Acórdão nº 73529/10.0YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução10 de Outubro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório A…, LDA., intentou processo de injunção, agora transmutado numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias com valor superior ao tribunal da 1ª instância, prevista no art.º 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08, contra B…, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 14.950,88 (capital: € 14.176,40; juros de mora: € 723,48 e taxa de justiça: € 51,00).

Alega, em síntese, que forneceu e instalou um elevador na habitação da requerida, a solicitação desta, serviços expressos nas facturas nºs 90155, com vencimento em 10/07/2009, no valor de € 10.620,00 e nº 90162, com vencimento em 27/07/2009, pelo valor de € 3.540,00 e nota de débito nº 90009, com vencimento em 04/05/2009, pelo valor de € 16,40, todas elas vencidas e não pagas, não obstante as sucessivas interpelações que para tanto vem sendo efectuadas à requerida.

A Requerida, deduziu oposição, invocando, em síntese, que contratou a instalação de um elevador destinado a ser utilizado pelo seu marido, portador de uma incapacidade permanente global de 99% e uma incapacidade motora de 95%, para este se poder deslocar dentro da sua habitação que compreende um piso de rés-do-chão e três andares, o que transmitiu expressamente ao responsável da requerente. Nas negociações foram-lhe apresentadas algumas propostas de modelos, tendo a requerida optado por uma delas, conforme proposta junta como doc. nº 2 com a oposição. Optou por esse modelo porque a outra alternativa possível implicaria uma manutenção mensal no valor de euros 40,00, sendo que a única diferença entre os modelos é que o que não exigia a manutenção, sem lhe ter sido prestados quaisquer outros esclarecimentos. Nunca lhe foi explicado que para pôr em marcha o elevador, o utilizador teria que premir de forma permanente o botão correspondente ao piso pretendido. Se tal lhe tivesse sido explicado, nunca optaria por esse modelo, porquanto o seu marido devido às limitações que possui, não consegue utilizar um elevador que opere com o referido sistema.

A requerida formulou, ainda, pedido reconvencional.

Por despacho proferido a fls. 61 foi julgada inadmissível a reconvenção.

Foi realizada perícia ao elevador.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente.

A requerida não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, onde ofereceu as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida nos autos, que julgou procedente a acção e condenou a Recorrente a pagar à Autora € 14 176,40, acrescidos de juros de mora a contar da data de vencimento de cada uma das facturas e nota de débito em causa até efectivo e integral pagamento.

São as seguintes as razões da discordância da Recorrente: 2. O contrato em referência nestes autos não poderá deixar de ser considerado como um contrato entre profissionais e consumidores, nos termos e para os efeitos previstos nos n.º 1 e 2 do art. 1.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que regula a venda de bens de consumo (e cujo regime abrange, também, por força daquele n.º 2, os bens de consumo fornecidos no âmbito de contrato de empreitada ou qualquer outra prestação de serviços).

  1. Resulta dos factos provados que o equipamento em causa se destinava a permitir obviar às “dificuldades de locomoção” do marido da Ré, a quem é “praticamente impossível” a “utilização autónoma das escadas”.

  2. Resulta também da factualidade provada que o fim a que o equipamento se destinava não foi alcançado, na medida em que “O marido da requerida, pela sua fragilidade física, uma vez que mexe uma das mãos com muita dificuldade, não pode utilizar autonomamente um elevador que opere com um sistema de “pressão constante”.

  3. O art. 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro, estabelece que “O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.” 6. A al. b) do n.º 2 daquele dispositivo legal, por sua vez, determina que se presumem “não conformes com o contrato” os bens de consumo que não sejam “adequados ao fim específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado”.

  4. A Recorrente entende que, por estar em causa um equipamento que não cumpre com o fim a que se destina e que foi comunicado à Recorrida aquando da celebração do contrato, a falta de conformidade com o contrato se presumia, por força do disposto na al. b) do n.º 2 do art. 2.º do Decreto- Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro.

  5. Presumindo-se a falta de conformidade, forçosa se tornava a conclusão de que, ao contrário do que se afirmou na decisão recorrida, a Autora violou a obrigação de entregar um bem conforme com o contrato, imposta pelo n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro.

  6. Nesse sentido, ao concluir que a Autora não incumpriu nenhuma obrigação, o Tribunal recorrido fez uma incorrecta subsunção dos factos provados ao direito aplicável e violou as disposições do art. 2.º, n.º 1 e 2.º , al. b) do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro.

  7. O incumprimento do contrato conferia à Ré, como efectivamente confere, a faculdade de recusar a sua prestação enquanto a Autora não efectuasse a que lhe competia – fazer os trabalhos necessários a uma utilização autónoma do ascensor pelo marido da Recorrente: cfr. art. 428.º, n.º 1 do Cód. Civil.

  8. Por força do exposto, a decisão recorrida violou também a disposição do n.º 1 do art. 428.º do Cód. Civil.

  9. Não foi provado que a Autora não explicou à Ré o que era um sistema de pressão constante, mas também não se provou que a Autora explicou um tal funcionamento à Ré.

  10. O Tribunal recorrido concluiu que não se provou que a Ré não foi esclarecida sobre o funcionamento do sistema de “pressão constante” fez impender sobre ela as consequências dessa não prova – ou seja, por outras palavras, concluiu que o ónus da prova dessa falta de comunicação era da Ré, e não da Autora.

  11. O contrato em referência nos autos é, pela sua natureza, um contrato de adesão – veja-se a pág. 3 do doc. n.º 2, junto com a p.i.

  12. Por força do estatuído no art. 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, impendia sobre a Ré a prova da comunicação à Ré das condições previstas no clausulado contratual e, concretamente, a prova de que esclareceu a Ré relativamente ao modo de funcionamento de um sistema de pressão constante.

  13. Os termos “pressão constante” e “col. descida simplex” não são, salvo melhor opinião, termos compreensíveis para o cidadão comum e, mais concretamente, para a Ré, que é pessoa com mais de 70 anos de idade e não é pessoa letrada, no sentido em que não frequentou estudos superiores.

  14. Nessa medida, dizer-se que o cidadão comum – ou, no limite, uma pessoa idosa e não letrada -, compreende o sentido e alcance da expressão “sistema de pressão constante” parece, salvo melhor opinião, uma conclusão que não tem correspondência com a realidade da vida.

  15. As consequências da não prova da comunicação sobre o funcionamento do sistema de pressão constante não podem ser assacadas à Ré, mas antes à Autora, precisamente por força do disposto no art. 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que estabelece que “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.

  16. Não tendo a Autora provado que esclareceu a Ré sobre o modo de funcionamento de um sistema de pressão constante, deveriam ter-se por excluídas as cláusulas contratuais respeitantes a esse sistema, por força do preceituado no art. 8.º, al. a) do citado diploma, que dá por excluídas dos contratos singulares “as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5.º”.

  17. Nessa medida, ao fornecer um equipamento com sistema de pressão constante, que ademais não é passível de ser utilizado autonomamente pelo marido da Ré, a Autora violou as obrigações assumidas perante aquela.

  18. E se assim é, forçosa se torna a conclusão de se impunha a procedência da excepção de não cumprimento, invocada pela Ré, nos termos acima expostos, diferindo-se o pagamento da quantia peticionada para momento em que a Autora leve a cabo os trabalhos necessários a uma utilização autónoma do equipamento pelo marido da Requerente.

  19. A decisão recorrida violou, além do mais, as disposições dos arts. 5.º, n.º 3 e 8.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

  20. O vencimento de uma obrigação de pagamento pressupõe a alegação e prova, em alternativa, de algum dos seguintes factos: - de um acordo das partes, no sentido de que a obrigação tem prazo certo ou se vence, por exemplo, “a 30 dias”, ou - de que o devedor foi interpelado pelo credor para pagar.

  21. De acordo com o disposto no art. 777.º, n.º 1 do Cód. Civil, o vencimento da obrigação pressupunha a alegação e prova do momento em que a Autora exigiu da Ré o pagamento das facturas acima referidas.

  22. Basta uma leitura sumária dos factos provados para se concluir que nenhum desses factos – de que dependia o vencimento da obrigação – resultou provado em sede de audiência de julgamento.

  23. Não tendo sido demonstrada a data da interpelação da Ré para pagamento, não pode deixar de se considerar que essa obrigação se venceu com a interpelação, resultante da citação para esta acção, e que será esse, e não outro, o momento em que se venceu a obrigação de pagamento.

    De resto e em jeito de conclusão, interessa dizer o seguinte: 27. O vencimento de uma obrigação não é um facto, mas uma conclusão que resultaria da alegação dos factos acima referidos.

  24. Dar como provada a existência de facturas, “com vencimento” em determinada data – al. c) dos factos provados -, é dar como provada uma conclusão, e não um facto, que como tal deve ter-se por não escrita, o que impõe a...

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