Acórdão nº 8180/12.6TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelEDGAR GOUVEIA VALENTE
Data da Resolução29 de Outubro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 – Relatório.

No Processo Especial de Revitalização nº 8180/12.6TBBRG, que corre termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Braga, o Mmº Juiz a quo proferiu (em 31.05.2013) despacho recusando homologar o plano de recuperação aprovado nos autos, nos termos do artº 17º-F, nº 5 e 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE): Inconformada com tal decisão, dela veio interpor recurso a requerente (“P.., Lda.”), sintetizando a respectiva alegação com as seguintes conclusões (transcrição): “1ª - À luz da redacção do nº 2, do art. 30º, da LGT, o carácter de indisponibilidade de que participam os créditos tributários não se reveste de carácter absoluto, admitindo-se, expressamente, nesse normativo, a possibilidade de os mesmos serem reduzidos ou, inclusive, extintos, bastando para tanto que se mostrem respeitados os princípios da igualdade e da legalidade tributária aí referidos; 2ª - Sendo que em nenhum momento é reclamado pelo art. 30º da LGT ou por qualquer outra disposição contida naquele ou noutro qualquer diploma legal, designadamente no CIRE, que a admissibilidade da redução dos créditos tributários esteja dependente do consentimento do credor afectado; 3ª - Por isso que em sede de um processo de insolvência, mormente no âmbito de um PER, é possível promover, com ou sem o voto favorável do Estado (aqui se compreendendo o ISS, IP e a Fazenda Nacional), a aprovação de um plano de recuperação que preveja a redução dos créditos por ele detidos sobre o devedor, desde logo porque, nessa sede, estão assegurados os dois requisitos acima enunciados e os únicos reclamados pelo legislador para que se mostre possível promover a redução dos créditos tributários sobre o insolvente, a saber: o princípio da igualdade e o princípio da legalidade tributária; 4ª - O princípio da legalidade mostra-se cumprido tendo em conta que o CIRE foi aprovado no âmbito, na sequência e no cumprimento da Lei de autorização legislativa nº 39/03, de 22.8 e que os artigos referentes ao PER foram aditados ao CIRE por força da Lei nº 16/2012, de 20 de Abril – vd., art. 165º, nº 1, da CRP.

  1. - Não tendo em nenhum daqueles diplomas sido previsto um qualquer regime excepcional para os créditos fiscais por contraposição aos demais créditos sobre o devedor que integrassem o seu passivo, nomeadamente, no que dissesse respeito à aprovação de um plano de recuperação e à impossibilidade de aqueles créditos fiscais, contrariamente aos demais, poderem ser, de algum modo, reduzidos como medida necessária à recuperação e viabilização económico-financeira da empresa devedora; 6ª - Salientando-se que o PER foi instituído na sequência das obrigações assumidas pelo Estado Português no âmbito do memorando de entendimento celebrado entre a República Portuguesa e o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional no quadro do programa de auxílio financeiro a Portugal, com vista a ser possibilitada uma efectiva recuperação e viabilização das empresas em dificuldade económica; 7ª - Por outro lado, o cumprimento do princípio da igualdade é, como é sabido, um dos pressupostos essenciais da elaboração e aprovação de um plano de recuperação e o mesmo só se cumpre se o Estado e os créditos que este detém sobre a empresa devedora forem colocados no mesmo plano daqueles e, à semelhança dos créditos detidos pelos demais credores da empresa devedora, poderem estar sujeitos a uma medida que imponha a sua redução – vd., art. 194º, nº 1 do CIRE; 8ª - Sendo certo que um plano de recuperação tem como fim último alcançar a viabilização e recuperação da empresa, com vista à sua manutenção em actividade, sempre no respeito da satisfação dos interesses dos seus credores, cuja vontade é soberana na sorte do processo cabendo-lhes decidir a melhor solução a adoptar com vista ao cumprimento desse desiderato – cfr., art. 1º e 17º-A do CIRE; 9ª - Sendo que o plano de recuperação aprovado pela maioria qualificada dos votos emitidos dos credores do devedor, se impõe aos demais credores, aqui se incluindo o Estado, mesmo que tenham votado contra ele – cfr., art. 17º-F, nº 6, do CIRE 10ª - Tanto mais que no âmbito de um PER o Estado passa a ser um mero credor da empresa, com o mesmo estatuto, sujeito às mesmas regras e em pé de igualdade com os demais credores, sob pena de, se assim não fosse, ficarem à partida seriamente comprometido os propósitos de recuperação das empresas que animam o CIRE; 11ª - Para lá de que no caso de a empresa entrar em liquidação, o produto da venda do património será rateado entre todos os credores na proporção dos respectivos créditos; 12ª - Acrescente-se ainda que o legislador no âmbito da insolvência quando teve o propósito de excepcionar determinados créditos da possibilidade de serem objecto de uma redução, fê-lo expressamente – cfr., art. 196º, nº 2, do CIRE; 13ª - À luz do exposto, é manifesto que a intenção do legislador foi a de conferir o mesmo tratamento a todos os demais créditos sobre a empresa devedora, aqui se incluindo os tributários, os quais, assim, são passíveis de serem reduzidos no âmbito de um PER mesmo sem a anuência do respectivo credor; 14ª - Nos presentes autos o plano de recuperação aprovado pelos credores respeita integralmente o princípio da igualdade, não tendo sido estabelecidas condições mais gravosas para o Estado do que para os demais credores – vd., plano de recuperação aprovado que aqui se dá por integrado e reproduzido - e todos os contribuintes que se encontrem numa situação equivalente à da recorrente e cuja viabilização económico-financeira reclame um perdão dos créditos tributários e uma moratória no seu pagamento tal como previsto no plano de recuperação aprovado nos presentes autos, podem – devem – beneficiar de uma medida semelhante, pelo que se tem que dar por cumprido nos presentes autos o princípio da igualdade reclamado no art. 30º, nº 2, da LGT; 15ª - O direito ao trabalho consagrado no nº 1 do art. 58º da CRP, carrega ao Estado obrigação de desenvolver políticas de pleno emprego e criar as necessárias condições para o acesso e manutenção dos postos de trabalho e, nessa medida, cumpre-lhe viabilizar um plano de recuperação que se destina a manter em actividade uma empresa e os respectivos postos de trabalho, mesmo quando daí possa resultar a redução dos créditos tributários detidos sobre a empresa; 16ª - Para a mesma conclusão concorre ainda o interesse económico na viabilização da empresa, da qual, para lá do Estado, podem beneficiar os demais credores da empresa, os seus clientes e os seus proprietários; 17ª - Seja, designadamente, porque a empresa prosseguindo a actividade poderá efectuar o pagamento dos montantes estabelecidos no plano de recuperação, seja porque poderá gerar mais receitas fiscais fruto da continuação da sua actividade; 18ª - Defender-se, como sucede na decisão recorrida, que os créditos tributários são, à luz do disposto no art. 30º, nº 2, da LGT, indisponíveis e ao mesmo tempo afirmar-se que os mesmos podem ser, com o consentimento dos respectivos credores, afectados pelas medidas previstas num plano de recuperação, traduz uma contradição nos próprios termos e convoca a nulidade da decisão proferida – cfr., art. 668º, nº 1, al. c), do Cód. Proc. Civil; 19ª - Na douta decisão recorrida não são especificadas as razões de facto e de direito pelas quais o Tribunal a quo não considera verificados os princípios da igualdade e da legalidade tributária previstos no art. 30º, nº 2 da LGT, o que constitui falta de fundamentação da decisão proferida e convoca a sua nulidade – cfr., art. 668º, nº 1, al. b) do Cód. Proc. Civil; 20ª - O entendimento dos arts. 30º, nº 2 e nº 3 da LGT e do art. 125º da Lei nº 55-A/2010 professado na douta decisão recorrida, no sentido de se considerarem indisponíveis os créditos tributários detidos pelo ISS, IP e pela Fazenda Nacional perante a recorrente, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade plasmado no art. 13º, nº 1, da Constituição da República e do princípio da proporcionalidade ínsito no art. 2º, e 18º, n 2 da CRP; 21ª - No que respeita ao plano prestacional relativo ao pagamento das dívidas à Fazenda Nacional, a remissão para o art. 196º do CPPT concretiza o número de prestações em que se pretende pagar o crédito em causa e, a indicação em alternativa da constituição e uma hipoteca judicial ou a prestação de uma garantia bancária como garantia do pagamento da dívida em causa, permite alcançar a garantia a ser prestada que, sempre e em qualquer caso, terá de ser idónea para o fim em equação; 22ª - Na decisão recorrida violaram-se as disposições legais supra citadas.” Conclui, pugnando pela revogação da decisão proferida, que, na sua óptica, deve ser substituída por outra que homologue o plano de recuperação aprovados pelos credores da recorrente.

    Foram oferecidas pelo MP contra-alegações, onde se pugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.

    O Mmº Juiz a quo proferiu, ao abrigo do disposto no artº 670º, nº 1 e 5 do CPC, despacho sobre as invocadas nulidades, indeferindo as mesmas. (fls. 399/400) Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos, cumpre apreciar e decidir.

    2 – Questões a decidir.

    Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº...

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