Acórdão nº 292/15.0T8VPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório M. V.

instaurou a presente acção declarativa comum contra A. V.

pedindo: - a declaração de que não é filha do falecido J. V. para todos os efeitos legais e que o registo da paternidade que ora se impugna seja declarado nulo e cancelado ao abrigo do disposto no art.º 1848.º do Código Civil, ordenando-se em consequência o cancelamento do registo da paternidade; - a declaração de que é filha biológica de A. V., aqui réu, e que assim sempre foi reconhecida e tratada por este, e consequentemente, - que seja determinado o averbamento dessa filiação paterna ao assento de nascimento da autora, e também da avoenga paterna cfr. art. 1º, nº 1, al. b), 69º, nº 1, al. b) e 130º todos do Código de Registo Civil.

Alegou, em síntese, que, na sequência da absolvição do réu no âmbito do proc. nº 86/14.0T8VPA, vem, ao abrigo do disposto no art. 279º do C.P.C., apresentar nova petição inicial pretendendo aproveitar os efeitos civis derivados da propositura da acção alegando nova causa de pedir, a saber, a cessação do tratamento como filha que ocorreu na pendência daquela acção e que aí não foi invocada. Mais refere não ser filha de J. V., mas de A. V., o qual sempre a tratou como tal até Janeiro de 2015, e assim tem sido sempre reputada pelo público.

*O réu contestou deduzindo a excepção de caso julgado referindo que a causa de pedir e o pedido dos vertentes autos são equivalentes aos do Proc. nº 86/14.0T8VPA no qual já foi proferida transitada em julgado.

*A autora pronunciou-se pela improcedência da excepção.

*Foi junta aos autos certidão extraída do proc. nº 86/14.0T8VPA. *Em Audiência Prévia a autora apresentou articulado superveniente alegando, em resumo, que, num momento prévio à citação do réu, a irmã deste afirmou que este não estava em condições de “assinar nada” sendo que eventual doença do foro psiquiátrico possa estar na origem da cessação do tratamento da autora como filha, tudo factos que importa aditar à causa de pedir.

*Foi proferida decisão de indeferimento liminar do articulado superveniente com a seguinte argumentação: “In casu, atesta-se linearmente que os factos aduzidos supervenientemente pela Autora não possuem pertinência directa com o objecto nuclear dos autos (a alegada relação de paternidade), curando-se de vicissitudes que extravasam a causa de pedir, pelo que se postula a rejeição liminar do peticionado.” No despacho saneador, em sede de apreciação da excepção de caso julgado, foi proferida decisão que reproduzimos na íntegra: “Da excepção de caso julgado O Réu A. V., em sede de contestação, alegou, designadamente, a excepção de caso julgado, enunciando que a causa de pedir e o pedido dos vertentes autos são equivalentes à causa de pedir e ao pedido do Proc. n.º 292/15.0 T8VPA.

*A Autora exerceu o direito ao contraditório, propugnando a improcedência da excepção.

*Em consonância com o preceituado no art.º 619.º/1 do Código de Processo Civil, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa a decisão sobre o processo fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º e 702.º do CPC.

Em decorrência do estatuído no art.º 621.º do Código de Processo Civil., a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.

O caso julgado prefigura-se, assim, como a insusceptibilidade de impugnação ordinária de uma decisão judicial decorrente do seu trânsito em julgado, sendo uma exigência da boa administração da justiça, e uma expressão da segurança e certeza jurídica, postulados nucleares da ordem jurídica (vd. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 569).

O caso julgado, estribando-se em motivações de certeza e segurança juridica, divisa-se em: (i) caso julgado formal, externo ou de simples preclusão, o qual consistem em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário; (ii) e o caso julgado material ou interno, que se reconduz no facto da definição judicial da relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial (vd. Manuel Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Reimpressão, 1993, p. 304 e ss.).

De harmonia com o preceituado nos artigo 580.º e 581.º, do Código de Processo Civil, a excepção do caso julgado tem como pressuposto a repetição de uma causa decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, repetindo-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

A excepção do caso julgado tem como objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art.º 580.º/2 do CPC).

Densificando as variáveis constitutivas de caso de julgado, em conformidade com o preceituado no art.º 581.º/2 a 4 do Código de Processo Civil., temos que: (1) há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; (2) há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; (3) há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.

A chamada força ou autoridade reflexa do caso julgado também pressupõe, tal como a excepção do caso julgado, a tríplice identidade prevista no artigo 581.º do Código de Processo Civil.

Na verdade, na esteira de José Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, pp. 92 e ss.), enuncia-se que a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado comungam dos mesmos pressupostos.

Neste sentido, o caso julgado exerce duas funções: (i) uma função positiva, fazendo valer a sua força e autoridade, ao abrigo do princípio da exequibilidade; (ii) e uma função negativa, impedindo que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal, configurando a excepção de caso julgado (idem).

No que tange aos limites objectivos do caso julgado, este entretece, desde logo, a parte decisória da sentença, e os seus fundamentos de direito, ao abrigo da causa petendi.

Sublinhe-se que, em sede do processo declarativo, a petição inicial constitui o acto nuclear do processo em que o autor formula a sua pretensão material/processual, conformando a instância subjectivamente, com a adstrição das partes, e objectivamente, com a delimitação da causa de pedir e do pedido, os quais são pressupostos substantivos da petição inicial (vd. A. A. Santos Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Almedina, p. 118 e seguintes).

O pedido, como efeito jurídico intentado pelo autor, deve efectivar os seguintes requisitos: (i) existência: deve consubstanciar a manifestação inequívoca de vontade tendente a um determinado resultado, permitindo que o tribunal se possa pronunciar e proferir uma decisão revestida da força emergente de caso julgado, pelo que a petição será inepta se não positivar o efeito jurídico visado pelo autor; (ii) inteligibilidade: não se admitem pedidos confusos, indecifráveis e obscuros; (iii) precisão e determinação: exige-se uma concreção do peticionado; (iv) compatibilidade com a causa de pedir: o pedido deve prefigurar uma conclusão lógica, a nível silogístico, decorrente da premissa ínsita na causa de pedir; (v) compatibilidade substancial entre pedidos; (vi) licitude (vd. António Santos Abranges Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, I vol., 2.ª edição, Almedina, p. 123 e seguintes).

No que tange à causa de pedir, a mesma é entendida como o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, em consonância com o preceituado no art.º 581.º/4, do Código de Processo Civil, preceito que acolhe a denominada teoria da substanciação, segundo a qual o autor carece de articular os factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se visa mediante o processo civil (vd. A. Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma de Processo Civil, I volume, p. 193).

A causa de pedir deve positivar os seguintes pressupostos: a) existência (art.º 186.º/2, al. a) do Código de Processo Civil); b) Inteligibilidade (idem); c) facticidade, revelada fundamentalmente através da alegação de factos da vida real em vez de puros conceitos; d) concretização, evitando a simples afirmação conclusiva ou carregada de um sentido puramente técnico-jurídico; e) compatibilidade com o pedido ou com outras causas de pedir alegadas em termos de acumulação real; f) juridicidade, reportando-se a factos jurídicos; g)...

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