Acórdão nº 282/14.0TTVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | VERA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 20 de Outubro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO B., residente na Rua …, com o patrocínio do Ministério Público, intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra C. Seguros, com sede na Rua …; HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE D., representada pelo cabeça de casal E., pedindo a condenação da 1ª Ré a pagar-lhe: a) O capital de remição de pensão anual e vitalícia no valor de €294,00 (devida em razão da fixada desvalorização/IPP); b) A quantia de €74,75, a título de indemnização por ITs; c) A importância de €40,00, correspondente às despesas de transporte e estada efectuadas, até à data, pela Autora e directamente ocasionadas por este processo; Pedindo a condenação da 2ª Ré/entidade empregadora a pagar-lhe: a) O capital de remição de pensão anual e vitalícia no valor de €147,00 (devida em razão da fixada desvalorização/IPP); b) A quantia de €1.154,52, a título de indemnização por ITA; c) A quantia de €91,29, a título de indemnização por ITP; E sejam ambas as Rés condenadas nos correspectivos juros moratórios, incidentes sobre as aqui reclamadas prestações.
Para o efeito alegou no essencial que no dia 21/12/2013, pelas 16.00 horas, quando se encontrava a desempenhar a sua actividade de trabalhadora rural/agrícola numa propriedade da 2ª Ré, sita em …, sob a direcção e fiscalização do seu empregador e se aprestava para mudar toldos de azeitona, escorregou caiu sofrendo lesões, resultando-lhe incapacidades temporárias e ficando afectada de IPP. Na altura auferia a retribuição diária de €25,00, a que correspondia a uma retribuição anual de €10.500,00. A 2ª Ré tinha transferido a sua responsabilidade infortunística decorrente de acidente de trabalho para a Ré Seguradora com base numa retribuição diária de €27,50, mas limitada ao valor de €7.000,00. A Ré Seguradora liquidou à Autora as indemnizações referentes aos períodos de incapacidades temporárias, razão pela qual a Autora reclama as diferenças entre o que pagou e o que deveria ter paga. A 2ª Ré será a responsável pelo pagamento das prestações correspondentes à parcela da retribuição não transferida para a Ré Seguradora uma vez que aceita o valor anual auferido pela sinistrada se cifrava em €10.500,00.
As Rés vieram contestar, alegando em resumo não concordarem com o grau de IPP atribuído pelo INML e por isso requereram a realização de exame por junta médica, mais alegando que por a Autora ser uma trabalhadora ocasional e não ter comprovado qual a retribuição por si auferida no ano anterior ao do acidente, a retribuição a considerar terá de ser €485,00 x 14, correspondente à retribuição mínima mensal garantida em vigor, quantia esta que está integralmente transferida para a Ré Seguradora, sendo por isso de considerar a 2ª Ré parte ilegítima.
* Foi proferido despacho saneador com elaboração da matéria assente e da base instrutória, que não foi objeto de qualquer reclamação.
Foi ordenado o desdobramento dos autos, tendo corrido o apenso para determinação da incapacidade da sinistrada que foi fixada em 3%.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento tendo-se respondido à base instrutória sem quaisquer reclamações.
Por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: “Tudo visto e nos termos expostos, julgam-se procedente por provada a presente acção e em consequência, condena-se a aqui demandada seguradora nos seguintes termos: - A pagar à A. - ITA de 172 dias, que ascende a € 3.463,90 (três mil quatrocentos e sessenta e três euros e noventa cêntimos); - ITP, a 40% de 34 dias, que ascende a € 273,89 (duzentos e setenta e três euros e oitenta e nove cêntimos). No total o valor devido a título de indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas pela A. ascende a € 3.737,79 (três mil setecentos e trinta e sete euros e setenta e nove cêntimos), uma vez que a R. seguradora já liquidou a este título à demandante o valor de € 3.798,12, pelo que o respectivo excesso é de € 60,33.
- Mais se condena a mesma demandada no pagamento à A. de pensão anual e vitalícia, no valor de € 220,50 (duzentos e vinte euros e cinquenta cêntimos), a que acresce a quantia de € 40,00 a título de ressarcimento do valor despendido a título de deslocações. Ao capital de remição a calcular deverá ser subtraído o valor supra indicado pago em excesso à demandante.
A estas quantias acrescem os respectivos juros de mora vencidos desde o dia seguinte ao da alta, à taxa legal, bem como os vincendos até integral pagamento.
Mais se absolve a R. Herança Aberta por óbito de D. dos pedidos formulados pela A.
Custas pela A. e pela R. seguradora em igual proporção, sem prejuízo da isenção de que a demandante beneficia.
Fixa-se aos autos o valor de € 2.847,41 – cfr. art. 120º do C.P.T.
* Inconformados com esta decisão apelaram para este Tribunal da Relação de Guimarães, quer a Ré Seguradora, quer a Autora.
A Ré Seguradora apresentou as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões: “1ª - O presente recurso incide, prima facie, sobre a impugnação do julgamento da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil.
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- A Recorrente impugna a expressão constante do ponto 5, 2ª parte, dos factos provados : “a que corresponde uma retribuição anual de € 10.500,00”.
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- Tal expressão tem manifesta natureza conclusiva, pois a retribuição anual resulta de um cálculo ficcionado pela Exm.ª Sra. Juíza a quo, sem apoio nas provas produzidas.
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- A expressão “a que corresponde uma retribuição anual de € 10.500,00“ deverá ser declarada não escrita – cfr. Ac. do S.T. J. de 15/12/11 - Proc. n.º 342/09.0TTMTS.P1.S1.
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- A matéria ora impugnada (ponto 5, 2ª parte dos factos provados) constitui matéria de direito, pois resulta da interpretação do tribunal recorrido sobre normas legais.
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- A resposta à 2ª parte do ponto 5 dos “factos provados” deve ser eliminada ou passar a “não provada”, mantendo-se a restante factualidade – cfr. art.º 640º nº 1 alínea c) do C.P.C.
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- O presente recurso incide igualmente sobre o rendimento a considerar no cálculo da pensão a fixar à Autora.
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- A Exm.ª Sra. Juíza a quo concluiu que “a seguradora será responsável pelo pagamento da remuneração demonstrada de € 25,00 x 30 dias x 14 meses, no total anual de € 10.500,00” (e mensal de Eur. 750, 00), baseando-se no disposto no art.º 71.º n.º 9 da LAT.
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– Não se demonstrou, contudo, que a Autora auferia a remuneração de “€ 25,00 x 30 dias x 14 meses, no total anual de € 10.500,00”. De modo algum.
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– Provou-se apenas que “à data do acidente a A. Auferia a retribuição diária de €25,00 paga pela 2ª R., entidade empregadora” e que “a A. não trabalhava para a 2ª R. de forma permanente, sendo trabalhadora ocasional, apenas quando era chamada, estando na ocasião do sinistro dos autos previsto que iria trabalhar na apanha da azeitona mais 7 dias” – pontos 5 e 10 dos factos provados.
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– Deste modo, a conclusão de que a A. auferia o montante de Eur. 10 500, 00 por ano não resulta da prova produzida, e mostra-se, aliás, uma autêntica efabulação.
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- A A. admitiu, quer na fase conciliatória, quer em depoimento de parte, que era trabalhadora ocasional, e apenas auferia, nessas ocasiões pontuais, os Eur. 25, 00 por dia.
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- Decisivamente, a relação laboral sub judice não configura uma situação de trabalho a tempo parcial, não sendo aplicável o preceituado no art.º 71.º n.º 9 da LAT.
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- O trabalho a tempo parcial configura uma relação laboral sujeita ao regime comum, mas em que o tempo de trabalho é inferior ao que é habitualmente praticado na empresa – cfr. art.º 150.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
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- A relação laboral existente entre a co-Ré Empregadora e a Autora não configura trabalho a tempo parcial, mas sim trabalho agrícola sazonal e pontual.
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- O trabalho agrícola sazonal resulta de uma concreta, esporádica e pontual necessidade do empregador na contratação de mão-de-obra para determinadas épocas de lavoura, como a vindima, a apanha de fruta, a apanha da azeitona, a apanha de batatas, a poda e a extracção de cortiça.
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– A sazonalidade da relação laboral estabelecida nestes casos, está inteiramente dependente da sazonalidade da tarefa agrícola a desempenhar.
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– Daí que neste caso não se possam aplicar as normas que regem o trabalho a tempo parcial.
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- E mais sucede que a A. não recebia uma remuneração mensal.
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- O contrato de seguro celebrado entre as Rés não é um típico contrato de seguro para trabalhadores dependentes, visa dar resposta à situação PONTUAL ora discutida.
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- Dado que se trata de trabalhadores ocasionais, é a entidade empregadora que indica qual o montante máximo diário que irá auferir cada trabalhador e qual a previsão do montante global de retribuições a liquidar ao longo do ano. É com base nestes pressupostos que se fixa o capital seguro e se calcula o prémio a pagar.
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- Esta solução é a única que respeita a verdade material dos factos e o espírito da lei. E mostra-se equilibrada para ambas as partes.
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- Ficcionar que a A. ganhava Eur. 750, 00 por mês, ao serviço da co-Ré não corresponde à realidade, não respeita o espírito da lei, nem o sentido de justiça aplicável lao caso.
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– A generalização do entendimento recorrido implica que o risco a transferir para as companhias de seguro se agrave de sobremaneira, e os prémios de seguro aumentem.
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- É insustentável para os pequenos agricultores suportar prémios de seguro de milhares de euros, para garantir...
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