Acórdão nº 1002/13.2TBVCT-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Outubro de 2013
Magistrado Responsável | ANT |
Data da Resolução | 10 de Outubro de 2013 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório; Recorrente (s): A..; ***** A… requereu, oportunamente, a declaração do seu estado de insolvência e a exoneração do passivo restante.
Tendo sido admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo, foi de seguida proferido despacho sobre a cessão do rendimento disponível do devedor nos seguintes termos: “Veio a insolvente A… deduzir o incidente de exoneração do passivo restante alegando em síntese que preenche todos os requisitos e condições exigidas nos artigos 236º e ss do CIRE, requerendo que seja fixado no valor equivalente a três vezes o salário mínimo nacional a exclusão do rendimento disponível, considerando que as despesas correntes do agregado familiar ascendem a cerca de €360,00 e o rendimento disponível que ronda os €640,00.
(…) Para o efeito desde já se consideram apurados os seguintes factos: a) a requerente é professora do 1º ciclo, auferindo um vencimento mensal ilíquido de € 2. 121,46; b) sobre tal vencimento, para além dos descontos legais, incidia uma penhora que implica um desconto mensal de €488,10; c) o marido da devedora encontra-se desempregado; d) em despesas correntes de água, electricidade e gás a requerente suporta o montante mensal de €280; e) as propinas da filha dependente ascendem aos €990,00 anuais.
Analisadas as várias alíneas do nº 1 do art. 238º do C.I.R.E., verifica-se inexistir qualquer motivo de indeferimento liminar, pelo que nos termos do disposto no artigo 239º, nº1 e nº2 do CIRE, determina-se que durante os cinco anos de período de cessão ali previsto, o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir se considere cedido ao fiduciário, cabendo-lhe ainda cumprir as obrigações previstas no nº4 do artigo 239º, sob pena de cessação antecipada do respectivo procedimento.
Para os efeitos do artigo 239º, nº3, al. b)CIRE considera-se que para sustento minimamente digno da devedora e do seu agregado familiar, em função dos factos apurados supra elencados, é necessária a quantia correspondente a duas vezes a retribuição mínima mensal, como propugnado pelo Sr. AI”.
Inconformada com esta decisão, veio a requerente/devedora interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações apresenta as seguintes conclusões:
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A Recorrente foi declarada insolvente por sentença de 10 de Abril de 2013.
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Por despacho do tribunal a quo, o montante excluído do rendimento disponível a ceder ao fiduciário foi fixado no equivalente a duas retribuições mínimas mensais (€ 970,00).
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O seu agregado familiar é constituído pela própria, pelo cônjuge e por uma filha dependente estudante do ensino superior.
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A satisfação das despesas do agregado é da sua exclusividade responsabilidade porquanto o cônjuge está desempregado.
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As despesas correntes do agregado em água, electricidade e gás rondam os € 280,00.
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Sem considerarmos as despesas de alimentação, vestuário, transportes e material escolar da filha, estudante de Direito.
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O agregado mora numa casa que lhes foi expropriada em 2005, por favor concedido pela Câmara Municipal de Viana do Castelo.
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Já receberam várias ordens de despejo, a última das quais em Dezembro de 2012.
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A indemnização pela expropriação foi imediatamente entregue a credores bancários.
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Perspectiva-se uma iminente necessidade de pagar uma renda.
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O rendimento per capita do agregado ronda os € 323,33.
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Aquele valor é claramente inferior à retribuição mínima mensal.
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A retribuição mínima mensal corresponde ao valor mínimo considerado equitativo para uma sobrevivência condigna.
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A fixação de um rendimento per capita inferior àquele valor não assegura a protecção da dignidade da pessoa humana, princípio basilar do nosso Estado de Direito, violando o art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 2, 2.ª parte, do art.º 824.º do CPC.
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Impõe-se que seja excluído do rendimento disponível a ceder ao fiduciário um valor nunca inferior a duas retribuições mínimas mensais e meia, ou seja, €1.212,50 (mil duzentos e doze euros e cinquenta cêntimos).
Pede que seja alterada a decisão recorrida nos termos sobreditos.
Foram apresentadas contra-alegações pelo Digno Magistrado do MºPº, pugnando pela confirmação do julgado.
II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar; O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685º-B, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC).
A questão suscitada pela Recorrente prende-se com a interpretação da norma do art. 239º, nº 3, al. b) i), do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), nomeadamente, se a decisão que fixou como rendimento disponível duas vezes o salário mínimo nacional deve ser revogada, por ser insuficiente para cobrir os encargos mensais da devedora e seu agregado familiar, devendo corresponder ao montante não...
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