Acórdão nº 15691/09.9IDPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelANA TEIXEIRA E SILVA
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes, em conferência, na Secção Penal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Os arguidos JOÃO G... e ERNESTO R... vieram interpor recurso da sentença que pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105º, nº1, do RGIT, os condenou nas penas de 150 dias de multa a €5,00 diários.

Os arguidos apresentaram as seguintes conclusões:ARGUIDO JOÃO G...

  1. – O recorrente não cometeu o crime p. e p. pelo art.º 105º, n.º 1 do RGIT. Na verdade, 2ª – Só a partir de 30 de Setembro de 2008 a gerência da sociedade arguida passou a ser exercida de facto pelo recorrente.

  2. – A acta de renúncia e nomeação de gerente só foi registada em 10 de Novembro de 2008.

  3. – O montante de IVA exigível diz respeito a facturas emitidas em 2008-07-07, 2008-07-22 e 2008-08-05.

  4. – A declaração periódica de IVA é relativa ao 3º trimestre de 2008 (2008/09T – Julho a Setembro).

  5. – Não sendo o recorrente naquele período gerente da firma, não foi nem podia ser ele a deduzir (reter) o IVA a entregar à Administração Tributária.

  6. – Não era ele o depositário daquelas importâncias e, como tal, não se apropriou de qualquer quantia referente ao IVA.

  7. – A sociedade nunca fez pagamentos de IVA e contabilisticamente não entrou dinheiro em caixa.

  8. – O recorrente nunca deu ordem para remeter a declaração periódica de IVA em 14 de Novembro de 2008 e a contabilista remeteu a declaração preenchida do IVA como sempre fazia.

  9. – Estava, assim, o recorrente impossibilitado do cumprimento da obrigação de entrega das prestações tributárias.

  10. – A não entrega à Administração Fiscal da prestação tributária tem que ser uma falta dolosa.

  11. – Essa não entrega não é punível a título de negligência. E, 13ª – a mera impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime de abuso de confiança em relação à Administração Fiscal.

  12. – A situação de não entrega da prestação tributária continua a ser aproximada da do crime de abuso de confiança p. e p. pelos art.ºs 205º a 207º do Código Penal, ou seja, 15ª – continua a ser um crime contra o património, cuja consumação ocorre com a apropriação ilegítima de coisa móvel alheia entregue por título não translativo de propriedade.

  13. – Não se encontra preenchido o tipo objectivo e subjectivo do tipo legal deste crime – abuso de confiança fiscal.

  14. – Assim, a M.ª Juíza a quo, na douta sentença recorrida violou o disposto no n.º 1 do art.º 105º do RGIT, art.º 14º e art.º 205º do Código Penal.

ARGUIDO ERNESTO R...

  1. - O conceito de gerência pressupõe a prática pela mesma pessoa de quatro categorias.

  2. - São elas: planear, organizar, liderar e controlar.

  3. - Sem a prática destas categorias, globalmente, não se pode falar em gerência.

  4. - Resulta dos depoimentos transcritos (a que o Tribunal "a quo") dá relevância, que o arguido ERNESTO R... não configurava as 4 categorias.

  5. - Pelo que não poderia o Tribunal dar como provado que o mesmo era gerente.

  6. - Acresce que, em momento algum as testemunhas afirmam que o arguido ERNESTO R... era gerente, pelo que o Tribunal incorre num manifesto erro de julgamento.

  7. - Uma vez que as testemunhas, indicando outras pessoas (Fernando E... e Joaquim Silva), as referem como gerentes.

  8. - Pelo que também aqui, existe manifesto erro de julgamento.

  9. - A descrição que a sentença faz do conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, na realidade, disseram as testemunhas.

  10. -Os recebimentos e pagamentos eram efectuados por outras pessoas que não o arguido; 11º - Os dados e indicações para a cessão de quotas foram fornecidos por essas outras pessoas, cuja existência o tribunal reconhece.

  11. - Pelo menos uma delas, contrariamente ao que consta da sentença, está identificada nos autos.

  12. - Também aqui existe manifesto erro de julgamento.

  13. - O Tribunal confunde a exigibilidade do imposto, com o momento da sua liquidação, para efeitos criminais.

  14. - Independentemente do momento da exigibilidade do imposto, o que releva para efeitos penais, é a não entrega, total ou parcial, da prestação tributária deduzida nos termos da lei; 16º - No momento em que o imposto, nos termos dos artigos 7º, 8º e 22º do CIVA, é exigível, o sujeito passivo ainda não está apto a saber se é devedor ou credor de tal imposto, uma vez que ainda faltará apurar o imposto de IVA suportado e que será deduzido ao recebido.

  15. - Razão pela qual o artigo 105º do RGIT remete o momento da prática do crime para a entrega da DP (Declaração Periódica); 18º - O arguido deixou de ser sócio e gerente da sociedade arguida em 30 de Setembro de 2008; 19º - A DP foi entregue a 14 de Novembro de 2008; 20º - O recorrente, à data de entrega da DP e respectiva liquidação do imposto, não era sócio nem gerente da sociedade, não tendo qualquer poder de decisão sobre o pagamento ou não do imposto.

  16. - Pelo que, contrariamente ao constante da douta sentença - fls. 12 -, não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de "Abuso de confiança fiscal" p.p. pelo artigo 105º do RGIT. Uma vez que já não era legal representante da empresa arguida.

  17. - Por tudo o exposto, de facto e de direito, impunha uma decisão diversa, designadamente a absolvição do arguido ERNESTO R....

O Ministério Público respondeu, pugnando pela manutenção da sentença, na íntegra.

Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido: da improcedência do recurso do arguido JOÃO G...; e da procedência do recurso interposto pelo arguido ERNESTO R... e consequente absolvição.

II – FUNDAMENTOS 1. O OBJECTO DO RECURSO.

As questões de alvitrada apreciação são as seguintes: 1ª) o não preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do crime pelo arguido JOÃO G...; 2ª) a responsabilidade criminal do arguido ERNESTO R...; 3ª) a impugnação da matéria de facto respeitante ao exercício da gerência de facto da sociedade “Sportime, Lda.” por parte do arguido ERNESTO R....

  1. A SENTENÇA RECORRIDA.

    Encontra-se provada a seguinte factualidade (no que agora interessa): “Sportime, Lda”, sociedade comercial de responsabilidade limitada, NIF/NIPC 507964527, com sede na Av. Manuel Xavier, nº 88, Caminha, foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, tendo como objecto social a “assessoria, gestão e representação de jogadores e treinadores de futebol e de outras modalidades desportivas, bem como de clubes e sociedades desportivas; gestão e organização de eventos de carácter desportivo e cultural, bem como de espaços da mesma área; publicidade, marketing e divulgação de eventos desportivos e culturais, por meio de audiovisuais de comunicação; aquisição parcial ou total de direitos de publicidade, imagem e desportivos de praticantes da mesma área; comércio, indústria e representação de artigos e materiais para desporto e lazer.” Encontra-se colectada para o exercício da actividade a que corresponde o CAE 82990 “Outras Actividades de Serviços de Apoio Prestados às Empresas, NE”, pelo Serviço de Finanças de Caminha e é sujeito passivo do Imposto sobre o Valor Acrescentado, enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral.

    Por força do início da actividade, a arguida sociedade ficou vinculada ao cumprimento das obrigações que, na qualidade de contribuinte, lhe cabem perante a Administração Fiscal.

    Desde a data da constituição da sociedade, a sua gerência foi legalmente atribuída a ERNESTO R... e João António Rolaça Valada, até 1.10.2007 e, desde dessa data até 30 de Setembro de 2008, exclusivamente, a ERNESTO R..., o qual nessa data renunciou à gerência.

    No período de tempo em que o arguido ERNESTO R... foi sócio-gerente da sociedade arguida, na gestão comercial e financeira da referida sociedade intervieram terceiros alheios à sociedade, que agiram mediante a supervisão que o arguido ERNESTO R... considerou justificar-se, nomeadamente quanto ao exercício das obrigações fiscais da empresa.

    A partir de 30 de Setembro de 2008, a gerência foi legalmente atribuída a JOÃO G..., tendo este passado a decidir sobre todos os assuntos ligados à sua gestão comercial e financeira, nomeadamente quanto ao exercício das obrigações fiscais da empresa.

    Relativamente às operações realizadas no âmbito da sua actividade, a sociedade arguida remeteu para a Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, em 14.11.2008, a declaração periódica de IVA relativa ao 3º trimestre de 2008 (2008/09T- julho a setembro de 2008), desacompanhada do respectivo meio de pagamento, no montante de € 15.969,26 (quinze mil novecentos e sessenta e nove euros e vinte e seis cêntimos) de imposto a entregar ao Estado.

    Este montante de IVA, exigível, resulta da diferença entre o imposto liquidado pela sociedade arguida nas facturas emitidas em 2008-07-07, com o nº 12, a que corresponde o IVA liquidado de € 1.400,00; 2008-07-22, com o nº 13, a que corresponde o IVA liquidado de € 15.000,00 e em 2008-08-05, com o nº 14, a que corresponde o IVA liquidado de € 1.000,00, perfazendo o montante de IVA liquidado de € 17.400,00, e o imposto por si suportado e dedutível naquele período.

    Os montantes supra referidos foram apurados pelos serviços de Fiscalização Tributária, com base nos elementos da contabilidade da sociedade arguida que confirmaram o montante de IVA liquidado na declaração periódica apresentada.

    O montante de IVA exigível, assim apurado e efectivamente cobrado aos clientes, tinha como data limite prevista para a sua entrega o dia 15.11.2008.

    Por motivos não apurados, os arguidos não procederam à entrega de qualquer quantia até essa data ou nos noventa dias seguintes ao termo do prazo legal de entrega daquela prestação e também não o fizeram...

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