Acórdão nº 986/10.7PCBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, I – RELATÓRIO 1. Nestes autos de processo comum 986/10.7PCBRG do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga após a realização da audiência de julgamento por tribunal singular, e por sentença proferida em 4 de Julho de 2012, o arguido José G...
sofreu condenação pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p. pelos arts 153º nº1 e 155º nº1 a) CP na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de seis euros e cinquenta cêntimos e pela prática de uma contra-ordenação de detenção ilegal de arma p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts 2º nº 1 e) e nº 3 ae), 3º nº 2 n) e nº 9 h) e 97º nº 1 da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção introduzida pela Lei nº 12/2011, de 27/04, na coima de quatrocentos e cinquenta euros.
Na mesma sentença, o tribunal julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Severino T... e, em consequência, condenou o demandado José G... a pagar ao demandante a quantia de € 700,00 (setecentos euros), à qual acrescerão juros legais à taxa de 4%, contados desde a data da presente sentença, até integral pagamento 2.
Inconformado, o arguido interpôs recurso pedindo a revogação da sentença condenatória, quer na parte crime, quer na acção civil enxertada.
O Ministério Público, representado pela magistrada no Tribunal Judicial de Braga, apresentou resposta concluindo que a sentença deve ser mantida.
O demandante civil formulou igualmente resposta para afirmar, em síntese, que as conclusões do recurso interposto são totalmente infundadas pelo que não devem merecer acolhimento.
O recurso foi admitido, por despacho judicial 29-10-2012, com o efeito devido.
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Neste Tribunal da Relação de Guimarães, onde o processo deu entrada a 31-10-2012, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu fundamentado parecer, onde suscita a ocorrência do vício decisório de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada uma vez que falta na sentença recorrida a enumeração dos factos que traduzam a falta de consciência da ilicitude não censurável, estando indevidamente incluído tal conceito naquela enumeração.
Seguidamente, o arguido apresentou resposta ao parecer do Ministério Público reiterando o alegado na motivação do recurso.
Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e do juiz adjunto e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO 4. Questão prévia Vem o arguido-demandado recorrer, além do mais, da condenação no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de setecentos euros.
Prescreve o artigo 400.º n.º 2 do Código de Processo Penal que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada e estabelece o artigo 24.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) que em matéria cível a alçada dos tribunais de 1ª instância é de € 5000 (cinco mil euros).
A quantia peticionada inicialmente (2000 €) já se continha claramente na alçada do tribunal recorrido e o valor que veio a ser fixado na sentença é manifestamente inferior a metade da alçada do tribunal de primeira instância, pelo que a decisão neste âmbito é irrecorrível.
O recurso não deveria ter sido admitido nesta parte e agora não pode prosseguir.
Sendo inquestionável que anterior decisão neste âmbito não constitui caso julgado formal, nem vincula o tribunal superior (artigo 414.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal), impõe-se a rejeição liminar do recurso na parte que se restringe à acção civil enxertada (exposta ao longo das conclusões “R” a “AA”).
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Questões a decidir Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde sintetiza as razões da discordância do decidido e resume as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).
As questões a apreciar, por terem sido suscitadas pelo recorrente e pelo Ministério Público são as seguintes, pela ordem lógica de conhecimento: a) Vício decisório da insuficiência da matéria de facto para a decisão (parecer do Ministério Público); b) Vício decisório da contradição insanável da fundamentação (conclusões I, J, L); c) Preenchimento do tipo de crime de ameaça (conclusões M, N, O, P, Q); d) Dosimetria da pena (conclusão AB), e e) Censurabilidade do erro quanto à ilicitude da detenção da arma (conclusões C, D, E, F, G e H).
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Matéria de facto Para a fundamentação da presente decisão, torna-se imprescindível, antes de mais, transcrever parcialmente a sentença objecto de recurso.
O tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto: “1. No dia 29 de Julho de 2010, cerca das 14h30m, o arguido José G... circulou num veículo automóvel marca Mercedes, próximo do pavilhão industrial pertença de “S... & L..., Ldª”, sito no Lugar de Outeiro, em Nogueira, Braga, munido com uma arma de alarme, calibre 8 mm, com um cano de 6 cm, de percussão central e platinas em plástico de cor preta.
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Assim que avistou Severino P..., com quem se encontrava desavindo devido a relações comerciais que existiram entre a sociedade comercial S... & L..., Ldª, da qual o demandante é sócio gerente, e a sociedade comercial “B... – Empresa Metalúrgica, Lda, o arguido decidiu atemorizá-lo.
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Em conformidade com tal decisão, o arguido José G... imobilizou o veículo, abriu a janela e apontou a arma a Severino P... ao mesmo tempo que, em tom sério, afirmou “Esta que está aqui, é para ti!” 4. A arma que o arguido exibiu tem a configuração de uma arma de fogo, sendo exteriormente semelhante e por isso susceptível de criar a convicção que se destinava a disparar projécteis de tiro real.
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Perante a natureza das palavras proferidas e as potencialidades letais que atribuiu à arma que lhe foi apontada, Severino P... temeu que, em data posterior, o arguido viesse a atingir a sua integridade física e vida, concretizando o mal anunciado, o que lhe causou intranquilidade e desassossego.
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Nos dias imediatamente subsequentes, quando teve necessidade de se deslocar à noite entre a sua residência e a fábrica por si gerida, passou a fazê-lo com cuidados redobrados, evitando andar sozinho e pedindo a seu filho, Tiago P..., que o acompanhasse.
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O arguido não tinha nem tem licença para deter armas de alarme.
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Não obstante e intencionalmente, desde pelo menos 29-7-10 até 29-12-10, data em que foi realizada busca domiciliária à sua residência sita no nº2 da Rua de C..., nesta cidade, o arguido deteve consigo a arma marca BBM modelo 315 Auto, calibre 8 mm, com um cano de 6 cm, de percussão central e platinas em plástico de cor preta, destinada unicamente a produzir um efeito sonoro semelhante ao produzido por uma arma de fogo no momento de um disparo, a qual podia ser convertida em arma de fogo mediante uma intervenção mecânica modificadora e que guardava, à data da busca, numa gaveta da secretária do escritório da sua habitação.
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Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido detinha 2 munições de alarme de calibre 8 mm, sem projéctil e destinadas exclusivamente a produzir um efeito sonoro no momento do disparo.
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O arguido José G... agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a expressão por si proferida, acompanhada do gesto de exibir uma arma aparentemente igual a uma arma de fogo, era adequada a provocar medo ou inquietação e a prejudicar a liberdade de determinação de Severino P... e quis fazê-lo, bem sabendo que a sua conduta era proibida.
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Ao deter sem autorização a descrita arma de alarme e respectivas munições, agiu o arguido José G... em livre manifestação de vontade no propósito concretizado de deter e guardar tais objectos, mas sem consciência da ilicitude contra-ordenacional da sua conduta.
Mais se provou: 12. O arguido José G... não tem antecedentes criminais.
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É metalúrgico, auferindo mensalmente cerca de €540,00.
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É casado.
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A esposa encontra-se desempregada, auferindo de subsídio de desemprego €386,00 mensais.
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Tem dois filhos (de 29 e 15 anos de idade), um deles a cargo.
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Vive em casa própria.
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O demandante Severino P... é metalúrgico, auferindo mensalmente €750,00.
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É casado.
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A esposa aufere mensalmente €550,00.
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Não tem filhos a cargo.
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Vive em casa própria, encontrando-se a amortizar um empréstimo, pagando €220,00 mensais.” Quanto à matéria de facto não provada, consta na sentença recorrida: “Não se provou que, actualmente, o ofendido ainda...
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