Acórdão nº 74/12TAVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelANA TEIXEIRA E SILVA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

PROCESSO Nº 74/12.1TAVLN.G1 Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO A assistente “C.... – COMÉRCIO DE CONGELADOS, LDA.” veio interpor recurso da decisão instrutória da Mmª JIC de Valença, de não pronúncia do arguido CARLOS V... pela prática do crime de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º e 218º do CP.

A assistente formula as seguintes conclusões: 1º Tal como decorre da decisão instrutória, a Meritíssima Juiz de instrução, por entender que, da prova produzida, quer em sede de inquérito, quer em sede de instrução, não resultou minimamente indiciado que o arguido tivesse usado de “astúcia”, e que tivesse omitido que os cheques em questão estivessem a ser emitidos sobre as suas contas pessoais e não da sociedade, até porque, no seu entendimento, a assistente disso, teria, necessariamente de ter conhecimento, se não antes, ao menos no momento em que, pelo arguido, lhe foram entregues, já que, neles, figura o nome deste, e mesmo que assim não fosse, tal circunstância, por si só, não seria suficiente para integrar os elementos objectivos e subjectivos integrantes da prática do crime de burla, acabou por proferir despacho de não pronuncia do arguido.

  1. Com tal entendimento, não se conforma a assistente.

  2. É que, está já, devidamente indiciada, nos autos, a prática, pelo arguido, do crime de burla qualificada.

  3. De facto, se a conduta adoptada pelo arguido, no caso em apreço, não é passível de consubstanciar a prática desse redito crime, caso é para que nos questionemos, que conduta, ou condutas, é que, então, a poderão integrar? 5º Tendo em conta o que dispõem os artºs 217º e 218º, ambos do Cód. Penal, e a factualidade apontada em 10. da MOTIVAÇÃO, dada aqui por reproduzida, e que, reafirma-se, fortemente indiciada está nos autos, estão por demais preenchidos, quer os elementos objectivos, quer os elementos subjectivos, do ilícito em causa.

  4. Indícios esses, desde logo decorrentes, dos documentos de fls. 65-69, 70-73 e 28-39, das declarações dos legais representantes da assistente, de fls. 56-57, 59-60 e 62-63, e até mesmo das declarações do arguido, prestadas no âmbito da instrução, gravadas no sistema de gravação digital disponível no Tribunal, o qual confessou tudo quanto em 12. da MOTIVAÇÃO se diz, e que, também aqui, por razões de economia processual, se dá como reproduzido.

  5. E se é certo que, o arguido, na mira de intentar justificar o injustificável, disse que, os legais representantes da assistente, sabiam que os cheques em causa eram emitidos sobre contas pessoais dele, importa não esquecer que esses legais representantes, que são 3 (três), nas declarações prestadas em sede de inquérito, afiançaram que, quando o arguido emitiu e lhes entregou os falados cheques, de todo desconheciam tal circunstância, nenhuma razão havendo para que se dê maior credibilidade às declarações daquele, em detrimento destas, e, em razão disso, não submeter, o arguido, a julgamento.

  6. E, não se argumente, como se fez na decisão instrutória recorrida, que a assistente, de tal facto, teria de ter conhecimento, se não antes, ao menos no momento da entrega dos referidos cheques pelo arguido, na medida em que neles, no lugar do titular da conta bancária, figurava, não o nome da sociedade devedora, mas do arguido.

  7. De facto, um tal argumento, não colhe, não pode colher, até porque se, por um lado, a assistente não sabia, nem tinha obrigação de saber, se o arguido tinha poderes para obrigar a sociedade devedora, por outro, o facto de, nos cheques, figurar o nome do arguido, não invalida que a conta sobre as quais estivessem a ser emitidos, fosse titulada pela sociedade devedora, até porque o arguido, dela, também é sócio.

  8. Além disso, importa não esquecer que, o crime de burla pode ser cometido através de actos concludentes, sendo que, dentro destes, e tal como se pode ler no Ac.da Relação de Guimarães de 23.01.2012, proferido no âmbito do processo nº 471/08.7GAVVD, www.dgsi.pt, podem enquadrar-se as condutas praticadas no domínio da negociação ou contratação que, violando as regras da boa fé, negocial, ocultam a (real) vontade por parte do agente de não cumprir a obrigação assumida.

  9. Atento, por um lado, o mais que se pode ler no redito douto acórdão da Relação de Guimarães, e que se transcreve em 19. da MOTIVAÇÃO, e, por outro, o que a esse propósito (burla realizada através de actos concludentes), refere Almeida Costa, in. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 304/305, que outrossim se transcreve em 20. da MOTIVAÇÃO, dando-se, aqui, tudo, por reproduzido, manifesto é, e pelo que se diz em 22. e 23., também da MOTIVAÇÃO, aqui, outrossim, dado por reproduzido, poder, o caso em apreço, subsumir-se à burla realizada através de actos concludentes.

  10. Estão, pois, in casu, preenchidos, e a nosso ver, sobejamente, os elementos objectivos e subjectivos do crime de burla qualificada, razão pela qual se impunha, como se impõe, a pronúncia do arguido, pela prática dele.

  11. De resto, e para que o arguido seja submetido a julgamento, bastará que, nesta fase processual, tenham sido recolhidos apenas os indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança, o que, diga-se, pelas razões supra elencadas, efectivamente o foram, e emanam dos autos.

  12. É que, a não acontecer assim, considerando-se que a actuação do arguido, ao fim e ao cabo, mais não consubstancia do que mero negócio, mal sucedido, acabaria ele, por um lado, por sair deste processo, pela, como sói dizer-se, “porta grande”, e, por outro, alentado pela decisão recorrida, não é difícil prever-se que jamais, se preocupará em diligenciar, mormente enquanto sócio da sociedade devedora, com pagar à assistente a quantia em dívida, a qual, nos dias que correm, é vital para que esta possa manter-se em actividade.

  13. E, a justiça que os Tribunais, em nome do povo, têm como missão administrar, com isso se não compadece.

  14. A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 217º e 218º, 2. a), do Cód. Penal, e 308º, do Cód. Proc. Penal.

O Ministério Público respondeu, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto suscitou a “questão prévia” da nulidade da decisão instrutória, decorrente da completa omissão da descrição dos factos indiciados e não indiciados e das razões respectivas.

II - FUNDAMENTOS 1. O OBJECTO DO RECURSO.

As...

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