Acórdão nº 5405/16.2T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO: Inconformada com o despacho de admissão liminar do processo especial de revitalização requerido por “AA”, a credora “BB” interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: O despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que indefira liminarmente o requerimento inicial apresentado pela devedora ACF, pelo seguinte: I. No dia 21/05/2012, a devedora ACF – AA deu entrada em juízo do 1º PER, que correu seus termos no 3º Juízo Cível do extinto Tribunal de Braga, sob o processo nº 36, plano esse que foi homologado por sentença datada de 20/11/2012.

  2. Perante a iminência de ser requerida a sua declaração de insolvência por qualquer um dos seus credores, no dia 16/02/2015, veio a devedora, dar entrada de um segundo PER, o qual foi homologado por sentença de 09/07/2015.

  3. Foi proferida decisão sumária pelo Tribunal da Relação de Guimarães decidindo pela inadmissibilidade e indeferimento liminar do segundo PER, em 18/06/2015.

  4. Não obstante a acima referida douta decisão, em 28/07/2015, foi proferida sentença pelo Tribunal a quo que homologou o 2º plano de revitalização, fazendo assim tábua rasa da decisão do Tribunal da Relação.

  5. A devedora ACF incumpriu o plano de pagamentos a que se obrigou, quer no âmbito do 1º, quer do 2º PER.

  6. Face ao incumprimento do plano de pagamentos aprovado no 2º PER, e por forma a obstar à instauração de qualquer acção de cobrança de dívida, a devedora apresentou-se a um terceiro PER, em 05/09/2016.

  7. Quer o 2º quer o 3º PER correm seus termos na 2ª Secção de Comércio do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, sendo por isso do Tribunal do juiz a quo, conforme aliás resulta de informação contida no despacho de que se recorre “a informação de que corre na 2ª Sec. Comércio – J1 um PER sob o n.º 139 em que é requerente a aqui devedora, instaurado em 07/02/2015, tendo sido proferida sentença homologatória do plano, a qual transitou em julgado em 18/08/2015”.

  8. O artigo 612º do CPC consagra um princípio segundo o qual as partes não se podem servir do processo para conseguir um fim proibido por lei.

  9. O juiz do tribunal a quo, como guardião da legalidade, deveria e deve, averiguar se a devedora preenche os requisitos para utilização do processo especial de revitalização.

  10. As normas contidas nos artigos 17º-A a 17º-I devem ser interpretadas de forma sistemática, sendo que os artigos conjugados 17º-A, n.º 1 e o n.º 2 do 1º do C.I.R.E., devem ser interpretados como verdadeiros pressupostos processuais, só podendo recorrer ao PER as sociedades que preencham os requisitos aí referidos.

  11. O julgador não pode abster-se de apreciar liminarmente a petição inicial, devendo verificar, ainda que de forma indiciária, se os pressupostos estão preenchidos.

  12. A requerente deve comprovar na petição inicial a sua situação económica difícil ou de insolvência eminente, pelo que, o juiz deverá ter elementos suficientes para averiguar se estão preenchidos os pressupostos indispensáveis à utilização do procedimento.

  13. No caso sub judice, verificando-se que não estão preenchidos os pressupostos legalmente exigíveis para o recurso ao PER, estaremos perante uma excepção dilatória inominada, que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.

  14. Além de que, estamos ainda perante a excepção de caso julgado, posto que ocorre a tripla identidade, de sujeitos, pedido e causa de pedir, que refere o artigo 581º do CPC.

  15. Sendo as exceções dilatórias de conhecimento oficioso, deveria o tribunal a quo, ter conhecido das excepções e ter indeferido liminarmente a petição inicial, nos termos conjugados dos artigos 576º n.º 2, alínea i) do artigo 577º, 578º e 590º todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ao caso por remissão do artigo 17º do C.I.R.E.

  16. Verificando-se que não estão preenchidos os pressupostos legalmente exigíveis para a utilização do processo, deveria o Tribunal a quo ter indeferido liminarmente o requerimento inicial apresentado.

  17. Acresce que a interpretação da palavra “imediatamente” contida no disposto no artigo 17º- n.º 3, não pode ser literal, pois tal implicaria um despacho de mera citação, em detrimento, sem qualquer razão de ser, da verificação da legalidade.

  18. O julgador deve ainda, sob pena de estar a praticar actos inúteis, fazer um juízo de prognose, verificando, com os elementos à sua disposição, se o fim último do procedimento, ou seja, a homologação do plano poderá proceder.

  19. Admitir que o julgador deve abster-se de averiguar a legalidade do recurso ao procedimento em causa, está, por um lado, a admitir a violação pelo tribunal do seu dever de bem administrar a justiça e de evitar a prática de actos inúteis, e, por outro, a dar um consentimento tácito a uma verdadeira “fraude à lei”, a um notório abuso de direito, e ainda a permitir que uma parte faça um uso anormal do processo, solução que deve ser rejeitada, sob pena de estarem a ser violadas as normas contidas nos artigos 5.º, 6.º e 612.º todos do Código de Processo Civil.

  20. Tendo o julgador, ab initio, razões e fundamentos para recusar a homologação do plano nos termos do artigo 215.º e 216.º do C.I.R.E., deverá igualmente proferir despacho de indeferimento liminar.

  21. No presente caso, é notório que a devedora ao recorrer ao PER, violou de forma não negligenciável, com as regras procedimentais aplicáveis ao PER, nomeadamente por desrespeitar os princípios contidos na Resolução do Conselho de Ministros, que devem ser acatados pela devedora por remissão do n.º 10 do artigo 17º-D do C.I.R.E.

  22. Uma sociedade comercial que já beneficiou de DOIS planos especiais de revitalização, devidamente homologados e que não os conseguiu cumprir, não pode, sem culpa, desconhecer que qualquer plano que apresente, ab initio, já não será credível.

  23. Igualmente não pode, sem culpa, desconhecer que está a atuar em manifesto abuso de direito e fraude à lei.

  24. Logo, no presente caso é notório que o (eventual) plano jamais poderá ser homologado, quer pela aplicação do artigo 215º do C.I.RE., quer pela aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 216º do C.I.R.E., uma vez que, grande parte dos credores, se não todos, ficarão, caso venha a ser aprovado novo plano, em situação previsivelmente menos favorável que actualmente, não se podendo esquecer que já foram anteriormente afectados nos seus direitos de crédito.

  25. Não é admissível e resulta manifesta perversão da lei que uma sociedade comercial utilize o procedimento em causa pela segunda vez, ou terceira, ou quarta e por aí em diante, após ter beneficiado – e incumprido anteriormente o mesmo procedimento.

  26. A devedora, embora tenha tido no seu primeiro plano um perdão dos seus débitos e uma forma facilitada de pagamento, ainda assim não cumpriu com o mesmo, e, pelo contrário, abusivamente, não satisfeita com a primeira benesse, não só deixou de dar a sua contrapartida, como recorreu novamente ao mesmo procedimento em busca de novas benesses.

  27. Porém ao longo do procedimento beneficiou dos sucessivos PER´s para obter créditos que utilizou discricionariamente.

  28. Não é admissível que uma sociedade recorra de forma indeterminada ao PER, por ser totalmente contrária e perversa ao fim do procedimento, pretendendo tão só de forma ilegal a exoneração do seu passivo em prejuízo dos demais credores e do tecido empresarial e social.

    A devedora contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    * II. OBJECTO DO RECURSO: Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso...

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