e muito menos que a Recorrente seja obrigada a suportar com o barulho e incómodos próprios de discussões frequentes havidas entre a recorrida e seu filho, as quais acabam em gritarias e linguagem obscena. Seja obrigada a suportar a agressividade própria dessas discussões ao ponto do filho dizer à mãe que a ia matar, ao mesmo tempo que, em altos brados, a apelidava de “puta”.

• As regras da experiência comum é que nas relações de vizinhança: se disponha de silêncio, não se perturbe com o volume de som excessivo das televisões e rádios, não se arrastem móveis, não haja constantes ou frequentes discussões, o filho não diga que a mãe é puta e que haja entre estes frequentes discussões, a sobrinha/recorrida não trate a Tia/recorrente de puta.

• Refere o Tribunal que existiam insultos de parte a parte e a corroborar essa prova existe uma queixa apresentada pela Recorrida contra a Recorrente. Ora essa queixa, sem mais nada, não é mais do que o de o depoimento da Recorrida que quando prestado no Tribunal, de nada valeu, como consta da sentença, mas se prestado à autoridade policial, parece que já merece relevo para o Tribunal.

• O Tribunal considerou não provados os factos constantes das als. e), f), j), k), m), u), da sentença, todavia quer a vizinha, F quer a filha da recorrente, M, confirmaram esses factos, sendo que a vizinha é a única pessoa próxima das habitações da recorrente e recorrida e por isso se impugna a matéria de facto.

• Foi violado o disposto na al. a) do nº 2 do artigo 1.083º e o disposto no artigo 1101º. al.c) do Código Civil”.

Pede, assim, que se conceda provimento ao presente recurso e se revogue a sentença recorrida, condenando-se a Ré a ver decretado o despejo e a entregar-lhe o locado.

7- A Ré respondeu em apoio do julgado.

8- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la.

*II- Mérito do recurso 1- Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1, do Código de Processo Civil), é constituído pelas seguintes questões fundamentais:

  1. Em primeiro lugar, saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto nos termos pretendidos pela Apelante; b) Em segundo lugar, determinar se pode ser legitimada a denúncia do contrato de arrendamento pela senhoria; c) E, por fim, decidir se o referido contrato pode ser declarado resolvido, pelos fundamentos invocados pela Apelante.

    *2- Fundamentação 2.1- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos: 1. A Autora é dona e legitima proprietária de um prédio urbano composto de andar e rés-do-chão, situado na Rua do Coto, Nº …, freguesia de Mascotelos, Guimarães, o qual se encontra inscrito na matriz urbana sob o artigo ….º.

    1. ...

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